Ele mudou.

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(Bianca)

Fiquei a tarde inteira sozinha. Lilie teve que ir pro cursinho e eu tinha que organizar o jantar. Depois de muito rodar atrás de algo que eu cozinhasse e não destruísse a cozinha pelo meu nervosismo, decidi fazer penne à carbonara como prato principal.

É o prato predileto do Tomaz.

Claro que não fiz só porque ele gosta, mas também porque é fácil pra mim. Eu já sou acostumada a preparar esse prato, optei por ele.

Saio do banho e trato de me arrumar. Coloco um vestido soltinho, mas que evidencia bastante minha barriguinha. Penteio os cabelos, coloco um batom clarinho e um pouco de perfume. Ouço a campainha tocar e então vou até a porta abri-la.

_Boa noite, Bianca.

Lá estava ele:

Sério.

Cheiroso.

Bonito.

Me observando.

_Boa noite. Pode entrar._Respondo ao voltar do meu transe._O... O Lucas ainda não chegou. Quer beber algo?

Observo o mesmo caminhar pela sala e parar de costas pra mim. Seu cheiro toma conta de todo o ambiente tornando-o um pouco sufocante. Ele vira-se lentamente e pende a cabeça um pouco pro lado.

_Não tem problema. E não, não quero beber nada._Sua voz estava grave demais._Você está linda, Bianca.

_Estou surpresa por ouvir elogio vindo de você depois de tanto tempo tentando chamar a sua atenção._Sento no sofá._Pode sentar. Acho que já já o Lucas chega.

Ele pressiona o maxilar, provavelmente pelo meu comentário, e senta com sua pose elegante. Ele sempre foi um homem elegante. Mesmo quando era um bêbado inútil ele sempre se barbeava, vestia-se adequadamente e etc. Só estava quebrado por dentro, de um jeito terrível.

_Você parece pensativa._Sua voz invade o ambiente novamente.

_É..._Suspiro._Vou ligar pro Lucas, saber se ele está chegando.

Ele assente e então eu saio da sala indo pro quarto. Fecho os olhos com força deixando umas lágrimas travessas escaparem. Logo as enxugo rapidamente e respiro fundo. Ainda é muito intensa a dor que senti ao ter me dedicado demais a um homem que não estava ligando se eu estava bem ou não. É humilhante e desgastante lembrar.

Pego o celular e digito o número do Lucas. Liguei umas quatro vezes, na quinta ele atendeu.

_Oi, gracinha.

_Lucas, estamos esperando você pra jantar. Eu e o meu ex-marido. Que horas você vai chegar?

_É melhor irem jantando porque o restaurante está cheio, gracinha. Vão conversando aí que assim que der eu corro daqui. Tenho que ir.

Ele desliga sem nem ouvir minha despedida. Me olhei no espelho mais uma vez reparando que a pontinha do meu nariz ficou vermelha. E olha que nem chorei direito...

Engoli seco e saí do quarto tentando manter a pose firme, de que estou levando essa situação numa boa.

_O Lucas está preso no trabalho. Pediu para irmos jantando que assim que der ele corre pra cá._Me assusto com a firmeza que saiu a minha voz._Vem, vamos até a mesa jantar.

_Tudo bem.

Ele senta-se todo educado e coloca o guardanapo no colo. Coloco a travessa no centro da mesa e percebo um sorriso bobo nascer em seus lábios.

_Penne à carbonara?_Ele me encara._Senti falta disso, sabia?

_Fiz esse prato inúmeras vezes enquanto você enchia a cara pelas ruas. Quando eu te oferecia, você recusava e ía dormir. Não seja hipócrita.

Depois de "vomitar" em cima dele tudo que eu quis dizer, observei sua expressão assustada. Tá certo que ele não veio aqui falar de passado, mas nada daquilo foi totalmente digerido por mim. É difícil, muito difícil.

_Desculpe._Sirvo a comida pra ele.

_Você tem todo direito de despejar em mim o sentimento ruim que está guardado aí dentro, Bianca._Seu olhar sério me atinge outra vez._E obrigado pela sinceridade.

Coloco a jarra de suco ao seu alcance e sento pra me servir. Depois do meu comentário rude, ele não levantou mais a cabeça. Seu olhar não saía do prato ou do copo de suco. E isso estava me incomodando.

Aff, eu estou uma mistura de sentimentos hoje!

_Estava muito bom, Bianca._Ele comenta ganhando minha atenção._Acho que devemos começar a conversar sem seu namorado mesmo.

_Tem a sobremesa ainda. Talvez ele possa chegar nesse meio tempo.

_Melhor irmos adiantando o inevitável. Podemos voltar para a sala?

Levo os pratos até a pia e então nos sentamos no sofá da sala novamente. Qualquer cômodo fica extremamente pequeno perto dele. Passo as mãos na barriga sentindo a Júlia mover-se.

_Ela está mexendo?

_Sim, quer tocar?_Respondo sorrindo.

Ele assente e então trás sua mão até minha barriga. Parece que ela adivinhou que é o pai e começou a mover-se mais. Acabamos sorrindo juntos que nem dois idiotas emocionados.

_Ela nunca mexeu tanto assim..._Comento inebriada pelo recente acontecido._Estou emocionada, desculpa.

_Eu que estou emocionado, Bianca. Emocionado e feliz por estar aqui, perto de vocês duas. Esses meses que passei longe, cada segundo eu imaginei como seria te ver outra vez, só que de outra maneira._Seus olhos estão brilhando._Foi difícil pra mim saber que existe um outro homem na sua vida. Eu ainda te amo muito pra aceitar isso tão fácil assim.

_Tomaz...

_Não pense que estou aqui pra insistir em nós dois. Cabe a você decidir se ainda há chance pro nosso casamento, Bianca._Ele passa as mãos no rosto._Estou aqui pela Júlia, pela nossa filha. Aquela sua amiga falou que você está bebendo e isso é culpa do seu namorado. Você nunca foi disso, não entendo.

Respiro fundo tentando demonstrar indiferença com o que ele acabou de me dizer. Me ama? Ele disse que me ama?

Como não demonstrar abalo emocional depois de ouvir isso de alguém que você tanto amou? Que tanto ama, na verdade.

_O Lucas não me induz a nada. Ele me oferece apenas um gole de bebidas exóticas, é só um gole pra que eu prove._Justifico observando o mesmo apertar os punhos._Eu sei que não é certo, mas são pequenos goles. Até parei porque a médica ordenou que eu me cuidasse ou poderia perder a Júlia.

Observo seus olhos arregalarem e o mesmo levantar-se sobressaltado depois de me ouvir. Saber da possibilidade de perder a Júlia lhe caiu como uma bomba. A tensão que se estendeu pelo seu corpo é até palpável. Ele realmente se preocupa. Ele mudou.

***

Tentando recomeçar - Duologia Recomeço  Onde histórias criam vida. Descubra agora