O preço da coragem

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Os ganidos enfurecidos eram abafados pelo chiado do sabre bastão de Rey. O branco da sua lâmina girava letalmente na escuridão da noite, matando o que estivesse em seu caminho. Logo a margem do riacho se carregou do cheiro enjoativo de carne queimada e o metálico de sangue fresco. Alguns já haviam tombado sem vida no chão, montanhas de pelo escuro distribuídos pelo cascalho. Ahsoka usava sua Força para lançar os animais contra qualquer coisa que estivesse pelo caminho, jogando-os pelos ares como bonecos de pano. A Jedi parou um pouco para respirar depois de um giro rápido das pernas e foi nesse momento em que percebeu algo errado.

Eles não estavam diminuindo, apesar da pilha de corpos continuar aumentando. Novas feras surgiam de dentro da mata, latindo com ferocidade e uivando para a lua. Rey ainda sentia essa coisa esquisita em seu âmago, como se houvesse consciência humana dentro daqueles animais, ou algo próximo disso. Pareciam atraídos por algo a mais do que o faro. Ela não duvidava que não fossem apenas lobos grandes - uma matilha comum desistiria de caçar quando percebesse que a presa não era tão indefesa assim, mas eles pareciam cada vez mais determinados.

- Vamos ter que sair daqui! – Ahsoka gritou do outro lado, ofegante.

Mas Rey não respondeu. Não conseguiu. Sua mente fez um click, como se uma nova porta se abrisse em seu subconsciente. Suas pernas se imobilizaram e ficaram pregadas no chão irregular de pedras. Parada ali, á beira do córrego, pequena perante a sombra monstruosa dos lobos que cresciam contra a luz pálida do luar, ela sentiu algo diferente dentro de si. Uma confiança que cresceu em seu peito em uma bolha de calor e se espalhou por seu corpo. Com uma placidez repentina, teve a plena certeza de que os cães não a atacariam. Não se ela fizesse do jeito certo.

Os gritos de alerta de Ahsoka soaram distantes aos seus ouvidos. Seus pés moveram-se sozinhos em direção a matilha, guiados por um instinto mais forte do que ela. O cascalho fazia um ruído baixo sob a sola de seus coturnos e era abafado pelos rosnados ferozes de mais de seis animais que se agruparam a sua espera. A Togruta parou a meio caminho dela quando percebeu que elas não estavam atacando como antes – pareciam apenas em estado de alerta, imóveis, quase reverentes. Ela decidiu esperar e ver o que aconteceria.

Rey finalmente ficou á um palmo de distância da besta que tomava a liderança. Dava para sentir o hálito quente batendo contra seu rosto. Ele ainda mostrava os dentes que, vistos de perto, eram do tamanho do seu dedo indicador e pareciam afiados como lâminas. Mas naquele momento, ela estava atenta aos grandes olhos amarelos com pupilas dilatadas, parecendo crepitar como fogo. Ele tinha mesmo uma consciência espelhada ali, na janela da alma. Indo mais a fundo, sentiu algo ainda mais latente arrepiar sua pele: uma espécie de conexão. Delicada, instável, quase imperceptível. Uma ponte que levava até o outro lado de um abismo, uma via de mão dupla que interligava ser humano com animal. Ela de repente soube que se tratavam de Vornskr, criaturas capazes de farejar seres portadores da Força, e estavam famintos.

Devoradores de Jedi.

Esse pensamento fez o cão balançar a cabeça e dar um latido seco, mas ela não se abalou. Algo dentro de si dizia que ele não a atacaria agora. Ahsoka trancou a respiração á poucos metros atrás; pronta para agir se fosse preciso. Se existia de fato uma ligação entre eles, Rey pensou, então existia também a possibilidade de intervir em suas vontades. A garota se concentrou naquela ponte estreita entre os dois, devagar e com cuidado, ciente de que aquilo parecia loucura, mas certa de que funcionaria. Não demorou muito para constatar algo vibrante no peito, parecendo muito com um segundo batimento cardíaco. Sentiu emoções primárias que não lhe pertenciam - fome, raiva, medo. O cão baixou as orelhas e Ahsoka poderia jurar que ele até balançou o rabo em dado momento.

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