Capítulo Quatro.

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Dantas deixou Hadassa sozinha naquele bar por um tempo considerável, abandonando a casa noturna para fazer uma ligação do lado de fora. A menina aguardou sem muita vontade, gastando todo o tempo de espera encarando as pessoas que dançavam mais à frente. Era um pouco incômodo ver todos se divertindo daquela forma enquanto tantas coisas ruins aconteciam no plano de fundo, não podia negar.

Seu corpo já dava sinais de cansaço pelo longo dia que havia tido. Sua cabeça então, parecia que ia explodir com a quantidade de desgraças. Estava irritada com a situação, todavia, não conseguia evitar achar engraçado como parecia que um alvo estava posicionado bem nas suas costas. Tudo parecia querer a atingir. Dentre tantos vilarejos para uma tempestade de neve soterrar, ele o havia feito logo em sua cidade natal. Dentre tantos candidatos, o maluco fanático havia sido elegido. Dentre tantas pessoas para nascerem "diferentes", ela havia sido a premiada. Hadassa não se achava o centro do mundo, mas, naquele exato momento, realmente acreditava que era o que o tirava do eixo. Ele tentava expulsá-la dele de qualquer forma, tinha certeza disso. Gross sentia que desde que nascera, Esaon parecera virar as costas para sua existência.

Nascera nas condições consideradas perfeitas. Nevava do lado de fora mais do que o esperado para todo o mês. O vento balançava as janelas de madeira de sua casinha e seu pai corria no frio para acionar a parteira mais experiente do vilarejo. A neve era sinal de boa sorte e o vento levaria para longe todo o mal, mas, na verdade, os amuletos e crenças estavam de trás para a frente naquele dia.

Laura Gross, sua mãe biológica, a dera à luz sem muitos percalços. Fora uma gravidez tranquila e um parto mais ainda. Ela estava tão feliz em trazer ao mundo sua primeira filha que, apesar de toda a dor do parto, sorrira o tempo inteiro.

Hadassa nascera rapidamente, com um choro capaz de furar os tímpanos, os olhinhos fechado e a pele negra encoberta pelo empacotamento biológico que a esculpira com o formato do sol. Seus pais não eram exatamente religiosos, contudo, a lenda das erratas em Inverno nunca perdera a graça. Todos sabiam que de pais puros só podiam nascer filhos perfeitos, mas a mais nova Gross era defeituosa. Ela havia nascido negra enquanto seus pais eram claros como as nuvens. O pequeno mundo daquela família começou a desmoronar a partir daí. Eles sentiram medo, temeram pela vida de sua filha. Afinal, por mais que a condenação por causa da lenda fosse proibida em Inverno até então, em vilarejos como Lago Congelado ainda era recorrente. Hadassa podia sim ser morta. Foi então que começaram a inventar as mentiras, e a escondê-la.

Quando as pessoas iam visitar o novo bebê, ela nunca poderia aparecer pois estava com algum tipo de gripe da neve ou com os avôs que moravam longe. As mentiras se tornaram recorrentes e perduraram até que a menina começasse a falar, e seu avô materno voltasse para a cidade para conhecê-la.

Alejandro era pai de Laura, e o avô que trabalhara por toda sua vida na Vigia. Era um senhor de idade um pouco torto, com as sobrancelhas e barbas branquinhas, amante declarado da Vigia e aberto completamente para abraçar o diferente. Passava a maior parte do tempo trabalhando no estrangeiro, e não havia conhecido sua neta até então. Portanto, quando o fizera, se negou a esconde-la. Talvez por estar acostumado com todo o tipo de pessoas, ou talvez porque ela fosse fascinante. Um pinguinho de gente com os olhos pretos maiores que o próprio rosto e uma curiosidade encantadora. A menina, até então, nunca tinha conhecido ninguém além de seus pais nem nunca havia saído de casa a não ser para ir no quintal, coberta até os olhos com casaquinhos costurados por sua própria mãe.

Aquilo era inaceitável, Alejandro afirmava. Eram uma sociedade moderna, afinal, e na cabeça de seu avô, que já não morava em Inverno há décadas, as pessoas já não ligavam mais para a diferença física dos outros. Bom, ele estava bastante enganado.

Mesmo ouvindo protestos dos progenitores de Hadassa, Alejandro insistiu em dar uma vida normal à menina desde o momento em que desembarcara em Lago Congelado. Afirmando que ninguém mais ligava para as lendas e que Hadassa precisava viver. Sim, ela realmente precisava, mas as pessoas ainda não tinham superado a visão arcaica como ele pensava. A lenda ainda vivia congelada dentro dos frízeres pensantes de Inverno e eles a descongelavam quando lhes servia. Então, apesar de ter tido a mais nobre e bela vontade, havia sido o seu avô que havia selado o destino da menina, que não havia sido tão amigável como o esperado.

Os Quatro Frios Ventos de Inverno |#1| (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora