Santa Catarina
Algum dia de SetembroTedioso Tempo,
Hoje queria confessar para você a raiva que estou sentindo da morte.
Faz 10 anos desde que perdi o amor da minha vida.
Sei que pode parecer clichê, exagero ou até mesmo algo de adolescente que acredita em amor à primeira vista e alma gêmea. Mas de fato, Matheus e eu fomos feitos um para o outro.Tudo começou com a escola...
Nós nos conhecemos no último ano do ensino médio. Eu já tinha decidido o que faria da minha vida, mas ele não parecia confiante como eu estava na época. No começo, senti certa simpatia por ele, pois na primeira vez que conversamos oficialmente foi em um trabalho em dupla em uma atividade de educação física.Sabe aquele jogo, onde você faz uma pergunta e escreve a resposta em um papel? Você coloca a resposta com fita durex na testa da pessoa que tem que responder. Basicamente, era uma atividade recreativa depois de uma prova tensa. Foi assim que descobrimos que gostávamos das mesmas coisas. Das mesmas musicas e filmes. A risada dele era trancada. Aquela risada que os garotos tímidos têm receio de dar e assustar a garota. Ele era quieto, e eu era explosiva. Acabamos trocando os nomes de redes sociais, e ele me mandou um convite no MSN.
A noite, eu chegava cansada de alguma social, ou mesmo de cuidar da minha irmã durante o dia, acredite, ser dona de casa cansa muito e lá estava ele. À espera para conversar sobre como eu estava e como foi o meu dia. Era uma amizade muito boa, sem indícios de segundas intenções ou paixonite. Ele era nerd demais, quieto demais e perdido demais em alguns sentidos. Eu era tudo. Não era de conversa com os colegas da sala, exceto aquela melhor amiga. Eu parecia nerd, mas tinha personalidade, sempre deixava claro meu ponto de vista e até diziam que eu era uma garota polemica por ser como era. Eu era agitadíssima e tinha um planejamento para qualquer passo que daria a seguir na vida.
Um dia, estava subindo uma praça do centro de Florianópolis. E passei pela figueira. Lembrei que diziam sobre ela ser boa para casar e dar filhos. Eu era nova, e sempre gostei de desafios.
Não tinha intenções, só achei uma piada. Decidi dar às sete voltinhas em volta da figueira, mas quando estava completando a volta número seis, ele apareceu. Disse oi e perguntou como eu estava. Ele era tão desligado que nem percebeu o que eu estava fazendo na época.
E se ele tivesse notado que eu andava em círculos ao redor de uma árvore velha e histórica, ele não saberia o significado de tal coisa. Sua ingenuidade me impressionava tanto. Aquilo era um atrativo daqueles que eu sentia por ele. Afinal, eu era quem estava sempre dois passos a frente.
A conversa se tornou longa, ele me acompanhou até uma banca de revista. Discutíamos como grandes intelectuais de causas e fatos científicos, históricos e sobrenaturais. Até que ele percebeu do que gostava, de mim. Arriscou um beijo ligeiro e me pegou de jeito. Seus lábios estavam secos, quentes, mas eram chamativos e me atraiam.
Porque ele me despertava tanta curiosidade? Porque não se envolver?
Eu era jogada pela vida, gostava de não ter compromissos com um namorado, pois detestava a ideia de me prender a algo. Detestava mais do que tudo a possibilidade de ser de " alguém " e deixar do que gosto de fazer para agradar terceiros. Mas ele era paciente. Tão paciente que a sua calma me puxava e fazia ir atrás. As férias foram diferentes do que eu havia pensado. Passeávamos em lugares diferentes. Eu detestava a ideia obrigatória do romance.
Um desafio era uma vez por mês ter um encontro controverso. E foi assim que conheci Museus de artes, Teatro, galerias, e outros que nunca fui sozinha. O museu Cruz de Souza e o Homem do sambaqui eram os preferidos dele.Matheus era aquele tipo de garoto que não tinha sonhos, não ambicionava nada. Mas sua gentileza era tão praticada que deixava rastros de sorrisos por aonde ia. Por mais zangado que estivesse ele se mantinha calmo. Por mais irado que pudesse estar em algum momento, ele não descontava em ninguém. Ele tinha algo. Havia algo nele que me chamava. Algo que trazia a calma do lago para esse mar turbulento que eu sempre fui.
O dia em que eu o perdi foi o mais triste de todos. Como pode ser possível partir assim? Apenas alguns instantes antes, eu havia dito que o amava. Eu havia tido a oportunidade da vida de dizer o quanto ele significava para mim. E pude ter a chance de ouvir nitidamente suas últimas palavras: Sempre seu, minha Clarissa.
Infelizmente ele desligou a chamada do celular. Distraído com os botões, a bicicleta virou e uma moto cruzou rápida pelo túnel. Passou na televisão. Quando meu pai viu, ele ligou de imediato e eu chorei sem parar por semanas. Ainda choro, mas não igual aquele dia. Estávamos namorando fazia cinco anos. Já morávamos juntos a dois anos e estávamos de casamento marcado para dali sete meses.
Foi um banho frio no inverno. Os gastos foi de menos importância pois eu consegui revender para a prima de uma amiga que ia casar. Mas a falta de alguém que amamos é muito maior do que a preocupação qualquer de uma conta bancária atrasada no boleto.
Em momentos como esses, que estou sentada no chão gelado do quartinho do castigo, eu reflito sobre esse dia.O dia que eu mudei. O dia em que deixei de ser onda para ser água parada. Queria levar flores ao túmulo de Matheus, Pois hoje faz 10 anos. Ele não tinha ninguém. Era órfão, por isso eu era a única que leva flores e limpava sua lapide. Tínhamos alguns amigos naquela época, mas depois de um ano, eles se afastaram porque eu os afastei e então, apenas eu levava as flores.
Pedi para o meu medico que me liberasse por algumas horas para poder ir até lá. Ele não permitiu. Mesmo sabendo o quanto isso significa para mim. O quanto sofro pela perda do amor da minha vida e assim mesmo, ele não deixou. Fiquei com raiva.
Esqueci as regras de comportamento e joguei a xícara de café quente que ele tinha na mesa na cara desse infeliz. Claro que ele chamou os ajudantes e fui trazida para o castigo. Onde escrevo essa maldita carta para o tempo, implorando a você que passe logo.
Uma vez me disseram que o tempo é a única cura para a dor do amor.
E então é para você que eu escrevo Tempo.
Por Favor, Me ajude a superar a dor do amor.
A raiva da morte e a perda da esperança na vida.
Com muita raiva suas por ser lento,
Clarissa.
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Além do Tempo
Romance" As vezes a morte leva aquilo que mais amamos, e cabe a nós decidir o que fazer com o que ela deixou para trás". Uma professora de História perdeu o amor da sua vida. Após alguns anos conturbados em luto, ela finalmente entende que a vida é preci...