capítulo 1

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            A manhã estava pálida e chuvosa. O vento frio soprava os galhos das árvores esquecidas do jardim da clínica psiquiátrica. Uma jovem de vinte e sete anos estava sentada fitando a janela do refeitório. 

       Clarissa havia se tornado a típica paciente que poucos ali gostavam devido a sua personalidade confusa e agressiva. Os demais pacientes estavam tomando o café da manhã que era a mesma coisa todas as quartas-feiras de todos os meses do ano. Mingau de aveia e pão torrado com manteiga. O mesmo pão feito na segunda-feira da mesma semana, que com os dias vai ficando impossível de mastigar. Então eles torrão e passam manteiga e empurram para os pacientes. 

      A gerência tinha sido renovada por um novo diretor, pois o anterior infelizmente tinha sido assassinado por envenenamento. A clínica já tinha sido melhor, mas agora com a nova gerência muitas coisas mudaram. Inclusive a qualidade da comida. Tudo se resumia a economizar o máximo possível. Acontece que aquele lugar pertencia ao estado e por isso não era pensado no conforto daqueles que estavam ali. 

         Mexendo inquieta no mingau asqueroso que tinha a sua frente, Clarissa tentava demorar o máximo possível para quando a chamassem. Odiava sessões de grupo e ainda mais o psiquiatra que lhe atendia. Perdida em seus devaneios, é persuadida por alguém que chega de mansinho e se senta ao seu lado na mesa de quatro lugares do refeitório do manicômio.


- Oi, Clarissa. Estou certo? - Perguntou um rapaz esticando o braço para um comprimento respeitoso.
- Você não é muito de falar. Gosto disso. - Continuou ele, recuando o aperto de mão.
- Sou Jonas, prazer. - Insistiu ele em falar, tentando ignorar o desprezo dela.
- A propósito, você não vai conseguir superar o tédio desse lugar sozinho. Que tal sermos amigos? - Sugeriu o rapaz, comendo avidamente aquele mingau sem gosto.
- Não estou interessada. - Disse ela friamente, levando a colher a boca, tentando engolir aquilo.
- Afinal você fala. Bom. Já é um começo. - Disse esperançoso, piscando para a garota enquanto acabava com seu café da manhã.
- Não vai comer? - Perguntou ele olhando para a moça que empurrou a cambuquinha de mingau praticamente intocada.
- Pode pegar. - Deu de ombros, fitando pela primeira vez aquele ser humano.
- Opa! Valeu mesmo. - Agradeceu ele pegando a travessinha e devorando o mingau.

        Jonas era um rapaz de aproximadamente vinte e oito anos, era levemente moreno e de cabelo curto. Seus olhos eram pretos e ele usava a roupa de paciente da clinica. Ele era alto, embora estivesse sentado. Tinha mãos grandes e firmes. Não era exatamente magro, mas tinha um corpo forte que marcava seus ombros largos na malha preta por cima da camiseta branca. Ele era bonito, mas nada de excepcional. Clarissa se perguntava como ele tinha coragem e estômago para comer aquela coisa que chamavam de "comida".

- Não está tão ruim assim. - Disse ele de boca cheia, ainda mastigando. Parecia morto de fome.
- Acredito. - Disse ela incrédula, tentando evita-lo. Na tentativa de que ele fosse embora e lhe deixasse em paz.
- Estou quatro dias sem comer. Acho que comeria até farinha pura. - Riu enfiando a fatia de pão seco na boca.
- Fique a vontade. - Ela empurrou o prato plástico com a fatia dela.
- Obrigado. - Agradeceu pegando o pão do prato dela. 

- É muito idiota colocarem a gente na solitária por qualquer motivo que dá na cabeça deles. Você não acha? - Pergunta ele ainda de boca cheia.
- Como assim? - Pergunta ela prestando atenção em uma pequena confusão que se iniciava com outros pacientes na mesa perto da porta.
- Bem, eles me obrigaram a ficar calado porque sou ateu. Isso não é ridículo? - Pergunta ele incrédulo que aquilo realmente tenha acontecido.
- Eu estava em uma sessão de grupo. Tem uma senhora mexicana que é muito religiosa. Ela dizia que só seria curada jejuando e implorando o perdão de seus pecados a Deus. Eu achei aquilo uma besteira. Não Deus, mas o fato dela realmente querer forçar todos a rezar e jejuar. Se ela é maluca fanática isso é problema dela. O psiquiatra perguntou o que todos achavam e agradeceu o desabafo dela. Eu ri. Ele não gostou. Achou grosseiro. - Resmungou ele acabando de engolir o segundo pão. Continuou: 

- Me perguntou o porquê estava rindo. E disse que o quê ela dizia não tinha sentido. Ela começou a surtar, dizendo que eu fui marcado pela mão do anjo caído. - Enfatizou na ironia da última palavra. Continuando:
- Eu ri de novo. Não era intenção. Acho que cada um acredita no que lhe convém. Mas ela começou a rezar e chorar. Os outros começaram a gritar e diziam que eu estava queimando. O doutor não achou divertido. - Bufou ficando irritado de se lembrar.
- Você não devia ter rido dela. - Respondeu Clarissa prestando atenção nele finalmente.

         Surpreendeu-se pelo comentário dela, levantou o olhar em sua direção. Seus olhos se encontraram e Jonas percebeu que finalmente tinha a atenção de Clarissa. Ela sentiu o peso do seu olhar descendo diante do rosto dela. O rapaz observava o jeito que ele estava sentada descontraído na mesa. Seus braços cruzados ao peito e inclinados na mesa. Ela usava a mesa camiseta que ele, mas não estava de casaco. Seu cabelo ficava preso em um coque bagunçado, mas o cabelo loiro escuro parecia limpo e penteado apesar disso. Quando seu olhar voltou a ela, a garota esperava que ele parasse de olha-la como se fosse um doce.

- Foi por isso que ficou na solitária? Isso explica a fome absurda. - Comentou sarcástica do fato dele ser o único naquela mesa que tinha apetite de comer com vontade aquela refeição horrenda.
- Sim, foi por isso. - Concordou coçando o cabelo.
- Hora do remédio! - Gritou a enfermeira em alto som para que todos ouvissem.

       Jonas levantou-se da mesa e seguiu a fila que se formava aos poucos perto da porta. Clarissa ficou desanimada. Havia esquecido por um momento que os minutos passavam normalmente e que agora teria que tomar os medicamentos obrigatórios pelo médico. Todos já estavam na fila, com exceção dela. O guarda que não tinha mais paciência para aquilo foi até ela. A garota levantou da mesa e caminhou contra própria vontade em direção àquela palhaçada diária.
(Inferno) Pensou ela. E assim, começou a manhã na clínica. 

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