UM DIA ATRÁS DO OUTRO...

VISITA

       As fotos do Chá de Bebê tinham ficado prontas há uma semana, mas demorou 2 meses para isso acontecer. Mas ficou "o álbum". Ele é perfeito, com capa dura, e todas as fotos são páginas, então não tem como tira-las dali e não tem motivos para isso.
       A primeira foto é a minha cara de surpresa, quando entrei em casa e vi aquelas mulheres gritando "surpresa". Minha cara está super engraçada dessa foto, Mikaelly vai dá altas risadas com ela, no futuro. Em seguida tem a festa, todas as fotos que eu tirei com cada uma das convidadas, fotos com as crianças, fotos da decoração, da abertura dos presentes, e nós dançando Just Dance.
        Junto com o álbum pedi para fazer um dvd com o vídeo que Martin tinha feito para Mikaelly, porque, assim, quando ela tiver 5, 6 anos vou poder mostrar o álbum e em seguida, o dvd.
        - Vou no mercado e já volto!
        Levanto os olhos do álbum e vejo que minha mãe está vestindo uma calça jeans e uma camiseta preta.
       - Daqui a pouco, Alex chega. Você vai ficar bem?
       Desde que completei 9 meses minha mãe não sai da minha cola, até dorme no meu quarto, na minha cama. Ela está com medo de que me aconteça alguma coisa. Sei que essa preocupação é boa, mas estou cansada disso, quero ficar um pouco sozinha.
        - Vou ficar bem, mãe- digo mudando a página do álbum. -Não se preocupe.
        - É melhor eu esperar Alex chegar. É perigoso, você ficar sozinha.
        Reviro os olhos, vou ficar sozinha por 10 minutos. O que pode acontecer em 10 minutos ?
       Certo, muitas coisas podem acontecer. Mas não vai acontecer hoje, sei que não. Quero ficar um pouco sozinha.
        - Mãe, pode ir- me levanto e abro a porta.- Alex vai chegar em 8, 10 minutos. Se acontecer algo comigo, se minha bolsa estourar e ninguém tiver por perto, ou se eu senti dor, prometo que eu grito pedindo ajuda e ligo pra senhora. Pode ser?
         - Está me expulsando?
         - Um pouco.
         Lorena faz uma cara não muito amigável, acho que se não a convencer que vou ficar bem, ela não vai me deixar sozinha esses 10 minutos. 8 agora. E eu preciso tanto desse tempo.
        Encosto no caixilho da porta e respiro fundo. Meus olhos não desgrudam de Lorena, que está com os braços cruzados esperando que eu fale alguma coisa.
        - Mãe, sei que estou no nono mês, quase dado a luz, mas eu quero ficar um pouco sozinha. Você me conhece, sabe que eu não gosto de toda essa atenção que está me dando, me sinto um pouco sufocada- vejo que ela quer questionar, mas sou mais rápida.- Sei que tem medo que me aconteça o mesmo que aconteceu com a esposa do Ralph.
        Cristiana, esposa de Ralph desenvolveu eclampsia durante sua gravidez. Ela estava tratando mas no nono mês de gestação, antes da sua última consulta, enquanto se arrumava, acabou desmaiando, bateu a cabeça na pia no banheiro e acabou falecendo. Foi horrível, ela estava esperando tanto por esse filho mas nem teve a chance de vê-lo.
        - Mãe, não vai acontecer. Estou bem, se quiser fico até deitada no sofá até Alex chegar. Só quero ficar quieta um pouco. Sozinha.
         - Camille, não sei se é certo te deixar sozinha.
         - Mãe, por favor.
         Escuto o sinal de mensagem do meu celular. Alex.
        Chego em 5 minutos. Marcela foi ver uma amiga. Mas disse que não vai demorar para chegar.
         5 minutos. Meu tempo sozinha está diminuindo.
        - Alex falou que chega em 5 minutos. Não vou morrer em 5 minutos.
        - Certo, Camille.- ela pega as chaves do carro, e vem até a porta.- Qualquer coisa me liga e não sai no sofá até Alex chegar.
       - Ok!
       Ela dá um beijo no meu rosto e finalmente se vai. Vou até a estante e pego um livro qualquer, me deito no sofá. Já que Lorena não quer que eu me machuque, essa é uma posição perfeita. Leio a capa do livro. Coração de Tinta. Amo esse livro. Começo a folheá-lo até que encontro pétalas de Rosa entre as páginas. Me sento para vê-las melhor, lembro quando Martin me deu essa rosa.
        Nós namorávamos ainda. Era uma tarde de Julho, não lembro bem o dia mas estava um lindo dia ensolarado, eu estava arrumando a casa e de repente ele chegou e me deu essa rosa. Foi muito fofo, pois nem esperava vê-lo nesse dia. Lembro que fiz de tudo para Rosa não morrer: coloquei na água, trocava a água todos dias mas não adiantou muito. Então resolvi tirar as pétalas e colocar no livro.
         As pétalas continuam vermelhas, um pouco envelhecidas, amareladas nas pontas, e um pouco frágil. Tomo cuidado ao tocar, tenho medo de destruí-las ou machuca-las. Mas é lindo ver que elas sobreviveram após tanto tempo.
         A campainha toca, fecho o livro e vou atender a porta. Abrindo dou de cara com um homem alto, branco que está vestindo um terno preto, uma blusa branca e uma gravata vermelha.
        - Amigaaaaa!!!
        - Migoooo!!!
       A gente se abraça, mas como ele é grande demais e minha barriga está enorme, esse abraço não dura muito. Deixo ele entrar, e me sento de novo no sofá.
         - Sinta-se em casa- digo apontando por sofá.
         - Claro, sempre- ele se senta e olha para mim.- Como você está?
        - Estou grávida ainda, mas em breve não estarei mais e você? 
        - Não estou grávida.
       Dou risada. Alex é meu melhor amigo, mas nunca entendi como a gente virou amigo, quase não temos coisas em comum. Eu sou enfermeira, ele é advogado. Eu sou escritora, ele só ler quando é extremamente importante ou super interessante. Só há duas coisas que a gente tem em comum, somos meio antissociais e amamos cozinhar, de resto somos opostos totalmente.
       Uma vez nos perguntamos por que éramos amigos? Mas nenhum dos dois soube responder, e dissemos: "Foi Deus que quis."
        - Cadê sua esposa?
        - Marcela foi numa amiga. Foi ajudar a escolher não sei o que. Não lembro.
        - Nossa! Não presta atenção no que sua esposa diz?
        - Presto, mas ela não entrou em detalhes, então não quis saber.
        - Falta de interesse.
        - Falta de interessa nada. Fica quieta.
        - Estou quieta.
       Sinto uma dor na barriga, mas é uma dor suportável. Não é a primeira vez que eu sinto, desde de ontem a noite estou sentindo. Só não falei para minha mãe, ontem, porque não era importante, e a dor passava rápido. E hoje, espero que aconteça a mesma coisa. Passo a mão na barriga e respiro devagar.
        - Como está a vida de casado?
        Alex tinha casado há um ano com Marcela. Desde que os vi juntos pela primeira vez, já vi que eles combinaram logo de cara, mas eles demoraram 2 anos para perceber isso. Mas quando perceberam, as coisas aconteceram rápido. Namoram, noivaram e se casaram em menos de um ano.
        - Não é tão ruim. Até que é bom.
        - Marcela é a tampa da sua panela? 
        - Pode se dizer que sim.
       Alex está com um brilho no olhar, que só quem está apaixonado tem. Ele parece, realmente, feliz com a vida de casado. E eu fico feliz por ele.
       - O amor é lindo.
       Começo a rir mas a dor começa de novo, com um pouco mais de intensidade. Respiro pausadamente para aliviar a dor, e começo a contar até 10.
         1, 2, 3, 4, 5...
         - Camille, você está bem?
        Olho para ele e forço meu rosto a formar um sorriso mas não consigo.
        ...7, 8, 9, 10.
       A dor está passando...
       Volto a respirar normalmente. Se essas dores continuarem vou ser forçada a ir ao hospital. E minha mãe não está aqui.
        - Camille?
        - Oi?
        - Você está bem?
        - Sim, só senti um pouco de dor, nada de mais.
        - Garotinha, você pode dá a luz hoje e não é nada de mais?
        - Não - digo me levantando e indo para cozinha. - Não vou dá a luz hoje. Quer café?
        - Aceito- diz se aproximando do balcão.- Mas imagina, se sua bolsa estourasse agora. Você ia pagar com a língua.
        - Para- digo pegando a garrafa de café e um copo. - Não vai...
       Antes que eu termine a frase sinto um líquido quente descer pelas minhas pernas, nem olho por chão. Já sei o que é.
       - Droga! - digo apoiando minha cabeça nas mãos.
       - O que foi?
       - Minha bolsa estourou.