TRABALHO

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         - Bom dia, senhor -olho o nome dele no prontuário.- António. Vou verificar sua pressão mas tenho que conferir algumas coisas primeiro, tudo bem?
        - Claro!
        - Tomou café hoje?
        - Não, não gosto de café.
        - Bom, eu também não- sorrio.
        Pergunto mais algumas coisas, e pego o aparelho de pressão, me sento de frente pro senhor António.
       - Pode apoiar o cotovelo aqui na mesa- ele apoia cotovelo e eu coloco o aparelho em seu pulso.- Agora, respire pausadamente, bem devagar.
        Fico em silêncio enquanto o vejo respirar. Quando o aparelho apita, eu tiro do braço dele, e vejo quanto deu sua pressão.
       - 142, está um pouco acima do normal mas nada grave. Nada que uma segurada no sal não resolva.
       - Certo, então estou liberado? - pergunta ele com um sorriso no rosto.
        - Está liberado, se me prometer que vai continuar bem e cuidar da alimentação.
        - Prometo- diz ele- Na minha idade, todo cuidado é pouco.
        - O senhor está novo ainda. Está jovem, só precisa continuar se cuidando.
        - Não estou novo, tenho 63 anos, estou quase no caixão- brinca ele.
        - Não brinca com isso, seu António. O senhor tem muito o que viver ainda.
        - Talvez- ele se levanta da cadeira.- Gostei de você, Camille, mas não lembro de ter visto por aqui antes.
        - Voltei a trabalhar aqui há pouco tempo, por isso que o senhor não tinha me visto.
        - Agora me verá com frequência. Vou sempre passar com você.
        - Vou gostar de ver o senhor novamente.
        - Desculpa a pergunta, mas você é casada?
       Olho para minha mão esquerda, e não vejo minha aliança. Depois que Martin morreu, eu continuei usando, porque, para mim, continuávamos casados, não conseguia desapegar da minha aliança. Até que minha mãe fez com que a tirasse, me deu um sermão, e falou que eu precisava começar de novo, encontrar outra pessoa.
        Não quero outra pessoa, ninguém é igual ao meu marido, nem vou procurar é perda de tempo. E também, quem quer uma mulher que já tem uma filha de 3 anos?
       - Sou viúva.
       - Oh, sinto muito, querida.
       - Não se preocupe, já faz três anos.
       - Entendo- ele olha para mim e sorri, e eu acho estranho- Então você está solteira?
       - Sim, pode se dizer que sim.
       - Eu tenho um neto...
       E lá vamos nós. Há um ano atrás, várias pessoas quiseram me arrumar algum encontro, mas nunca me interessei por nenhum deles, ou eles eram sérios demais, ou não gostavam de crianças ou eles eram "crianças" demais. Nada que eu levasse a sério. Mas as pessoas nunca desistem, sempre tentam me juntar com alguém, e agora até meus pacientes.
        - ... talvez vocês possam se conhecer...
        - Eu tenho uma filha- solto sem pensar, talvez assim ele pare.- Ela tem 3 anos.
        - Julian ama crianças, ele é médico pediatra.
        - Legal, mas no momento não estou interessada em relacionamentos.
        - Tudo bem, talvez um dia vocês se encontre- diz um pouco decepcionado.- Pena que ele não trabalha aqui.
        - Uma pena.- Não, não é. - Talvez uma próxima.
        - Espero que sim- diz voltando a sorrir.- Tenho que ir. Até logo, Camille.
        - Até logo, senhor António.

        Atendo mais alguns pacientes, até que eu decido ligar para minha sogra. Ela resolveu ficar com Mikaelly para mim, e já que ela mora perto de mim, achei uma ótima ideia.
        - Oi, como está sendo o trabalho?
        - Normal, o mesmo de sempre- digo mexendo com alguns formulários.- Como a Mika está?
        - Ela está brincando com Arthur.
        - Arthur? Quem é Arthur?
        - Arthur é um garotinho que se mudou pra casa ao lado, você não teve oportunidade de conhece-lo ainda.
        - Ah, entendi- digo.- Mas ela está bem?
        - Mika, vem falar com a mamãe!
        - Mamãe- escuto a voz dela ao fundo e em seguida, ela pegando o telefone.- Oi, mamãe, eu to brincando com o Arthur.
        - Arthur é seu novo amiguinho?
        - Sim, ele é muito legal- diz ela rapidamente.- Agora eu vou voltar a brincar com ele. Tchau, mãe.
        - Tchau.
        - Ela está bem, não precisa se preocupar.
         - Ok- digo.- Vou voltar ao trabalho agora. Quando eu estiver saindo, eu ligo.
        - Ok- diz ela- Bom trabalho!
        Desligo o telefone, começo a preencher alguns formulários. E me concentro tanto nisso, que nem percebo que Katherine, uma colega de trabalho, entrou no meu consultório.
       - Camille?- diz batendo na porta.
       Olho para porta, e vejo uma mulher morena, com o cabelo preso num rabo de cavalo, vestindo uma roupa azul, seu uniforme de trabalho. O uniforme de enfermeira, normalmente é branco, mas aqui no Hospital Pedro I, as enfermeiras se vestem com cores, cada área tem uma cor, por exemplo: verde é da área cirúrgica; azul é da maternidade, a área da Katherine; roxo é a minha área. Área que auxilia todos os médicos, todos os pacientes passam por mim, e cuidamos das aplicações de medicações.
        - Ah, oi, Kathy.
        - Você pode vim aqui?
        - Aconteceu, alguma coisa?
        - Eu vou precisar de você.
        Deixo meus formulários de lado e sigo Katharine até o consultório dela, mas assim que entro, vejo todas as pessoas da minha equipe, tem balões espalhados, um bolo e três refrigerantes na mesa.
        - O que é isso?
        - É nosso presente de boas-vindas.
        - Não tivemos tempo de te dá boas-vindas até agora- diz minha supervisora, uma mulher que tem 52 anos, com o cabelo loiro com alguns fios grisalhos, e que veste um vestido cinza.- Mas aqui está nossas boas vindas, bem vinda de volta a nossa equipe, você fez muita falta.
        - Obrigada, Margareth- digo a abraçando.- Senti muita falta de vocês também.
       - Não vai mais senti nossa falta, vai ver tanto a gente que vai enjoar.- Sorri Margareth, coloca a mão no meu ombro.- Tenho que ir agora. Mas deixem um pedaço de bolo pra mim.
        - Pode deixar- diz Katherine.
        - Bem vinda de volta!
        - Obrigada- Margareth sai, e eu me aproximo da mesa e vejo que o bolo é de prestígio, meu favorito.- Obrigada, gente. Fico muito feliz de estar de volta, vou amar trabalhar com vocês. Mas agora, vamos comer bolo?

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