Capítulo 1

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— E então, meu caro Pierre, o que pretende fazer agora? — pergunto, soltando o ar e me sentando à mesa do barzinho, enquanto aguardo meu café preto. As coisas finalmente entraram nos eixos. A missão na busca pelo líder da máfia latina ao lado de Felipe, Bel e Pierre havia chegado ao fim e só restou nós dois, já que Felipe e Bel estavam em segurança. Graças a Deus.

— Eu não sei. Estou completamente perdido. Como se tivesse sem um rumo. A palavra é essa mesmo? Rumo? — questiona, testando a palavra e sentando na cadeira de plástico vermelho ao lado. O velho sotaque francês carregado em cada sílaba. Mas para quem pouco conviveu aqui em nossas terras tupiniquins, ele manda bem. Já tive vontade de socar a cara dele algumas vezes, quando em meio a um momento de puro estresse da missão, ele vinha falar algo. Parece que o francês é uma linguagem chique demais para certas ocasiões. Até que me dei conta de que era pura bobagem minha, implicância, e me acostumei com os biquinhos e os erres dobrados.

— Sim. O tradicional rumo. Mas não se preocupe, tem pessoas que nunca descobrem seu rumo na vida, quem dirá em uma situação como essa. Se servir de consolo, eu também meio que me sinto assim após finalizar um trabalho, principalmente se for grandioso como esse.

— Creio que seja diferente. Passei a vida toda tentando ajudar Isabela. Minha existência se resumiu a ela e ao bem estar dela. Eu ainda idealizava uma chance para nós dois. É bem idiota, sei bem. Porém, eu a perdi de vez e conscientemente, fiz a coisa certa a ser feita, vou sofrer por isso, mas já estou acostumado. A única coisa com a qual eu não estou acostumado é a não ter Isabela para me preocupar e ajudar. Ela está bem, em segurança e em boas mãos, eu finalmente consegui atingir meu objetivo, mas Nora, o que eu faço agora?

— Poxa, isso é realmente um saco. Eu entendo, Pierre, ô se entendo. Eu poderia dizer pra você que sei exatamente do que você se refere, e bem pior, mas eu não quero. — Ele arregala os olhos com meu tom. Acho que se deu conta de que eu sou maluca. — Vou apenas dizer que você consegue. Você vai sofrer como o diabo, mas cara, quem não sofre? Fora eu, porque eu não sofro, nunca. — minto. Ele sabe que é mentira, mas não retruca, apenas assente.

— Agradeço. — se limita a responder e fica ali com aquela cara de cachorro que caiu da mudança. Eu suspiro largamente e me arrependo na mesma hora do que vou fazer.

— Pega suas poucas tralhas e vem lá pra minha casa. É pequena, mas tenho um sofá cama. — bufo instantaneamente e esfrego o rosto com ambas as mãos. Que raios estou fazendo? Me metendo em encrenca e das boas.

O que eu havia combinado comigo mesma sobre homens? Ah sim: NADA DE HOMENS EM MINHA CASA!! — minha consciência berra. Mas eu mando ela se foder. O cara ta na pior. Qual a diferença, nesse momento, entre ele e uma das mulheres que já ofereci abrigo? Ta, ta, ele tem um pinto entre as pernas, mas e daí? Eu sei manter distância de um pinto. Sei perfeitamente bem. Outra mentira? Ah que se dane!

— Ir para sua casa? Para quê?

— Sinceramente? Eu não sei. Mas eu acabei de convidar e certamente foi uma decisão burra, só que meu instinto protetor não vai me permitir deixar você a esmo quando perdeu tudo o que tinha. Você fica lá uns dias, até se sentir pronto para recomeçar e pode retornar para França e fazer o que os franceses fazem na França. Tanto faz... — Dou de ombros.

— Acho que vou atrapalhar sua rotina. Eu ocupo bastante espaço, sou grande e desengonçado... eu não quero incomodar, Nora.

— Eu mal paro em casa. Meu chefe vai querer que eu folgue alguns dias, mas ele sabe que eu não vou aceitar a proposta. Eu nunca folgo, só se fico doente. Eu preciso me manter ocupada pra não surtar, você não vai entender e eu não vou explicar. — O atendente traz o café preto para nós e se retira. Eu bebo em dois goles, sem açúcar, o amargor me mantém acordada. Pierre bebe o dele e ficamos em silêncio. Eu não tenho mais nada a dizer, já falei demais.

Sentidos {DEGUSTAÇÃO}Onde histórias criam vida. Descubra agora