Capítulo 5

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O despertador toca mais cedo do que de costume, porque terei que ir trabalhar de ônibus e somente no final de semana eu teria como ver o problema do motor do meu carro.

Acordei até que bem, imaginei que estaria com uma cara pior, mas separar um tempo só para mim, como fiz ontem, me permitindo desfrutar da companhia de um bom livro, era exatamente o que eu precisava. Faria isso mais vezes.

Mas senti falta, ao passar pela sala, de encontrar o sofá-cama bagunçado e com um cara enorme deitado nele, completamente alheio aos meus barulhos indo pra lá e pra cá. Resolvo não pensar nisso, deixo passar e me foco em cuidar de mim. Trato bem dos cabelos, passando cremes perfumados que eu raramente uso, visto meu melhor jeans e calço minhas botas novas. Me dou ao luxo de ficar bonita em plena terça-feira.

Pego minha bolsa, meus óculos e saio bebendo café em meu copo térmico. Fazia o mesmo no carro, então por que não fazer no ônibus?

Ali estava a velha parada que eu deixei passar ontem, quem diria! Me tornei quem eu menos esperava: a dorminhoca dos transportes públicos.

Finalmente o ônibus chega e eu me sento nos bancos de trás, ainda é relativamente cedo e está bem vazio, me dando oportunidade de escolher o melhor assento.

Bom, ajeito meus papéis para dar uma olhada na agenda do dia, como sei que está bem longe de onde vou descer, terei tempo de me organizar. Preciso conversar com dona Alessandra Pedroso, a moça que prestou queixa do marido e depois retirou. Eu não posso deixar que ela viva esse terror e que esse marido tirano fique impune. Mas são tantos casos, todos os dias, principalmente relacionados à busca e apreensão de drogas, corrupção, muita trama com políticos, passaportes pra liberar, muamba ilegal entrando, desvios públicos... Porém eu tinha que dar um jeito de atender a moça, no meio de todos esses problemas pra resolver, o caso dela era o que mais me preocupava e o que mais ocupava minha cabeça.

Eram raros os boletins de ocorrência na federal, ainda mais nesse caso, porque isso normalmente quem faz é a civil, mas a moça entrou ali e eu atendi. Atendi, deixando todo o resto de lado, ela estava desesperada, como negar? Impossível! E até hoje eu não consegui sanar essa questão. Não consegui dar a devida atenção, estou em falha com ela e comigo mesma. Teria que arrumar uma brecha e ir vê-la, mesmo que isso me fizesse ter que trabalhar no final de semana ou ter que pedir que Saldanha me cubra em alguma busca.

Depois de checar todas as tarefas do dia, guardo tudo na pasta e olho ao redor. Tem novos passageiros, que eu não vi chegarem e o cobrador está lá com a mesma cara de tédio. Mas, e o garoto? Ele disse que pegava o mesmo ônibus todos os dias, só que não estava ali, ou será que tinha descido?

Não! Claro que não. Eu tinha entrado mais cedo hoje e ontem eu tinha pegado o transporte em outro horário. Era isso. Fico um pouco frustrada, porque ele era o de mais interessante dentro daquela lata sonolenta. Agora, o que me resta é ouvir minhas músicas, dessa vez lembrei de trazer meus fones.

Meu dia transcorre rápido demais. A operação Lava Jato anda a todo o vapor, inclusive estamos para entrar em ação a qualquer momento. Com essa operação, me ocupando quase que por completo, eu não consegui arrumar uma brecha pra procurar pela Alessandra, o que me deixa enlouquecida.

— Cara, é o seguinte, tu tem que focar na tua função. Isso de ficar se envolvendo com coisas que não são da tua alçada, só vão te prejudicar. Falo isso com sinceridade, Nora. — Saldanha menciona, cauteloso.

— E se fosse com tua filha? Você já pensou?

— Essa não é a nossa função, Nora, entenda. Você tá sempre se metendo no cargo dos outros, querendo agarrar o mundo sozinha, não dá. Se quer mesmo se empenhar nos BOs, vai ter que trocar de serviço, porque você é agente da PF e aqui o peixe é dos grandes, sabe bem.

Sentidos {DEGUSTAÇÃO}Onde histórias criam vida. Descubra agora