Capítulo 4

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Descemos na parada que o garoto indicou.

Estava mesmo escuro, como ele havia me alertado.

A rua está abandonada, onde nem uma alma parece circular há décadas e tem um poste de luz a cada vinte metros, sendo bem positiva. O clima de outono deixa tudo mais sombrio, o ar está frio e úmido e eu coloco as mãos nos bolsos da minha jaqueta de couro. Tenho sorte que meus cabelos são longos, assim eu os uso para cobrir meu pescoço, pois estou sem gola.

— Esfriou bastante, né? — Ele pergunta, enquanto caminha, olhando para baixo, na calçada. A mochila nas costas, as mãos também nos bolsos do moletom, a cabeça coberta pelo capuz. Eu sigo no mesmo ritmo, mas andando na rua.

— Faz parte. — Não curto essas conversas fiadas, então vou direto ao assunto que está me incomodando. — Mas vem cá, andou me observando?

— Não. Por quê?

— Como sabe então que não gosto que fiquem perto de mim?

— Pelo jeito como agarrou meu braço mais cedo. — Bem, era uma verdade. Por pouco eu não torci o braço dele.

— Faz sentido. Te machuquei?

— Não, não. Tô bem.

— Anda sempre nessa rua horrorosa?

— Fazer o quê? Minha mãe fica morta de preocupação, mas enquanto eu não puder ter um carro, é o jeito. — fala com naturalidade.

Eu só assinto e assim permanecemos caminhando por mais alguns metros em silêncio. Não consigo me sentir confortável e fico olhando ao redor o tempo todo. O garoto também é atento e caminha rápido.

— Você mora para qual lado? — questiona quando estamos prestes a atravessar uma rua.

— À esquerda, duas quadras adiante. E você?

— Hã... — Ele coça a cabeça, pensativo, e responde: — Um pouco depois.

— Tem certeza? Porque eu posso ir sozinha, não precisa me deixar na porta, de verdade.

— É pertinho, tá no meu caminho, não vai me custar.

— Você que sabe. — Começamos a atravessar em uma corrida leve, o trafego estava intenso. Normalmente eu recusaria esse tipo de companhia, ainda mais de alguém que eu não conheço me levando até minha casa, mas ele é só um menino e não me sinto em perigo, além do mais, ele está respeitando meus limites de distância. Talvez eu pare uma rua antes e diga que já cheguei, pelo menos vai despistar um pouco, penso para me tranquilizar, mesmo não me sentindo propriamente preocupada.

— Nunca te vi naquele ônibus. — diz depois que atravessamos e estamos em segurança.

— É a primeira vez que ando nele. Meu carro pifou.

— Ter um carro resolve muitos problemas. Eu ando todo o santo dia naquele mesmo ônibus, meio que conheço cada passageiro e cada parada em que eles descem. Eu bolei até uma história de vida pra cada um.

— Verdade? — Eu o olho. Vai ver que era isso o caderno. Fiquei mais curiosa do que antes.

— Verdade. É um tempo livre bem grande na viagem e eu gosto de escrever umas coisas.

— Você trabalha com isso?

— Não, não. Quem me dera. Mais é um sonho. Eu faço faculdade de letras pela manhã e sou voluntário de tarde na biblioteca municipal. Na verdade eles me pagam um trocado, mas só porque sentem pena de mim, já que eu implorei para trabalhar lá, mesmo que de graça. Eu adoro estar entre os livros.

Sentidos {DEGUSTAÇÃO}Onde histórias criam vida. Descubra agora