ESCOLHAS

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Sentia-se angustiada por morar no interior. A cidade, famosa por exportar aço, nem era pequena, mas sim de porte mediano, o que ajudava um tiquinho, só que as grandes oportunidades estavam nas grandes capitais. De certo que podia ter se mudado para uma destas que se encontravam a duas ou cinco horas de onde morava, ou até mesmo outra no sul do país, porém era apegada demais à familia para abandonar a todos e se aventurar pelo mundo. Várias vezes se questionava o porquê de já não ter nascido em uma dessas metrópolis, que eram onde as coisas realmente aconteciam. Desse modo, sua família já estaria lá e tudo seria tão mais fácil. Por outro lado, não podia reclamar que sua vida era difícil. Apenas estava melancólica pelo devaneio que a leitura da poesia de Cecília Meireles lhe proporcionara. Ou isto ou aquilo? Dizia repetidamente a poetisa. A vida era impiedosa e decisões nível hard precisavam ser tomadas todos os dias. Foi em uma dessas que viu seu sonho de se tornar uma grande atriz ficar para trás. Sentiu saudades do que nunca vivera. Todavia, tanto o tempo quanto a experiência adquirida com ele, convenceu-a de que não seria mesmo capaz de abrir mão de seus princípios para dar vida a certos personagens. Assim, ao invés de grandes palcos, pegou-se fazendo magistério na escola mais conceituada da região. Afinal, precisava pagar as contas e o teatro lhe daria mais prejuízo que lucro por muito tempo ainda. E não é que, no final das contas, acabou apaixonando-se pela profissão? Era bastante querida pelos alunos, pelo menos até virar-lhes as costas. Tinha consciência de que, por mais que se dedicasse, era humanamente impossível agradar a todos. E quem disse que ser professora no Brasil não era uma grande arte? E foi naquele momento de planejamento que o poema saltou-lhe aos olhos. Contudo, o soar da campainha a trouxe de volta para a mesa da pequena cozinha, onde muitos livros ocupavam o espaço que pertenciam, por direito, às panelas e aos pratos. Levantou-se sem pressa esfregando as mãos para aquecê-las e um sorriso largo e sincero estampou sua face quando, ao abrir a porta, viu a vizinha, que também era sua comadre, já que era madrinha de seu filho e a outra, que estava em pé no portão era, também, madrinha de sua menina. Foi quando o cheiro de broa inundou suas narinas que observou que a amiga trazia consigo um pote nas mãos. Não precisavam de cerimônias uma com a outra. Entraram e esparramaram-se no sofá dando-se ao luxo de jogarem conversa fora o resto daquela tarde de domingo. Aquele era um momento único que vizinhos de porta de um mesmo prédio em Sampa não sabiam deliciar, já que nem os nomes uns dos outros não se permitiam saber com a desculpa de que o tempo era curto e a vida era muito corrida. Com o queijo da broa a derreter na boca, teve certeza de que não poderia estar em outro lugar senão ali. A cidade mediana do interior do Rio tinha um quê de mineiros e capixabas que as capitais desconheciam. Deixou os livros quietos na cozinha. Aquela aula já estava mais que preparada.

MEU PRIMEIRO MANIFESTO FEMINISTAOnde histórias criam vida. Descubra agora