Hospital

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-Fábio-

     Um hospital é uma cena deprimente sempre. Aquele maldito aparelho que mede os batimentos, o qual não sei o nome e nunca quis saber, é sempre trilha sonora de cena romântica em novelas e filmes.
     Imagine: a noiva apaixonada sofre um acidente. O noivo, num susto, corre para o hospital. Ela se declara, eles se beijam. O público acha que a mocinha morreu, mas aparecem ambos juntos com a família formada.
     Porém, minha vida estava longe disso. Tatá estava longe de ser a mocinha. Em minha frente, só conseguia enxergar, através de lágrimas, uma mulher linda, nova, inteligente e divertida, com uma vida incrível pela frente, mas com a merda da bebida.
     Olhando para ela agora, imaginei uma realidade paralela. Uma realidade onde eu apenas me apaixonaria pela professora de meu afilhado, uma mulher doce e firme, mas também sensível. Imaginei uma realidade onde teríamos uma relação incrível e nós dois logo seríamos uma família.
     Parei de imaginar. Minha vida era outra. Minha mãe não sabia sobre Tatá de verdade. Se descobrisse, ela ainda seria tão bem vinda lá em casa? Alice ainda deixaria João ter aulas com ela?
     Fora minha exaustão. Estava cansado de cuidar dela, de limpar sua bagunça, de a acalmar e viver por ela. Minha própria vida pessoal? Nem lembrava mais. Esqueci como era sair com amigos. Inclusive, poucos amigos a conheciam. Suspirei.
     -Café, Fábio?
     -Por favor, Bruna.
     Ela me estendeu um copo e sentou do meu lado, após entrar no quarto. Nossa amiga estava com marcas de choro e fungava.
     -Ela tentou se matar, Fábio. Não consigo engolir isso.
     -Vamos conversar com a Tatá, Bru. Aposto que ela não fez com essa intenção.
     -Eu não aposto nada. Eu não conheço essa mulher aí. Minha amiga não é ela.
     Bruna voltou a chorar, tão machucada quanto eu. A abracei, colocando nossos cafés na mesa. Deixei Bru chorar em minha blusa, acariciando suas costas.
     -Eu conversei com o Ney esses dias. Ele me falou que vai para Paris. Vai junto, Bruna. Descansa um pouco. Sei que a Tatá também está te consumindo.
     -Acho que vamos juntos... Você também está cansado porque ela também está te consumindo. Vai deixar Tatá sozinha?
     -Não. Eu vou conversar com os pais dela... Tatá surtou de vez, está com um juízo infantil. Estou pensando em dar uma última chance para ela. Acho que deve ter aprendido algo agora. Se não tiver...
     -Entendi. Você avisou aos pais dela?
     -Avisei. Acho que eles estão em choque, mas falaram que estão vindo. Você fica aqui, Bru? Vou na casa de Tatá resolver uma coisa.
     -Claro. Eu te ligo quando ela acordar.
     -Ok, obrigado.
     Sorrimos de leve e saí daquela sala, não sem dar uma última olhada em Tatá. De fato, Bruna estava certa. Aquela não era Tatá. Por mais que eu não tenha a conhecido antes, a conheci mais calma. Suspirei.

🌼

    Uma equipe de limpeza estava arrumando a casa. Fui até a sala de Tatá e, sem pensar duas vezes, joguei todos seus vinhos, vodkas e quaisquer outras bebidas em uma sacola preta. Joguei fora algumas taças.
    Subi em seu quarto, olhei todos os cômodos. Estava achando que ela podia estar escondendo alguma coisa. Vasculhei tudo tentando não invadir sua privacidade. No fundo de seu armário, atrás das roupas, achei uma porta pequena embutida na parede, com uma altura de cerca de 30cm. Tinha cadeado. Na hora, desconfiei.
    Continuei mexendo em tudo, na busca da chave. Lembrei que, naquela dia, quando a tirei do banheiro, o molho de chaves que usei tinha umas sem etiqueta. Corri até o criado mudo em que as guardei e voltei para a portinha. Ao abri-lá, não havia álcool nenhum ali. Apenas dois cadernos grandes e grossos, já que além de muitas páginas, havia fotos e lembranças coladas nas folhas. Fui para a primeira página do primeiro.
    A letra de minha namorada. Lá em cima, uma data. Fiz as contas e verifiquei na calculadora do celular: quatro meses depois da morte de Felipe. Quando comecei a ler, vi ser um diário. Folheei as páginas. Sempre que Tatá ia em um parque, em um teatro, em um cinema, ou qualquer lugar, ela colava alguma lembrança ali. Parei em um dia que ela e Bruna foram no cinema. Colado, o ingresso do filme. No texto, Tatá narrava apenas o que o filme falava e o que ela e a amiga conversaram.
    -Meu amor...
    Pisquei, afastando as lágrimas. Aquele ali foi o jeito que ela achou de se manter conversando com ele. Peguei o segundo caderno, esse que não estava completo ainda. A última data foi antes do nosso reencontro. Tatá contava para Felipe que me sentia tão distante quanto ele.
     Lembrei do dia que descobri que ela tinha um diário, mas não era nenhum daqueles dois. Tentei achá-lo, mas o vi em lugar nenhum. Com cuidado, peguei os dois volumes. Precisava ler eles todos, de ponta a ponta. Quem sabe assim, entenderia o psicológico dela.
     Sentei no chão do closet e comecei  a ler. Li o primeiro em duas horas. Não sei quantas vezes as palavras dela me emocionaram. Comecei o segundo, mas não sei bem em que página, acabei dormindo.

Angel Onde histórias criam vida. Descubra agora