Superação

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    Achei que surtaria no caminho. Devo ter furado uns quatro semáforos e não olhei mais nada. Antes de acelerar em um cruzamento, Fábio me chamou.
    ‎-Diminui a velocidade, Tatá. É perigoso.
    ‎-Meu Deus. Me desculpa. Me desculpa.
    ‎-Tatá, calma. Você está tremendo, amor.
    ‎-Eu não consigo continuar... Eu vou causar outro acidente.
    ‎-Talita, me escuta. Olha pra mim.
    ‎Parei o carro no acostamento e olhei para meu noivo. Mesmo fraco, Fábio pegou minha mão e a beijou.
    ‎-Eu confio em você, baixinha. Você precisa se acalmar. Coloca as mãos no volante, pensa em mim e na nossa Lalá.
    ‎-Lalá?
    ‎-Acho esse apelido fofo. Vou ficar chamando ela assim até decidirmos o nome.
    ‎-Está certo... Papai acabou de te dar um apelido fofo, filha.
    ‎Ele sorriu, acariciando minha mão. Suspirei e peguei o volante de novo, tentando esquecer meu dilema interno.
    ‎Só reparei quando já estávamos no hospital, bem, inteiros. Meu noivo me esperou na frente do carro e demos a mão para entrar no hospital.
    ‎-Parabéns, pequena. Deu tudo certo.
    ‎-Sim...
    ‎-Está tremendo ainda. Eu vou conversar com a moça da recepção sozinho. Você senta em um banco e bebe água.
    ‎-Mas você que passou mal!
    ‎-Eu estou grávido? Não, só você. A minha saúde é só minha, a sua envolve nossa filhotinha.
    ‎-Filhotinha? Eu sou um cachorro para ter filhote, Fábio?
    ‎-Em uma noite dei dois apelidos para ela. Amei os dois. Aposto que minha filhotinha amou eles.
    ‎-Mesmo doente você não sossega.
    ‎Ele sorriu e foi falar com a recepcionista. Fábio mal teve que esperar, logo uma enfermeira o chamou. Fiz menção de levantar para acompanha-lo, mas fui impedida. Ela me disse que para aplicar o soro em Fábio e certos exames a serem realizados, eu deveria ficar do lado de fora.
    ‎Frustrada, sentei em uma cadeira e tentei assistir televisão, mas nada. Uma angústia enorme crescia cada vez mais dentro de mim, me fazendo sentir mal. Tentei orar e assim o fiz. Rezei por mim, pelo bebê que crescia em meu ventre e por seu pai.
    ‎Comi qualquer coisa na lanchonete do hospital pensando só em meu filho mesmo e voltei para a sala de espera. Troquei algumas mensagens com Bruna, sem contar onde estava. Mas me desanimou olhar no visor superior do celular e ver que não passava de 7h ainda.
    ‎Fiquei na dúvida se Fábio gostaria de que sua mãe soubesse, mas liguei para Isa. Não aguentava mais ficar sozinha naquele hospital, esperando. Fora que com tantas pessoas doentes que passavam naquela sala, a chance de eu, grávida, pegar alguma coisa, aumenta muito.
    ‎Mal terminei de contar, Isa avisou que estava indo. Fui na recepcionista perguntar, mas me contaram que eu só veria Fábio no horário de visita. Suspirei, cansada, e decidi esperar minha sogra do lado de fora. Sentei em um banco e fiquei mexendo no Instagram, depois no Twitter. Quando ela chegou, agradeci mentalmente.
    ‎-Tatá! Como o Fábio está?
    ‎-Eu não tenho ideia. Não vão deixar ninguém subir até dar o horário de visita.
    ‎-Merda. Vocês chegaram aqui que horas?
    ‎-Acho que já era três, quatro horas...
    ‎-Tatá, e você está sentada aqui esse tempo todo? Gravidez cansa. Vai pra casa, amor.
    ‎-Mas vão deixar subir 11h. Eu espero aqui, fico um pouco com ele e vou depois. Queria só uma notícia. Me assustei ao ver o estado dele aquela hora da madrugada.
    ‎-Posso falar uma coisa para te tranquilizar? O Fábio tem isso, por vezes. Ele tomava um remédio para não passar mais por isso, mas esse abusado disse estar bem e parou de comprar tem uns belos três, quatro meses. Só vim para cá correndo porque quero enfiar o soro na guela daquele abusado. Meu Deus, eu vou bater no Fábio.
    ‎Gargalhei, pegando sua mão. Isa sorriu.
    ‎-Então... ele vai ficar bem?
    ‎-Vai, querida. Desde que se cuide direito.
    ‎-Fábio é abusado demais. Mas acho que ele não quer deixar nosso bebê órfão.
    ‎-Espero eu. Pode deixar que eu vou dar uma chamada de atenção nele - Ri.
    ‎-Coitado, Isa.
    ‎-Fábio tá acostumado, liga não.
    ‎-Sempre foi abusado.
    ‎-Sempre. Estou rezando para termos sorte e meu netinho aqui vir bem diferente do pai. Tive essa sorte com João.
    ‎-Não acho que eu seja um dos melhores exemplos não, dona Isa... Fábio já contou para a senhora que nos conhecemos em uma boate?
    ‎-Ah, bem que eu achei esquisito aquela história que ele me contou. Fábio enrolou e não falou onde te conheceu...
    ‎-Já esperava isso... Uma festa não é dos melhores lugares.
    ‎-Mas eu não me importo, Tatá. Fica tranquila com isso.
    ‎-Mesmo? Qualquer mãe no seu lugar odiaria uma nora assim.
    ‎-Odiaria só se essa mãe não fosse mãe de uma Alice igual a minha. Meus filhos não são santos, sei disso. E eu te considero tão filha quanto o Fábio.
    ‎Sorri, recebendo meu abraço. O conforto que tive ganhando seu carinho me pareceu semelhante ao que tenho nos braços de Fábio.
    ‎-Tatá, não trouxe hoje porque saí correndo. Mas eu bem comprei um presente para meu netinho.
    ‎-Dona Isa, não precisava.
    ‎-Claro que precisava. Alguém já deu um brinquedo?
    ‎-Seu filho deu uma ursinha.
    ‎-Nossa, hoje o Fábio tirou o dia para me irritar. Comprei uma girafinha- sorri.
    ‎-Pelo menos são coisas muito diferentes. Aquele exagerado já deixou um berço montado lá em casa.
    ‎-E está diminuindo minhas inovações em presente.
    ‎-Tem isso também. Vocês já estão mimando tanto esse bebê.
    ‎-Claro! É minha obrigação como avó-Ri.
    ‎-Se você quem diz...
    ‎Ficamos conversando bobeiras até dar onze horas, por mais que de meia e meia hora, minha sogra perguntasse se eu não queria mesmo ir para casa descansar.
    ‎Fomos uma das primeiras a subir no horário de visita. Meu noivo estava assistindo televisão, no soro, e fazendo nebulização, mas desligou o aparelho quando nos viu e sorriu.
    ‎-Desligou porque sabe que eu vou brigar contigo e o barulho desse negócio vai atrapalhar?
    ‎-Pode ser, mãe... Desculpa?
    ‎-Você é tão abusado, Porchat. E sabe disso. Está começando a parece com seu pai. Está querendo deixar seu bebê órfão antes mesmo dele nascer?
    ‎-Mãe...
    ‎Eu, quietinha, fui na ponta dos pés até mais dentro do quarto. Deixei minha bolsa no sofá e continuei em silêncio olhando a cena.
    ‎Com certeza, o fato de Fábio ser hilário em certos momentos vem de família.
    ‎-Se eu pudesse te bater com essa bolsa aqui agora, eu não pensaria duas vezes antes de fazer. Eu mandei não parar com o medicamento!
    ‎-Eu sei, mãezinha mais linda do meu coração. A senhora me desculpa?
    ‎-Fazer o que, né? Você está bem, amor?
    ‎-Estou. Acredito que agora vá ser uma recuperação rápida... Teitei, vem cá.
    ‎Me aproximei da cama e, com delicadeza, selei nossos lábios, causando um sorriso em meu noivo. Fábio colocou a mão em minha barriga, acariciando de leve.
    ‎-A vovó é chata, viu, filha?
    ‎-Acho que você quer apanhar, amor.
    ‎-Obrigada, Tatá. Ele deve estar querendo mesmo.
    ‎-Caramba, cadê o respeito com o doente?
    ‎-Só não te falo aonde ele está por causa do bebê. Mas concordo com sua mãe.
    ‎-Eu não tenho vez mesmo.
    ‎Fábio me puxou do jeito que deu, me dando um selinho. Depois, pediu que mudassemos de assunto. Ele tem dessas, de querer fugir de temas que não quer conversar.

🌼

     Alice e João passaram um tempo conosco, mas foram embora com Isa por volta de 16h. Ao nos vermos sozinhos, sentei com a cabeça deitada na cama, recebendo um sorriso leve dele.
     ‎-Você parece cansada, pequena. Até eu dormi depois que chegamos aqui, você não.
     ‎-Eu estou bem, Fabinho.
     ‎-Tatá, tenho que te falar logo... Amanhã você vai conversar com um psicólogo, ok?
     ‎-Psicólogo?! Eu estou ótima!
     ‎-Não está, Tatá. O Felipe é um fantasma na sua vida que não para de te seguir. Sua sensação de culpa, sua saudade... Eu conheço o médico. Eu chamei ele aqui hoje e contei a história bem resumida. E quando terminou de ouvir, a primeira coisa que ele me disse é que isso pode virar uma depressão pós-parto. Você pode nem querer cuidar da nossa bebê. Por favor, aceita ir conversar amanhã? Por mim, por ela, pela família que estamos formando.
     ‎-Tudo bem... Eu aceito ir. Só amanhã.
     ‎-É um começo, pelo menos. Eu te amo, baixinha. Estou fazendo isso pensando em cuidar de você.
     ‎-Eu entendo. É sério.
     ‎-Que bom.
     ‎Fábio fez carinho em meu cabelo e fechei os olhos, aproveitando esse nosso momento juntos. Eu já tinha tentado conversar com psicólogos algumas vezes, mas desistia antes mesmo de ir. Só prometi ir por ter visto a boa intenção dele com isso.
     ‎-Fabinho, sua mãe não sabe que noivamos. Nem seu pai, nem os meus... Não contamos para ninguém.
     ‎-Não?! Tatá, juro que tínhamos contado.
     ‎-Não, não contamos.
     -Ah, que merda. Esqueci, pequena. Me desculpa.
  -Calma, tudo bem. Vai querer contar?
  -Claro. Vamos casar. Nossa família toda, até os primos de vigésimo grau precisam saber - Ri, olhando sua cara enquanto pensava- Vai ser uma puta festa, Tatá. Quero celebrar nossa união com uma festa de invejar Marina Ruy Barbosa.
    Gargalhei, me apoiando em meus cotovelos na cama. Fábio parecia distante.
  -Para de exagero, seu bobo. O que importa é que nos amamos e até mesmo uma cerimônia tranquila lá em casa já me satisfazia. Qualquer coisa está ótimo.
  -Mas eu quero te dar o melhor!
  -Você já me dá o melhor. Mas esquece um pouco a festa, vamos focar no noivado que nem assumimos ainda.
  -Ah, verdade. Que tal um jantar lá em casa? A previsão é que eu tenha alta amanhã. Podemos marcar para sábado de noite.
  -Pode ser. E vou contar do bebê, amor. Contar de verdade. Eu e ela estamos saudáveis, não tem risco. Não acho justo privar nossa família desses primeiros meses.
  -Você quem manda, Tatá. Se quer contar, fala. Vou ligar para um buffet que eu conheço, faz as festas lá da agência. Vai deixar nossa sala linda, perfeitamente decorada, e eles ainda têm os melhores pratos.
  - Eu desisto de você. Não sabe ser simples?
  - Sei. Mas para você e minha filhotinha eu quero dar o melhor. E o jantar vai ser para o nosso noivado e para ela. Tem que ter tudo de mais lindo.
  -Meu Deus... Só vou no psicólogo se você for também.
  Ele riu, me mandando um beijo. Retribui e bocejei, deitando minha cabeça de novo.
  -Vai para casa dormir, amor.
  -O médico deixou. Eu vou dormir aqui hoje. Vou até deitar de uma vez...
  -Odeio saber que vou dormir aqui e você vai deitar nesse sofá. Vai para casa. Volta amanhã cedinho.
  - Não. Eu e nossa filhotinha vamos ficar com você aqui, a noite toda.
  -Aderiu ao apelido?
  -Não vou ter escolha.
  -Isso é verdade mesmo.
  Dei um beijo em seu rosto e deitei no sofá. Me cobri, ajeitei o travesseiro e fiquei em uma posição que meu olhar cruzava perfeitamente com o de Fábio.
  -Puta que pariu.
  Sentei assustada, achando que ele poderia estar passando mal. Por sorte, não era isso.
  -O que houve, amor?
  -Você tinha gravação hoje. E desculpa falar palavrão. Já perdeu a hora. Me dá seu celular, vou falar que estou internado e você está aqui.
   Por sorte, Fábio resolveu o problema   com facilidade. Se não queria nem ir para casa dormir, imagina se o largaria ali para gravar.
   Deus, que permita continuar trabalhando mesmo com tanta falta de profissionalismo da minha parte.
   Depois, deitei no sofá de novo e tentei ficar acordada mais um pouco, mas acabei dormindo. Estar grávida e acordar às quatro da manhã, passar por aquele teste que foi dirigir e aguentar aquela pressão toda é de matar qualquer um. Por isso mesmo, foi fácil demais deixar o sono me vencer.

Angel Onde histórias criam vida. Descubra agora