Uma chance

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Ao acordar naquele quarto de hospital, senti uma dor horrível. Não consegui me mexer sem sentir uma onda torturante por meu corpo. Então, fechei os olhos e respirei fundo. Acredito que estava quase dormindo quando ouvi a porta abrindo.
-Tatá? Está acordada?
-Bruna.
-Ah, que bom. Que merda você fez dessa vez, Talita?
-Não fui eu.
-Aham, tá. Você quase morreu!
-Você acha que sou suicida?
-Não duvidiria. O que aconteceu então?
-Eu estava parada. Um caminhão que veio e...
-Calma, amor. Você está tremendo.
-Tudo bem.
Ela apertou minha mão, acariciando por cima de meus dedos.
-Levei um susto tão grande quando falaram do acidente. Vim correndo do atelier pra cá.
-Tem muito tempo que está me esperando?
-Consideravelmente. Você não acordava por nada. Fiquei com medo mesmo. Tem que parar de trazer emoção pra minha vida assim, dona Talita.
-É que enquanto você e Neymar não tem um filho pra movimentar a vida de vocês, tô fazendo esse papel.
-Está fazendo muito bem esse papel de filha problemática. Mas não quero mais, ok?
-Vou ver se sossego.
-Falando nisso... Seus pais estão lá na sala de espera, querem te ver acordada.
-Meu pai também?
-Aham. Os dois. Sei que tem muito tempo que você não encontra Seu Alberto.
-Verdade.
-Posso chamar eles dois?
-Bruna... Não. Agora não. Fica você comigo.
-Tatá, eles querem muito falar com você. Entende que podia ter morrido nisso? Eu vou voltar depois, sua dengosa. Vou dormir aqui.
-Obrigada, sua linda.
-Te mereço mesmo.
Quando Bruna saiu do quarto, sentei com cuidado e desci da cama, aturando uma dor ainda suportável. Caminhei devagar até o banheiro puxando o soro junto, só para olhar minha figura no espelho. Até que meu rosto não teve muitos ferimentos. O pior era só os cortes na perna esquerda. Levantei um pouco aquela roupa do hospital só para ver. Voltei para a cama, querendo continuar descansando. Sentei na cama, sentindo as dores de ter feito força. Nessa hora, bateram na porta e deixei que entrassem.
Meus pais entraram com cuidado. Sorri de leve e encostei minha cabeça na cama. A coisa que mais odeio é o clima pesado que fica entre nós três, mas não que eu faça algo para evitar esse mal-estar coletivo.
Os dois ficaram ali por um bom tempo. Os acalmei em relação ao acidente, diminuindo bem o problema. Demonstre estar bem. Perguntei da família toda e eles perguntaram sobre meu trabalho e vida pessoal. Conversamos banalidades e no fim, parecia que nossa vida voltaria ao normal. Me pareceu 2013, numa época perfeita. Tudo isso me deixou um pouco mais leve.

🌼

Durante a noite, tive pesadelos e senti dores. Nas vezes que acordava, me controlei para não atrapalhar o sono de minha amiga. Mas, em sei lá qual vez, Bruna que me acordou fazendo carinho no rosto.
-Tatá. Tudo bem?
-Bruna...
-Acorda, pequena. Olha pra mim.
-Tô acordada.
-Você está se sentindo bem?
-Tá tudo doendo tanto, Bruna...
-Vou chamar a enfermeira, tá bem?
Bruna só voltou para o quarto acompanhada de uma enfermeira. Ela disse que era só o efeito do remédio sumindo, então trocou meu soro. Agradeci e voltou a ser só eu e Bruna no quarto. Ela se aproximou da cama, me fazendo carinho onde eu não me machuquei.
-Estava tendo algum pesadelo, Tatá?
-Estava. Porque?
-Você estava falando até. Pediu para chamar o Fábio.
-Pedi? Enlouqueci, puta merda.
-Pediu. E não enlouqueceu, amor. Admite que sente alguma coisa por ele.
-Não sinto, porra. Quero voltar a dormir, Bruna.
-Vamos conversar, Tatá! Posso chamar ele?
-Fábio é o maior babaca. Está me ignorando por completo.
-Te conheço, boba. Aposto que foi insuportável com ele também.
-Tá bom, Bruna.
Deitei de costas para Bruna, bufando. Mas meus olhos estavam umidos.
-Amor. Vira pra mim. Você está chateada?
-Não.
-Talita, você pediu dormindo. Assume pra mim o que você está sentindo.
-O acidente foi culpa dele.
-Como assim?
-Fábio não falou comigo ontem. Disse que ia me tratar igual eu faço. Me deixou com raiva, ia beber... Estava dentro do carro, sóbria, e aconteceu aquilo tudo.
-Tatá...
-Já te falei, Bruna. Agora me deixa dormir. E não inventa de chamar ele que eu não quero.
Bruna não disse mais nada. Só ficou me fazendo carinho nas costas, até cansar e ir dormir. Fechei os olhos e voltei a dormir.

🌼

Acordei com a luz invadindo meu quarto. Depois de uma noite inteira com os remédios na veia, a dor já nem era tanta, de forma que consegui sentar sozinha na cama.
-Bruna?
Minha visão demorou a focar do sono, mas jurava que ela estava na varanda. Quando focou, Fábio estava em pé na porta, sorrindo para mim.
-Puta que pariu. Você aqui?
-Bateu a cabeça, mas não tão forte, anjo. Estou aqui em carne e osso.
-Mais carne que osso.
Ele gargalhou e se aproximou da cama. Por um segundo, achei sua risada um dos sons mais agradáveis do mundo, me permitindo um sorriso leve.
-Você é surpreendente, sabia? Adora arrumar uma besteira para fazer.
-Ah, tá. Agora todo mundo acha que eu fiz isso por querer.
-Sei lá, você é maluca. Não considero um bom exemplo para meu afilhado.
-Mas se você ainda deixa ele ter aula comigo me conhecendo, é porque tem um motivo maior.
-A professora de artes dele é incrível.
-Ah, é? Acho ela meio sem graça. A de português tem pimenta.
-Acho ela meio marrenta. E grossa, por vezes.
-Você também estava me ignorando!
-Ficou chateada?
-Não.
-Vou até acreditar. Posso te chamar de Tatá agora?
-Não, Juliana. Óbvio que pode. É meu nome, animal.
-Sei lá, né. Enfim, Tatá. Sabe que tenho uma queda por você?
-Sério? Achei que estava me perseguindo porque é um assassino em série.
-Podia ser, você nunca descobria. Mas quero saber se posso pensar em marcar para sair com você. Quer me dar uma chance?
-Um jantar. Na minha casa. Eu escolho data e hora.
-Caralho, você é muito abusada.
-Se não quiser nessas condições, não tem chance nenhuma.
-Tudo bem! Você que escolhe tudo.
-Ótimo. Prefiro assim.
-Mandona.
Ele pegou minha mão e a acariciou. De início, tive a reação de puxá-la de volta. Há quanto tempo não permitia essa aproximação por um homem? Fábio percebeu meu incômodo.
-Do que você tem tanto medo, Tatá?
-Não falo sobre isso.
-Tudo bem.
Soltando minha mão, ele deu um passo para trás.
-Acho melhor eu ir indo. Bruna está tomando café, mas peço para ela vir depois.
-Tem algum compromisso?
-Ahm... Tenho. Ney tem meu número, pode pegar com ele depois. Me liga, pode marcar esse jantar. Te juro que vou.
-Tudo bem.
Meio sem jeito, Fábio se despediu e saiu do quarto. Bufando, deitei minha cabeça. Meu jeito estava o afastando.
O afastei de meus pensamentos e liguei a televisão, assistindo ao jornal esperando Bruna. Também respondi umas mensagens de meus pais e decidi falar com meu irmão. Trocamos umas mensagens bobas, sem nenhuma utilidade real. Mas já é alguma coisa. Respondi amigos que souberam do acidente e fiquei mexendo nas minhas redes sociais sem real interesse. Ficar internada num hospital é uma das piores coisas.

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