Malditos, biscoitos, deliciosos.

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Agora sabia que a sra. Misteriosa era irresistivelmente atraente, que tinha o corpo de uma deusa grega e também que ela era tão mal-educada quanto uma criança de dois anos necessitada de umas boas palmadas no traseiro. Mas tudo bem, tudo bem. Iria sobreviver àquilo e aprender a ficar longe do caminho dela. 

Não bateu a porta de seu apartamento, para não dar a ela o gostinho de ouvir e deduzir que ela ficara irritada. Mas ao se ver no ambiente seguro de seu apartamento, virou-se para a porta e fez uma porção de caretas, mostrando a língua e mexendo as mãos ao lado das orelhas. E isso a fez se sentir incrivelmente melhor. 

Contudo, a questão principal era que ela havia ficado com seus biscoitos, seu prato de sobremesa preferido e com uma boa dose do seu bom humor. E tudo isso sem que ela sequer soubesse o nome dela!

Manoela não se arrependia das atitudes que tomava. Nem por minuto. Tinha quase certeza de que sua rudez propositada manteria sua atraente vizinha a distância por algum tempo. A última coisa que precisava era do comitê local de boas-vindas reunido à sua porta, principalmente sendo este liderado por uma bela morena falante, falante até demais, e com olhos de fada. 

"Droga!", praguejou ela, em pensamento. Em Nova York, era de se supor que as pessoas ignorassem os vizinhos. Ao se mudar para ali, tinha quase certeza de que esse era o comportamento vigente, mas, pelo visto, enganara-se. 

A sorte era que ela era solteira, segundo Manoela pudera notar, pois se tivesse um marido, o pobre coitado provavelmente já estaria maluco com toda aquela tagarelice. O fato de ela trabalhar em casa e de haver deixado claro que estaria sempre por ali não era um detalhe lá muito agradável.  Como se não bastasse, também fazia os biscoitos de chocolate mais apetitosos que ela já tinha visto, isso também não era nada promissor. De fato, era quase imperdoável.  Conseguiu ignorar os biscoitos por algum tempo enquanto trabalhava. Na verdade, era capaz de ignorar até mesmo um holocausto nuclear quando o assunto em questão era lidar com palavras em um texto. Entretanto, assim que Manoela se desconcentrou voltou a lembrar-se dos biscoitos que havia deixado na cozinha. Continuou pensando neles durante horas, ao se vestir e enquanto massageava a nuca dolorida depois de horas sentado no mesmo lugar, em uma postura que sua professora do terceiro ano fundamental, irmã Mary Joseph, classificaria como "deplorável".  Por isso, quando foi à cozinha buscar sua merecida latinha de cerveja, não conseguiu deixar de olhar para o prato sobre a mesa. Abriu a latinha, tomou um gole de cerveja e continuou olhando para os biscoitos, pensativa. E se provasse alguns deles? Afinal, não havia motivo para jogá-los fora, se já havia deixado bem claro para Giovanna Grigio que não estava interessada em amizades.  Evidentemente, ela iria querer o prato de volta, e ela teria de esvaziá-lo de alguma maneira. Foi então que provou um deles e gemeu baixinho, aprovando o delicioso sabor. Depois comeu outro, com um suspiro de pura apreciação.  Quando já havia comido quase duas dúzias, foi que se deu conta do que estava fazendo e praguejou. Olhou para o prato quase vazio com um misto de autocensura e de indignação. Então foi para a sala e pegou seu sax. Seria mais saudável fazer uma breve caminhada antes de ir para o clube. Ao abrir a porta, ouviu Giovanna se aproximando com passos firmes pelo corredor.  Com ar de desagrado, ela deu um passo atrás, deixando apenas um pequeno vão aberto na porta. Mesmo a certa distância, ouviu a voz dela e arqueou uma sobrancelha ao notar que ela estava sozinha. 

- Nunca mais! - protestou Giovanna. - Nem que ela me ameace de morte. Nunca mais passarei por essa tortura novamente! É isso, e ponto final! 

Manoela notou que ela havia mudado de roupa. Estava vestida com uma pantalona e um blazer pretos, por cima de uma elegante blusa de seda lilás.  Um par de brincos de argola dourados deixaram-na com uma aparência mais sensual. 

Continuou falando sozinha, enquanto abria a bolsa do tamanho de um envelope do correio. 

- A vida é curta demais para ter suas horas desperdiçadas com uma pessoa tão insuportável. Ela não vai me fazer isso novamente. Sei como dizer "não", e é isso que farei da próxima vez. Preciso apenas praticar um pouco, só isso. Onde diabos está aquela chave?

O som de uma porta se abrindo atrás dela a fez se sobressaltar e virar-se de repente. Manoela, notou que os brincos que ela estava usando não eram totalmente iguais e imaginou se aquilo seria um novo tipo de moda ou falta de atenção mesmo. Porém, ao se lembrar de que ela não estava conseguindo encontrar uma chave dentro de uma bolsa menor do que a palma de sua mão, optou pela última hipótese. 

Giovanna parecia refrescada, como se houvesse acabado de sair do banho, deixando para trás uma nuvem de um perfume maravilhoso. E o fato de Manoela haver se sentido afetada por isso, deixou-a ainda mais aborrecido.

- Espere um pouco - pediu a ela, então voltou ao apartamento para pegar o prato. 

Giovanna não tinha a mínima intenção de ficar ali esperando. Finalmente encontrou o esconderijo da chave: no canto do bolso interno, onde ela mesma a havia colocado justamente para se lembrar de onde encontrá-la quando fosse necessário. 

Manoela conseguiu alcançá-la antes que ela entrasse. Saiu do apartamento pouco depois e fechou a porta atrás de si. Em uma mão, trazia a maleta do sax e na outra o prato onde Giovanna havia colocado os biscoitos. 

- Aqui está - disse a ela, jurando a si mesma que não iria perguntar o que provocara aquele brilho de indignação nos olhos dela. Se o fizesse, era bem capaz que ela passasse a meia hora seguinte contando a história a ela. 

- De nada - ironizou ela, aceitando o prato.  Estava com a cabeça doendo, depois de haver passado as duas últimas horas ouvindo a conversa monótona de Frank, primo de Ana. Mas do que estava reclamando?, pensou com sarcasmo. Afinal, agora estava sabendo tudo sobre o mercado de ações e sobre as aplicações mais seguras que poderiam ser feitas nele. Levada pelo mau humor, decidiu dizer poucas e boas a sra. Misteriosa. 

- Ouça, se não quer fazer novas amizades, tudo bem. Não preciso mesmo de mais amigos - declarou ela, balançando o prato para enfatizar o que dizia. - Na verdade, tenho tantos no momento que estou querendo me livrar de alguns deles. De qualquer maneira, não havia motivo para você ser tão rude. Tudo o que fiz foi me apresentar e lhe oferecer alguns malditos biscoitos!

Manoela teve de se esforçar para se manter séria. 

- Malditos biscoitos deliciosos - confessou ela, arrependendo-se assim que viu um brilho de divertimento surgir nos olhos da outra. 

- E mesmo? 

- Sim. 

Dizendo isso, ela seguiu pelo corredor em direção à saída, deixando-a surpresa com aquela reação. 

Foi então que Giovanna decidiu seguir seu impulso, um de seus hobbies preferidos.  Destrancou rapidamente a porta de seu apartamento e deixou o prato sobre a mesinha de centro. Em seguida, saiu novamente e trancou a porta. Então começou a seguir a sra. Misteriosa, esforçando-se para não fazer nenhum barulho ao andar.

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