Beijo

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- O quê?!

- E terá de ser convincente - salientou ela. - Se formos convincentes, ela se convencerá de que não estou realmente interessada em Johnny. Prometo que lhe pagarei mais cinquenta dólares por isso.

Manoela teve de se esforçar para continuar sério.

- Então, vai me pagar cinquenta dólares para que eu a beije?

- Como um bônus - justificou Giovanna. - Farei qualquer coisa para mandar Johnny de volta para Nova Jersey. Aja como se estivesse sobre o palco, representando. Isso não precisa significar realmente alguma coisa. Ela ainda está olhando? - perguntou, mudando de posição.

- Sim - respondeu Manoela, mesmo sem olhar para a janela da sra. Wolinsky.

- Ótimo, então vamos lá. Aja com romantismo, está bem? Posicione os braços assim, em torno de mim, incline-se um pouco e...

- Sei como beijar uma mulher, Giovanna.

- Claro que sabe. Mas um pouco de ensaio não fará nenhum mal...

Manoela se deu conta de que a única maneira de fazê-la parar de falar seria agindo. Em vez de circundar os braços em torno dela, puxou-a de uma vez para si. A última coisa que viu antes de seus lábios esmagarem os dela, foram os expressivos olhos castanhos se arregalarem de espanto.

Manoela estava certa.

Completamente certa, pensou Giovanna.

De fato, ela realmente sabia como beijar uma mulher. Teve de se apoiar nos ombros dela para não cair, pois seus pés mal estavam tocando o chão. Então, para seu próprio espanto, deixou escapar um gemido.

Sentia a cabeça zonza, como se, de repente, as duas estivessem em outro lugar, longe das pessoas e do mundo. Seu coração acelerado parecia estar batendo alto a ponto de ser ouvido, e seu corpo se tornara trêmulo, vulnerável ao apelo sensual da proximidade daquela que estava se tornando uma pessoa cada vez mais presente em seus pensamentos mais íntimos. Era quase como no sonho, pensou Manoela, só que melhor. Muito melhor. O sabor dos lábios de Giovanna era adocicado e único, incapaz de ser resgatado apenas pela imaginação. Depois de saboreá-los com voracidade, afastou-a um pouco, mas somente para verificar se o ar de desejo estava tão evidente no semblante dela quanto deveria estar no seu.

Giovanna ficou olhando para ela, ofegante, ainda com os braços circundando seu pescoço.

- O próximo é meu - disse Manoela.

Então Giovanna se entregou mais uma vez àquele turbilhão de sensações deliciosas e provocantes. Não protestou quando ela insinuou a língua por entre seus lábios e começou a explorar os recantos mais secretos de sua boca.

Quando ela se afastou pela segunda vez, moveu-se tão devagar que foi quase como se não quisesse fazê-lo. Manoela queria poder tê-la ali mesmo, em meio à penumbra da noite e sob os olhares surpresos, e provavelmente escandalizados, dos transeuntes. Pouco lhe importava que olhassem. Queria saciar aquela sua sede pela energia sensual de Giovanna. De fato, só se conteve por saber que uma atitude mais ousada acabaria assustando-a. Ela própria estava assustada com sua reação. Era como se sempre houvesse guardado um vulcão dentro de si que, de repente, resolvera entrar em erupção.

- Acho que isso será suficiente - disse a ela.

- Suficiente? - repetiu Giovanna, como se houvesse acabado de chegar de outro planeta.

- Suficiente para convencer a sra. Wolinsky.

- Sra. Wolinsky? - Ela balançou a cabeça, tentando ordenar os pensamentos. - Oh, sim, claro. Puxa, você é mesmo muito boa nisso, Aliperti.

Um sorriso relutante curvou os lábios dela. A sinceridade de Giovanna era realmente encantadora, pensou Manoela. E perigosamente irresistível.

- Você também é muito boa nisso - respondeu ela, conduzindo-a em direção à entrada do prédio.

-/-

Giovanna começou a cantar enquanto trabalhava, fazendo um dueto com Aretha Franklin. Atrás dela, a janela aberta revelava um belo dia ensolarado, vez por outra assaltado pela leve brisa fria de abril e permeado pelo inevitável ruído das ruas de Nova York. No entanto, o sol do lado de fora não estava menos radiante do que o humor de Giovanna. Virando-se para o espelho preso à parede, a seu lado esquerdo, tentou imitar uma expressão de espanto que pudesse ajudá-la na caracterização de sua personagem. Porém, tudo que conseguiu fazer foi sorrir. Sorrir com plena satisfação.

Já havia sido beijada antes, claro. E também fora envolvida pelos braços de alguém. Entretanto, todas as experiências que tivera se comparavam a um mero "incendiozinho" local, se comparadas à explosão vulcânica que fora se ver nos braços de Manoela.

Na noite anterior permanecera com aquela deliciosa sensação de zonzeira durante horas. Adorara cada um dos momentos daquela espécie de arrebatamento de sensualidade feminina. Poderia haver algo mais incrível do que sentir-se vulnerável e forte, boba e sábia, confusa e esclarecida, tudo ao mesmo tempo? E tudo que precisava fazer para sentir aquilo era fechar os olhos e deixar sua mente devanear, livre de qualquer censura. Imaginou o que Manoela estaria pensando, o que estaria sentindo. Ninguém conseguiria ficar indiferente a um experiência daquela... magnitude. Alguém não poderia beijar uma mulher daquela maneira e não sofrer... digamos... algum efeito colateral. Sofrer até que era uma palavra adequada, concluiu ela, pensando nas consequências em seu próprio corpo. Riu, suspirou alto, então voltou a se concentrar no trabalho, cantando com Aretha Franklin as maravilhas de se sentir like a natural woman. Sim, estava mesmo se sentindo como mulher natural. Natural até demais. O beijo de Aliperti deixara um rastro de chama em seu corpo e, embora aquilo fosse delicioso, era também assustador ao mesmo tempo.

- Pelo amor de Deus, Gio, está muito frio aqui!

Giovanna levantou a vista. - Oi, Ana. Olá, meu amor! - acrescentou, olhando para Charlie.

O bebê olhou para ela com um sorriso sonolento, enquanto Ana se aproximava da janela, mantendo-o apoiado sobre seu quadril.

- Está sentada diante de uma janela aberta, e a temperatura não deve estar mais do que quinze graus lá fora. - Ana fechou o vidro, com um arrepio de frio. - Eu estava sentindo um pouco de calor - declarou Giovanna, deixando o lápis de lado para apertar a bochecha rechonchuda de Charlie. - É milagroso, não, que as pessoas se transformem dessa maneira? Nascem como bebês lindinhos assim e depois... Uau! Transformam-se naquilo tudo.

Ana franziu o cenho, olhando a amiga com ar de curiosidade.

- Está com uma expressão meio engraçada - disse ela. - Sente alguma dor? - Pousou a mão sobre a testa de Giovanna, em uma atitude maternal. - Não está com febre. Agora mostre a língua.

Giovanna obedeceu, ficando vesga ao mesmo tempo só para fazer Charlie cair na gargalhada.

- Não estou doente. Estou é em estado de graça.

- Hum... - Ana apertou os lábios, não parecendo muito convencida. - Vou pôr Charlie em sua cama para tirar uma soneca. Ele está até zonzo de sono. Depois prepararei um café para nós duas e quero que me conte o que está acontecendo.

- Claro.

Voltando a adquirir o mesmo ar sonhador, Giovanna pegou o lápis novamente e desenhou pequenos corações sobre o papel. Então se empolgou e começou a desenhar outros maiores, esboçando o rosto de Aliperti dentro de um deles.

Sim, ela tinha traços fortes e marcantes, mas que se amenizavam quando sorria. Ela adorava fazê-la sorrir. Aliás, fazer as pessoas sorrirem era um de seus talentos.

Ficaria mais tranqüila quando conseguisse arranjar um emprego para ela. Depois providenciaria um sofá para aquela sala vazia, mas isso não seria difícil com seus contatos. Tinha muitos amigos que poderiam ajudá-la a encontrar móveis práticos e por um bom preço. Queria ver Aliperti instalada com mais conforto, só isso. Claro que não havia nenhum interesse de sua parte, afinal, faria isso por qualquer pessoa. Ainda mais por uma vizinha maravilhosa que beijava como uma deusa saída diretamente do sonho de toda mulher.

Satisfeita com seus planos, cruzou as pernas sob si e voltou a se concentrar no trabalho.

A vizinha - Griperti Onde histórias criam vida. Descubra agora