O mal da década

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 O  movimento do restaurante já havia diminuído então, essa é a hora perfeita para uma conversa com o garçom.

— O que você quer? — ele pergunta, sentando-se.

— Quero conversar sobre seus clientes, para minha pesquisa. — Esclareço.

— Não posso simplesmente falar sobre pessoas desconhecidas para outra pessoa desconhecida. — Ele fala sério, fazendo com que surja uma ruga estranha em sua testa.

— Eu já te disse o motivo de eu querer sua ajuda e eu posso recompensá-lo. — Digo, tentando manter a calma e o foco.

Odeio quando me contrariam ou complicam as coisas.

— Ok, mas eu preciso ler o que está escrevendo. E não se preocupe, não vou soltar nenhum spoiler para a revista concorrente e ganhar um bom dinheiro. — Ele fala, parecendo considerar a opção.

Penso um pouco antes de decidir mostrar o que eu escrevi para ele. Todo jornalista tem suas fontes e ele vai ser uma fonte minha.

Abro a pasta onde estão meus rascunhos e viro o notebook para que ele possa ler.

Ele se aproxima da tela e lê atentamente.

— Incrível! Se quiser um livro de romance ou de autoajuda, para quem não consegue arranjar alguém que preste. — Ele fala, olhando-me sério.

— O quê!? Quem você pensa que é pra me falar isso? — Digo com um misto de surpresa e irritação.

— Sou alguém que trabalha a quatro anos num lugar que exala romance, literalmente, até o perfume daqui se chama romance, só que em francês. As pessoas sabem do frio da barriga que sentem a cada encontro e que vários deles não dão certo. Todos sabem que devem ignorar os padrões perfeccionistas, mas ninguém olha pra uma foto num aplicativo, adivinhando o quão legal essa pessoa pode ser. Todos sabem disso, mas pelo que você me falou, quer algo que as pessoas se identifiquem, então fale com elas, viva as experiências, ninguém pode descrever uma dor sem sentir. — Ele fala com uma naturalidade que me espanta. Fico uns segundos pensando no que vou dizer, qualquer palavra que sair da minha boca agora soa ameaçadora.

— Só que não estamos falando de dor. — Retruco, sem saber o que falar.

— Quem disse? — Ele se cala e olha pra janela que está embaçada por causa dos pingos da chuva fina. — Tem uma garota que frequenta o To love que tem boas histórias pra contar, caso ela esteja aqui no próximo dia que você vir, eu falo com ela.

— Obrigada. — Fico em silêncio, novamente sem saber o que dizer. — Você não serviria como jornalista, apesar de sua habilidade com as palavras.

Ele me olha com um misto de confusão e curiosidade.

— Você não tem paciência e um jornalista necessita disso para não perder o controle com pessoas com ar de soberba e perguntas idiotas. — Digo, já levantando e indo embora.

Os inúmeros papéis em cima da minha mesa parecem serem monstros sufocantes e a minha cabeça não ajuda nem um pouco, parece que meus neurônios resolveram dançar sapateado dentro dela. Estou com um humor terrível, nem eu me suporto. Até a foto de um gatinho em cima da minha mesa parece ser uma provocação.

E para piorar, o dia hoje está extremamente movimentado. Hoje à noite, a senhora Brooks vai dar um grande baile e todos estão espalhando matérias sobre o baile e como a Sr. Brooks é adorável. Mas isso é uma mentira, ela é uma megera que acha que seu salto 15 a põe no topo do mundo. O incrível é que todos esquecem disso só porque ela vai dar uma festa beneficente.

Match Perfeito - (Repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora