Hoje o dia começou bem. E eu sei que não é só meu estado de espírito. É algo mais, como quando a gente olha pro calendário e tem um evento importante marcado em caneta especial. Não a caneta vermelha, que indica algo que não deve ser esquecido. Está mais pra caneta dourada, ou caneta a tinta de felicidade. Levantei antes do despertador. Tomei um banho caprichado. Escovei os dentes. No guarda-roupas desviei do jeans surrado, e das camisetas de bandas. Meu all star me fita magoado. Pego o vestido florido que ganhei no último natal, mais as sapatilhas lilases. Olho no espelho, feliz pela escolha. Fez parecer o dia mais alegre. Até meu cabelo sempre cheio de nós ficou liso nas primeiras tentativas. E ficou radiante. Desisti da maquiagem. O especial merecia o natural. Peguei a bolsa com as coisas importantes, e sai para o dia ensolarado. Olhei para a rua movimentada, com pessoas indo para seus empregos, e mães levando seus filhos para as escolas. Respirei fundo o ar. Minhas aulas só voltariam dali um mês. E andei sem rumo, apenas andei em busca do acontecimento importante do dia. Cheguei na praça do bairro. As pessoas estavam correndo, outras andando de bicicleta. Mas todas alheias de que era um dia tão bonito. Comprei comida para os pombos, e ri conforme eles brigavam entre si pelas migalhas. Observei enquanto o parquinho de enchia de crianças buscando diversão. Crianças espertas, esse era um dia perfeito para isso. Joguei as ultimas migalhas de pão, e me levantei. Caminhei pelas ruas agora cheias. Tantas pessoas com caras fechadas, com pressa, ou apenas zangadas. Era triste ver isso. Entrei pela porta da livraria, que me recebeu com seu cheiro agradável de páginas antigas. Andei entre as prateleiras buscando algo especial. E foi quando vi. Um anjo. Ou melhor. Um garoto que parecia um. Seu cabelo loiro caia sobre os olhos, que mesmo de longe eu sabia que eram azuis. Ele parecia concentrado em seu celular. Dei a volta mais longa pra chegar ali sem parecer louca. E parei na prateleira na frente dele. Fiz minha melhor cara de quem estava em dúvida de qual livro escolher. Uma olhadinha por cima do ombro, e me deparei com um menino ainda abduzido pelo celular. Derrubei alguns livros "sem querer", e me abaixei pra pegar. Bingo. Ele havia me notado. Mas estava apenas ali observando. Juntei os livros, e coloquei de volta na prateleira. Escolhendo um aleatoriamente, e folheando, totalmente ciente dos olhos dele ainda me fitando. Passaram-se minutos, e nada. Suspirei, e deixei o livro. Voltei a passos curtos para as prateleiras onde eu estava. Peguei dois livros, analisando pelas capas. Eu era assim. Escolhia pela capa.
-Oi-uma voz me interrompeu.
Os livros cairam no chão. E eu arfei pelo susto.
-Desculpa -a voz ecoou novamente.
-Não foi nada, eu derrubo as coisas o tempo todo - sorri, finalmente olhando para quem estava falando. O anjo.
-Eu vi-ele abre um sorriso largo, e lindo-eu não sabia se te ajudava lá-ele disse apontando - fiquei hipnotizado com a cena.
-Q-que?-me sinto corar.
-Parece uma cena de filme-ele ri-você está num dia ruim, quando de repente chega uma garota linda, e ao que parece inteligente, e chama sua atenção.
-Uma garota desastrada você quer dizer-desvio os olhos de vergonha.
-Linda-ele diz num tom rouco, e se aproxima.
Eu olho pra ele sem graça, e sem saber o que fazer com tanta proximidade. E então ele me beija. Um beijo doce, e intenso. Meu cérebro mal tem tempo de registrar. Absorvo cada sabor. Quando de repente acaba.
-A gente se vê por ai-ele diz se afastando.
-Que?-olho confusa.
-Eu preciso ir-ele sorri.
-Mas você deveria ser meu acontecimento especial-eu digo antes mesmo de pensar.
Ele me olha por um instante, e se aproxima um pouco.
-E eu fui-ele coloca o cabelo atrás da minha orelha-mas um dia é só um dia, só porque fui especial hoje, não quer dizer que eu vá ser amanhã-ele volta a se afastar-mas também não quer dizer que não vá, então, te vejo por ai.
E ele se vai. E eu só fico ali, olhando meu dia bonito sair por aquela porta. Felicidade desgraçada.

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Devaneios
PuisiSão textos novos&antigos, super aleatórios, que eu geralmente escrevo após ler, ver ou sentir algo. São minhas respostas a questões apenas jogadas no ar, mas nunca pronunciadas. Vamos chamar de diário então!