2. PRESA E PREDADOR

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Ambelle

Eu não sabia exatamente o que pensar. Minha primeira reação foi rir, mas o silêncio prolongado do lugar me fez pensar melhor e continuar calada. O local em que meu pingente estava começou a esquentar, ergui a mão percebendo que queimava escondido enquanto o jovem lobo avaliava os olhos fascinados diante dele.

Me pareceu um pouco irritado, ou talvez ele sempre mantivesse aquela expressão de irritação.

No meu caso, eu estava mais perplexa do que fascinada. Um lobo. O tipo de lenda mais boba, porém as opções eram duas: ou todos estavam loucos, ou o mundo era realmente...  melhor nem pensar sobre isso.

Não, não, não, era o que em minha mente repetia para mim mesma. Papa parece acreditar nisso, eu preciso urgentemente ouvir todas as lendas do meu clã.

Depois do choque inicial, um burburinho agitado tomou conta de algumas das pessoas mais afastadas. Uma tosse seca foi ouvida. O velho grisalho balançou a cabeça em aprovação, ou um incentivo. Ao que parecia, eu não era a única duvidosa, pois o jovem se afastou um pouco e curvou-se para frente, os olhos fechados em concentração enquanto todo o seu corpo tremia, como se cada músculo e nervo daquele corpo tivesse entrado em colapso.

Aconteceu rápido, meus olhos não conseguiram acompanhar com clareza o suficiente, num segundo o jovem tremia de forma incontrolável e no seguinte uma explosão de pelos negros e olhos vermelhos foi vista, o baque estrondoso das poderosas patas dianteiras contra o chão seco ecoou junto aos suspiros e os murmúrios, que eu podia jurar que eram orações. Eu não conseguia respirar, não havia ar suficiente, minha boca caiu aberta quando o enorme cachorro balançou os pelos, os enormes olhos bem abertos avaliando a tudo e todos naquele lugar.

Ele era maior que eu, pelos céus.

"Tudo bem, Ambelle?" Mama perguntou ao meu lado, balancei a cabeça, notando que havia me curvado para trás, como se isso fosse me afastar do que havia a minha frente.

Minha cabeça girava processando essa informação, era tão irreal. Lambendo os lábios que agora estavam muito seco eu me obriguei a olhar o lobo de novo. Dessa vez ele me encarava também, não mais alheio a minha silenciosa incredulidade e aqueles olhos… Tão quentes quanto o sol de meio-dia, eles estavam fixos em mim como se pudesse me devorar, sua língua arrastou-se sobre a longa fileira de dentes com as ameaçadoras presas brilhando, sua mandíbula fechou-se com um forte ruído e não duvidei que ele poderiam fazer exatamente isso. 

Ou que quisesse fazer.

📌

O sol ainda estava escondido atrás das montanhas, a luz alaranjada fazia meus olhos balançarem, lembrando-me que quase não dormi durante a noite anterior.

"Precisamos de água," a voz arrastada de Freyja me gemer de preguiça, ela bocejou entregando seu cansaço. A garota estava horrível hoje, as roupas amassadas, os fios de cabelo soltos da trança que com certeza estava ali desde a tarde anterior, manchas sob os olhos irritados enquanto puxava um dos bancos espalhados ao redor do que restou de uma fogueira, levando-o até a grande mesa de madeira velha.

"Acho que o rio não fica muito longe daqui." Informei, ajudando-a com o banco pesado. Freyja riu, realmente riu, enquanto olhava para mim, afastou-se pegando dois baldes de um material escuro e os trouxe até mim.

"Hoje é o seu dia de procurar água." Ela disse deixando os baldes caírem aos meus pés. "Boa sorte."

"Mas..." comecei.

"Tchau Ambelle." Intratável como sempre, ela voltou aos seus afazeres.

Era infantil eu sei, mas não conseguia evitar a frustração me fazendo chutar as pedrinhas azarentas alcançadas por meus pés, nem o bufo de indignação enquanto agarrava ambos os baldes e saia caminhando em direção a trilha na floresta, o sol atravessa as pequenas frestas nas folhas jogando poucos raios de luz através da floresta.

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