3. À PRIMEIRA VISTA

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Talon 

Alguns dias antes…

Meus pelos se eriçaram assim que o novo cheiro chegou à mim. Não era nada do que eu já havia sentido, era doce e ao mesmo tempo azedo, a trilha deixada por ele era inconstante, apenas um fio que tremeluzia e desaparecia mas então voltava... e desaparecia de novo.

Diferente das outras trilhas, esse novo cheiro era forte o suficiente para ser vivo, a cor vermelha brilhante encantava meus olhos de lobo, não parecia em nada com o amarelo desbotado dos humanos, mas também não era nem de longe parecido com o cinza opaco imortal.

Um rosnado saiu de minha garganta, e por um minuto inteiro achei que meu corpo não iria me obedecer, à tentação de seguir aquele rastro, de caçar a minha presa me deixou selvagem. Eufórico. A adrenalina fazendo minhas patas inquietas, cavei pequenos buracos no chão, mas me impedi de perseguir o cheiro.

Nunca gostei de vermelho, a cor do fogo, pois ele balançava de uma lado para o outro como uma nuvem colorida que eu costumava ver quando estava na forma de lobo.

Essa nuvem nunca era algo bom. No entanto aqui estava, as duas coisas que eu menos gostava unidas numa só e eu queria segui-la.

Checar o perímetro, me ordenei, era bom conversar sozinho. Quebrar o silêncio insuportável de minha cabeça. Era engraçado, minha audição era formidável, eu podia ouvir até o mais leve espirro em meio a confusão de rodas e relincho irritado dos cavalos, que vinham pela estrada principal. Podia dizer pela altura do som que estavam preste a parar perto da curva na estrada. 

Mas ainda assim, eu sentia o vazio, o abandono, uma ausência de som tão grande em minha cabeça que eu poderia enlouquecer apenas com isso. 

Obriguei-me a me afastar, ignorar o fio vermelho, e seguir a trilha que foi deixada mais cedo. Eu precisava me controlar: ordem, disciplina e brutalidade. Era o que diziam as lendas.

Apesar de não seguir isso, me mantinha na maior parte do tempo focado.  

📌

Atualmente…

Eu não podia acreditar em meus próprios olhos. O novo cheiro que estava no ar e a cada instante ficava mais forte, tinha me deixado inquieto mesmo na forma humana. Eu já estava sentindo-o a muito tempo, e vê-la me trouxe todas as lembranças da primeira vez que eu o senti. Mesmo que não me parecesse ameaçador me perguntei mais uma vez se hoje era realmente o melhor dia para isso. Se um daqueles imortais fedorentos resolvessem passear por aqui muita gente estaria exposta.

E quem era ela? O quê era ela?

Sentada em meio as outras mulheres foi onde eu a vi, ela pareceu muito pequena não mais do que uma garota encolhida, talvez nem ao menos tivesse tido o seu primeiro sangramento ainda. Porém, a maioria das mulheres pareciam pequenas e frágeis se comparadas ao meu tamanho.

Mas veja bem, isso tinha lógica ser... grande, eu me transformava num lobo gigante! Ok pode não ser natural para muitas pessoas, não é natural para mim ainda. Zorik não me considerava um lobisomem e sim um metamorfo, um verdadeiro lobo, eu não entendia isso tão bem quanto ele.

Antes que ele fosse morto, quando soube da minha transformação, pesquisou todas as lendas conhecidas e esquecidas, nenhum método convencional estava funcionando comigo. Nada me fazia voltar a ser, eu de novo.

Para ele, eu não tinha nascido com os genes dos lobisomens, não havia nenhum histórico sobre isso na minha árvore genealógica. Eu não sabia nem ao menos que tinha essa tal árvore. Enfim, o importante era que eu havia adquirido eles de algum modo, e ele tinha plena certeza de que isso aconteceu pouco antes de me encontrar jogado a beira do rio.

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