- Sei que não gostaste muito do dia de hoje. Lamento.- Constança desculpou-se, enquanto a aconchegava.
Chagámos há poucas horas a Leiria. Não havia baús desfeitos, apenas o essencial sairia das bagagens. Amanhã o dia começaria cedo, uma vez que hoje perdemos horas preciosas a consertar um dos transportes.
Constança estava pronta para, enfim, descansar.
- Ninguém gosta de estar muito tempo parada no mesmo lugar. Não foi culpa tua.- Sorri para a minha senhora e desejei-lhe uma boa noite, antes de apagar as velas e sair.
O castelo era modesto. Foi erguido para enfrentar exércitos e não a estadia de uma corte, mas tinha uma vista bonita para o pôr do sol.
Descansei imenso durante a viagem, e não me vejo a adormecer dentro de pouco tempo, portanto decidi ir buscar o meu agasalho e subir às muralhas.
A escadaria era muito estreita, e parecia longe da troca de turno dos soldados.
- ... tens de te impor. A minha corte olha para o meu filho com chacota.
- É muito fácil, quando o próprio rei encara o filho com descrença. Como pode o meu povo confiar em mim, se o meu próprio pai não o faz?!
Parei imediatamente na subida. A discussão parecia acesa sobre mim, segundo as vozes. Parecia... o rei e Pedro? O príncipe gaguejava imenso, e parecia magoado.
O rei pareceu respirar fundo e retomar qualquer que fosse a conversas que estavam a ter antes de eu escutar.
- Vais fazer como te digo.- Ouvi D. Afonso caminhar e senti pedrinhas pequenas na cabeça.
Bastaria olharem para baixo e dariam comigo. Estaria em tão maus lençóis se me apanhassem a ouvir uma conversas de cariz privado.
- Eu não tenho poder o suficiente sobre Constança para a influenciar. Aliás, tentar fazê-lo quanto a uma amiga tão próxima, só nos afastaria mais.
- Então empodera-te, caramba! É a tua mulher! Será que és tão fraco que nem a tua futura mulher te respeita?!
Não tenho muita experiência na corte portuguesa, mas é assim que se fala com um infante?
Esta conversa não levaria a lugar algum. Voltaria mais tarde, quando sono já fosse alto no castelo e... tropecei na bainha do vestido, quando tentei recuar.
Sustive a respiração, com fé de que não teriam dado pela minha presença, ou pelo som de cascalho solto.
- Não é muito tarde para estar de pé?!
Enrubesci tal o tom reprovador do rei.
- É majestade, no entanto sinto o corpo ainda dormente de uma viagem tão longa até aqui.- Olhei para cima e afastei o capuz azul da minha capa quente e grossa.
- Devíeis estar habituada, chegastes de Castela há pouco.- O tom de D. Afonso era puro desdém, e pelo olhar do filho, Pedro estava a gostar tanto quanto eu. - Aliás... quem vos ensinou português?
D. Afonso cruzou os braços e dispensou o filho do olhar, ordenando-me a subir com um gesto de cabeça.
Pedro, com o cavalheiro que era, aguardou que terminasse de subir os 15 degraus, que me restavam para então descer. Ignorei aquele olhar que me fazia. Não deveria ser dirigido a mim.
Fiquei a ver o príncipe descer e perder-se na bruma da noite até o rei me chamar. D. Afonso parecia estar com humor para conversas privadas, hoje.
- Não é educado ouvir conversas alheias, dama Castro.
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Pedro e Inês: O amor que se fez lenda
Ficción histórica«A mísera e mesquinha que, depois de morta, foi rainha». Há amores intemporais, tão fortes que reverberam no tempo pela eternidade e transformam-se em lendas! O amor de D. Pedro e Inês de Castro foi real, ao invés de outros compostos por dramaturgos...