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Decorre agora o ano de 1329, Pedro tem 9 anos e D. Afonso é rei. Faz 4 anos que o avô Dinis faleceu. O príncipe tem aulas de matemática, português e latim, entre os demais ofícios indispensáveis a um futuro rei, e a um cavaleiro também, como aulas de esgrima. 

Pedro está agora a treinar as artes de cavalaria com o escudeiro:

- Digo-vos isto há anos: costas direitas!

- Eu tento.- Reclamou o menino.- Mas quando desço doem-me as pernas!

- É normal que aconteça, se continuais a errar os exercícios que vos mando fazer ireis demorar mais tempo e pior vai ser a vossa dor.- O velho homem falou e no mesmo instante o menino empenhou-se para fazer melhor.

- Acertai no alvo.- O escudeiro disse, apontando o alvo de centro vermelho pendurado no ramo do velho carvalho.

Estava um bonito dia de verão e de vez em quando passava uma brisa fresca que matava o calor por curtos instantes. O príncipe praticava no pátio do palácio, por onde passavam alguns cortesãos vez ou outra. A erva estava verde e algumas flores selvagens davam-lhe umas pintas de amarelo, branco ou roxo. O alto muro do palácio separava Pedro da cidade e dos olhares curiosos do povo.

A sombra das árvores tornava-se mole e apetecida com tanto calor, é... treinar depois de almoço não é agradável para ninguém.

- Alteza, vosso pai mandou chamar-vos.- A ama de meia-idade veio informar sem grandes sorrisos.

- Dizei-lhe que...que estou a ir.- O pequeno pediu saltando do cavalo.- Até amanhã, José.- Despediu-se do professor.

- Vá com Deus, menino, e juízo.

- Eu tenho sempre.- Saiu a correr com alguma dificuldade pelas pernas dormentes, devido a longas horas de treino a cavalo, e com a distração tropeçou no degrau para a ala interior do palácio, à sombra.

- Alteza!- O homem gritou preocupado.

- Eu estou bem.- Avisou levantando-se e sacudindo o pó das calças e da camisa.- Só...só partido, mas bem.- Correu para dentro.

- Que miúdo traquina.- Riu José de cabelos grisalhos e barba branca.

- Que... que me que...que...res?- Perguntou o rapaz ao rei.

Afonso estava sentado no trono e dispensou os fidalgos que o acompanhavam.

O salão em pedra estava fresco, não deixava passar muita luz pelas cortinas pesadas verde-escuras de veludos, o que o deixava de atmosfera mais pesada, triste e desconfortável que o necessário, embora à noite fosse um lugar de imensas luzes de velas num enjoativo cheiro a cera. As festas e banquetes eram um total aborrecimento para Pedro, mas talvez lhes achasse mais interesse quando crescesse. Ele acreditava nisso.

- Como têm ido as aulas? Já consegues pegar em lanças?

- Quase... ainda são pe...pesadas para mim, consigo supor...portá-las, mas ainda nã...não consigo empunhá-las pa...para um torneio.- Entristeceu-se.- Ma...mas o José diz que estou ca...cada vez melhor com...com a espada, e pra...pratico todos os dias com o André.

- Ai sim?- O rei sorriu e fez sinal para que lhe enchessem o copo de vinho.

D. Afonso revia-se no filho, a mãe dizia-lhe que era tal e qual o neto quando tinha a idade dele. O cabelo castanho escuro, denso com algumas ondas, de franja colada à testa com o suor do treino, e as bochechas vermelhas do cansaço. Havia um brilho doce e de desafio ao mesmo tempo, no olhar de Pedro. Um olhar português e pacato. O sorriso por outro lado, pertencia à mulher: bonito e cativante. 

- Sim, queremos ir numa cruzada pai, quando formos maiores. Queremos enfrentar aqueles hereges!- Disse o príncipe gaguejando um bocadinho menos, tal a fúria perante os infiéis.

- As maiores batalhas, Pedro, são travadas nesta sala.- O rei sorriu e deixou-se descair no trono, fechando os olhos, de copo na mão.

Estava a ficar velho, nos seus 40 anos, começavam a surgir os cabelos brancos entre a coroa, no cabelo castanho, mais escuro do que o do filho, e na barba também, principalmente na barba. Ultimamente notava que havia mais rugas em redor dos olhos. Ossos do oficio e experiência, preferia pensar o rei, era isso que a idade lhe exibia.

Pedro olhou confuso para as paredes cinzentas com tapeçarias e quadros de antepassados seus. Haviam vários castiçais de ferro, apagados por ser dia, que pendiam do teto, e junto do trono do pai, estava um escrivão que ordenava e apontava detalhes que o pai lhe ditava vez ou outra.

O príncipe sentou-se no trono vazio da mãe, que a esta hora estaria num convento a prestar esmola, porém parecia-lhe tão estranho ocupar aquele lugar. Não era seu. Não ainda.

- Onde...de exata...ta...tamente?

- Tu decides que batalhas lutas e que guerras ganhas. 

Até o pequeno príncipe sentiu o rancor e o significado das palavras não ditas ali. 

- Eu não me lembro muito bem, mas... a mãe sim. Quando tu foste à guerra com o avô Dinis.- Pedro murmurou entrecortando palavras, e viu um sorriso amargo surgir no rosto do pai, que bebeu o resto do copo de vinho.

- Uma entre muitas outras, sim. O teu avô foi um bom rei, mas um péssimo pai e marido, deixa que te diga.

- Nós não vamos lutar, pois não pai? Eu não quero lutar contigo.- Preocupou-se o menino, com lábio a tremer. Sempre fez o seu melhor para tentar não gaguejar perto do pai, sabia que o desiludia, mas não estava a ir muito bem.

- Claro que não, Pedro.- O rei sorriu e estendeu a mão ao seu herdeiro.- Dou-te a minha palavra em como jamais te apontarei uma espada, filho.

Pedro sorriu e apertou a mão do pai, neste que era o seu primeiro tratado informal de paz, quando não havia guerra.

- Dou-vos a minha palavra majestade, em como jamais lhe erguerei uma espada.- Sorriram ambos satisfeitos e acabaram por gargalhar juntos.

Quando se recuperaram, Pedro lembrou-se de algo:

- Tenho saudades da avó.

- Eu também.- D. Afonso murmurou mais sério.- Quem sabe um dia, possamos ir visitá-la.

- Por que é que a avó Isabel não vem à corte?- Encarou o pai de repente.

- A tua avó nunca gostou muito de aqui estar, Pedro.- O rei sorriu como se recordasse algo.- Ela gostava de passear por Coimbra, ajudar os que mais precisavam. O teu avô nunca lhe permitiu muito do que ela gostava de fazer. Ela está feliz agora, em paz. Está dedicada a Deus, como sempre quis.

O rei pareceu ficar a matutar nas suas próprias palavras e após um encolher de ombros, bebeu um pouco mais.

- Isso significa que um dia, posso cumprir o meu dever diante de Deus e partir para uma cruzada?- Tentou Pedro novamente com alguma expectativa.

- Boa tentativa, alteza. O teu dever é aqui, para com o teu povo.- O rei respondeu com um sorriso irónico.

- Bolas!- O príncipe aborreceu-se e o rei gargalhou uma vez mais.

- Majestade, o seu próximo compromisso é dentro de muito em breve.- O mordomo interrompeu a conversa para relembrar D. Afonso.

- Eu vo...vou ter com...com o André.- O menino desceu do trono da rainha D. Beatriz com um pequeno salto, por ainda não chegar com os pés ao chão.

- Vai com Deus.- Desejou o pai sorrindo, enquanto se inteirava do assunto da reunião com o secretário.- E ganha juízo.

Pedro e Inês: O amor que se fez lendaOnde histórias criam vida. Descubra agora