O feitiço

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O castelo de Connasjen se encontrava na penumbra da noite, quando o mago retornou.

Foi direto para o salão principal, onde sabia que encontraria Taberud acordado, no aguardo de novidades.

Ao acessar o local, sentiu no ar a ira de seu mestre, que era quase palpável.

— Ladallmus, por que será que eu sinto que você não me traz notícias boas? Será que você não é mais capaz de resolver nada? Será que os anos que passou sozinho em Connasjen o transformaram num ser inútil?

— Me responda, Ladallmus — continuou o feiticeiro das trevas olhando para as mãos — Mas tenha cuidado com o que vai dizer, pois sabe o que eu faço com pessoas que não me servem para mais nada...

O mago já tinha em mente todo um argumento pronto para convencer Taberud, mas ficou decepcionado com as palavras que ouviu do mestre, algo que se tornava constante.

Então, em vez de lhe dizer uma ideia decorada, deixou se levar pela fúria que foi despertada nele.

— A sua resposta é simples, mestre Taberud. A culpa do meu fracasso é totalmente sua!

O feiticeiro levantou o rosto e encarou o mago com raiva e ao esticar os braços, suas duas armas principais voaram para cada uma de suas mãos.

— Você está me desafiando, mago inútil! — berrou ele e criou um redemoinho escuro sobre sua cabeça e depois o lançou sobre Ladallmus.

O mago levantou uma das mãos e controlou com ela o ataque do mestre, mudando a tonalidade do redemoinho para um azul-celeste, depois o arremessou de volta sobre ele, o derrubando de seu trono improvisado e fazendo com que sua espada e o cajado escuro voassem para longe. O contra-ataque de Ladallmus foi tão forte que as paredes do castelo chegaram a tremer.

Taberud ficou um tempo imóvel no chão, depois, lentamente, começou a se levantar sorrindo.

— Este é o poderoso mago que eu conheço! Me diga, Ladallmus, qual foi a grande besteira que eu fiz desta vez...

— O mestre tornou o príncipe e a guerreira quase indestrutíveis...

— Quase? — perguntou gargalhando o feiticeiro.

O mago concordou com um aceno.

— Então vamos explorar esse quase...

☸🔆☸🔆☸

Após algum tempo dialogando, o feiticeiro compreendeu o que havia feito.

— Mais uma vez um feitiço meu causa um efeito colateral indesejável. Será que podemos reverter essa magia a nosso favor?

— Existe uma forma, Taberud, mas é perigosa...

— Perigosa para quem?

— Para o castelo escuro e para todos que aqui vivem, inclusive poderia destruir todo o continente.

— Tão forte assim, Ladallmus?

— Não dá para quebrar um feitiço poderoso sem criar outro mais forte ainda...

— E o que precisamos fazer?

O mago contou todos os detalhes do que tinha em mente e o mestre refletiu por um bom tempo.

— Acha mesmo que eles concordarão com esse seu plano? É óbvio que parece ser uma armadilha.

— Elfca e Aldloc confiam em mim, pois quando percebi a proteção que o seu feitiço causou neles, na mesma hora entendi como deveria agir para lhes conquistar essa confiança.

— Eles não sabem com certeza ainda, o que de fato aconteceu — continuou o mago — E muito menos sobre a quase invencibilidade que possuem agora, e esse é o nosso maior trunfo.

Taberud o encarou pensativo.

— Tem que ser então ao mesmo tempo?

— Exatamente! 

— E a quantos dias de viagem eles estão daqui?

— Por mais incrível que pareça, ambos estão a dois dias de Connasjen, mestre. Parece que algo conspira para eles cheguem aqui na mesma data.

— Então não podemos perder tempo, Ladallmus! Instrua os construtores sobre os detalhes do cômodo que vai precisar, depois colocaremos nossa magia neste lugar e é só esperar que o casal venha para a armadilha, como dois ratinhos que são...

— Seguirei suas ordens!

☸🔆☸🔆☸

O mago passou o resto da tarde passando as orientações para os construtores, que além dos materiais comuns, teriam de usar também um pouco de magia para conseguir atender num prazo tão curto as exigências de Taberud.

— Não sei se conseguiremos a tempo, Ladallmus — reclamou um deles.

— É melhor que consigam — disse secamente o mago — O mestre anda muito nervoso e impaciente. Chegou a me atacar hoje...

Ladallmus pode ver o medo exposto no rosto do construtor.

— Foi quando o castelo tremeu? — questionou ele, já sabendo a resposta.

O mago nem se deu ao trabalho de responder. Virou as costas e os deixou planejando a melhor e mais rápida forma de construir o local.

Seguiu até seu aposento, que ficava no último quarto de uma das torres mais altas de Connasjen. O tremor da magia que utilizara antes, para lembrar Taberud de quem ele era, derrubou diversos livros antigos de sua estante.

Organizou-os com calma e depois foi até uma mesa de centro, onde se encontrava um objeto coberto por um pano bordado com os símbolos do castelo.

Sem descobrir a redoma de vidro, cerrou os olhos e se concentrou, para ver onde se encontravam o príncipe e a guerreira.

Observou que eles caminhavam exatamente ao encontro um do outro naquele momento e na imagem que viu surgindo em sua mente, dava a impressão que a qualquer momento se tocariam.

Era um quadro belo de se ver — imaginou, pois de um lado seguia Elfca num mundo branco e do outro vinha o elegante Aldloc, caminhando apressado sob um sol escaldante.

Será que eu deveria contar para eles que surpresa os aguarda no fim desta dura jornada que enfrentam?

Eu acho que não!

Pois mesmo que eles acreditassem em mim, mesmo que tivessem a certeza de que eu os conduzia para a sua destruição, mesmo assim eu não conseguiria evitar que eles seguissem em frente.

Afinal, quem é que pode entender esse tal de amor?

The FatherOnde histórias criam vida. Descubra agora