SEGUNDA PARTE-CAPÍTULO XVIII

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Vronski estava instalado numa choupana finlandesa, grande e asseada, dividida ao meio por um tabique. Tal como em Sampetersburgo, tinha na sua companhia Petritski, que dormia quando Vronski e Iachivne chegaram.
- Levanta-te, já dormiste bastante - disse Iachivne, sacudindo o dorminhoco pelos ombros, atrás do tabique onde ele estava deitado, de cabelos desgrenhados e o nariz enterrado no travesseiro.
Petritski deu um pulo e ficou de joelhos, enquanto olhava em redor com os olhos ainda mal abertos.
- Esteve aí o teu irmão - disse a Vronski. - Acordou me, o grande animal, para me dizer que voltava.
Dito isso, tornou a enterrar a cabeça no travesseiro, cobrindo se com a colcha.
- Deixa me em paz caramba - exclamou, colérico, para Iachivne, que lhe puxava a roupa. - Deixa me! - Virou se para ele e abriu definitivamente os olhos - Era melhor que me dissesses o que devo beber para acabar com este amargor que tenho na boca.
- Vodka, é o que há de melhor - vociferou Iachivne - Teretschenko, depressa, vodka e pepino de conserva para o teu patrão! - gritou ele, evidentemente deliciado com as modulações do seu vozeirão.
- Vodka? Achas? - perguntou Petritski, esfregando os olhos. - Se tu tomares também, estou aqui para o que der e vier. E tu, Vronski, fazes nos companhia?
Ao levantar se da cama, pôs se a andar, embrulhado numa colcha listrada, os braços para cima, trauteando em francês "Havia um rei em Tu... tu... le" - Então, Vronski - repetia ele -, fazes nos companhia ou não?
- Vai bugiar? - replicou Vronski a quem o criado oferecia nesse momento o uniforme.
- Aonde vais? - perguntou Iachivne, ao ver aproximar se da casa uma caleche tirada por três cavalos.
- A cavalariça e de lá a casa de Brianski, com quem tenho uns assuntos a tratar.
Prometera, com efeito, a Brianski, que morava a umas dez verstas de Peterov, regularizar com ele uma compra de cavalos e esperava ter tempo de passar por sua casa. Mas os camaradas imediatamente perceberam que ele ia a mais algum lugar. Continuando a cantarolar, Petritski piscou o olho e fez uma careta, que significava "Nós sabemos o que quer dizer Brianski."
- Não vás chegar tarde - foi o único comentário de Iachivne, e para mudar de conversa - a propósito o meu ruão tem-se portado bem?
- perguntou, observando, através da janela, o cavalo que vendera a Vronski. Quando este já ia a sair, Petritski deteve-o, gritando:
- Espera, o teu irmão deixou-te uma carta e um bilhete. Onde demônio os meti eu?
- Bom, onde estão eles?
- Onde estão eles? Eis a questão - declarou Petritski, cravando o dedo na fronte.
- Vamos, diz lá, isso é estúpido! - tornara Vronski, sorrindo. - Não acendi o fogão Portanto têm de estar por aí. - Basta de gracejos! Onde está a carta?
- Palavra de honra, não sei. Teria eu sonhado, porventura? Espera, espera, não te zangues. Se tivesses emborcado quatro garrafas, como eu, ontem à noite, também tu perderias a noção das coisas. Espera, vou procurar lembrar-me.
Petritski voltou para trás do tabique e deixou-se cair de novo sobre a cama. está. - Bem, era assim que estava deitado e ele estava ali. Sim, sim, sim, ora aí
E tirou a carta de debaixo do colchão.
Vronski pegou na carta, que vinha acompanhada de um bilhete do irmão. Era
o que ele esperava a mãe censurava-o por não ter ido vê-la e o irmão desejava falar-lhe urgentemente. "Que têm que ver com a minha vida?", murmurou para si mesmo e, amarrotando os dois papéis, introduziu-os entre os botões do dólman, com a intenção de os ler, no caminho, mais à sua vontade. A entrada esbarrou com dois oficiais, um dos quais de outro regimento. Era costume escolherem a sua casa para ponto de reunião.
- Aonde vais? - perguntou um deles. - A Peterov, tratar de negócios.
- O teu cavalo já chegou de Tsarskoie?
- Já, mas eu ainda não lhe pus a vista em cima.
- Dizem que o Gladiador, o cavalo de Makotine, coxeia.
- Tolice? - disse o outro oficial - Mas como hão-de vocês correr com toda essa lama? - Ah, ah! Vêm-me salvar a vida? - exclamou Petritski, ao ver entrar mais aqueles dois, a quem o ordenança oferecia, numa bandeja, pepinos e vodka - Como vêem, Iachivne manda me beber para refrescar as ideias.
- Sabem que nos fizeram passar uma noite em claro? - disse um dos oficiais.
- Se soubessem como a terminámos? - replicou Petritski - Volkov trepou ao telhado e de lá participou-nos que estava triste. E se fizéssemos um pouco de música?, propus eu; uma marcha fúnebre? E ao som da marcha fúnebre adormeceu ali mesmo em cima do telhado.
- Toma então a tua vodka e por cima soda e muito limão - disse Iachivne, animando Petritski, como uma mãe que quer que o filho engula um purgante. - Depois, tens o direito de mandar vir uma garrafa de champanhe. - Gosto mais. Espera um pouco, Vronski, vais beber connosco? - Não, meus senhores, adeus. Hoje não bebo.
- Tens receio de ficar muito pesado. Está bem, passaremos sem ti Depressa, soda e limão.
- Vronski! - gritou alguém, no momento em que este saía. - Que aconteceu?
- De vias mandar cortar o cabelo, faz-te muito pesado. Sobretudo a careca.
Uma calvície precoce afligia Vronski. Sorriu com o gracejo e pondo o quépi na cabeça, para esconder o ponto final, saiu de casa e entrou para a caleche.
- A cavalariça! - ordenou. Ia pegar nas cartas para as reler, mas, pensando melhor, preferiu não se distrair e adiou a leitura para depois da visita à cavalariça.

Ana Karênina - Liev TolstóiOnde histórias criam vida. Descubra agora