Só Kitty e Levine não tinham tomado parte na conversa geral. No princípio do jantar, quando se falou em influência de uma nação sobre outra, Levine lembrou se, involuntariamente, das ideias que tinha a tal respeito, mas sentia se incapaz de as pôr em ordem e achou mesmo estranho que alguém pudesse preocupar se com um problema que outrora, é certo, o apaixonara, mas agora lhe parecia completamente destituído de interesse. Pelo seu lado, Kitty também deveria ter se interessado pela discussão acerca dos direitos da mulher, assunto de que tantas vezes se ocupara, quer por causa da sua amiga Varienka, que vivia em tão dura dependência, quer pensando nela própria, na hipótese de não vir a casar se. Freqüentemente discutira com a irmã esse mesmo problema. Agora, porém, quão pouco lhe interessava isso? Entre Levine e ela estabelecera se uma espécie de séria afinidade que os aproximava cada vez mais, despertando lhes um sentimento de alegre incerteza ante esse mundo desconhecido em que ambos iam penetrar.
Kitty perguntara lhe onde a vira ele nesse Verão e Levine dissera- lhe que a encontrara na esTada real, quando voltava do campo, depois da ceifa.
- Era de madrugada, muito cedo, e você naturalmente acabava de acordar Sua mãe dormia a um canto da carruagem Estava uma manhã lindíssima Eu ia pensando "Quem virá naquele carro puxado por quatro guizalheiras?" Pela janela via a si lá dentro, muito pensativa, com as duas mãos fincadas nas fitas da touca - dizia Levine, sorrindo - O que eu daria para saber em que pensava naquele momento? Pensava nalguma coisa importante?
"Iria despenteada?", pensou Kitty. Mas, ao ver o sorriso entusiasta que na memória de Levine estavam a despertar aqueles pormenores, compreendeu que, pelo contrario, lhe produzira uma impressão inesquecível. Corou e pôs se a rir.
- Sinceramente, já me não lembro.
- Com que satisfação ri Turovtsine? - comentou Levine, admirando a jovialidade desse bom rapaz, de olhos húmidos e o corpo sacudido pelas gargalhadas que soltava.
- Já o conhece há muito? - perguntou Kitty. - Quem o não conhece?
- Parece que não tem lá muito boa opinião a respeito dele. - Dá me a impressão de uma pessoa um tanto insignificante.
- Engana se. E não tardara muito que me dê o prazer de o ver mudar de opinião Também eu antigamente o apreciei mal, mas garanto-lhe que é um bom rapaz, um coração de ouro.- Como pode conhecer-lhe o coração?
- Somos muito bons amigos, conheço o muito bem. No Inverno passado, pouco tempo depois da sua visita - disse ela, com um sorriso contrafeito, mas confiante - , os filhos de Dolly tiveram escarlatina, e um dia em que ele veio saber deles. Pode crer - prosseguiu ela, baixando a voz -, teve tanta pena da mãe que ficou semanas a ajudá-la a cuidar das crianças doentes. Estou a contar a Constantino Dimitrievitch como se portou Turovtsine durante a escarlatina - disse, voltando se para a irmã.
- Oh, sim, foi extraordinário!- respondeu Dolly, olhando, com um sorriso afectuoso, o bom do Turovtsine, que estava longe de saber que falavam dele Levine olhou o por sua vez, e pareceu surpreso de não ter sabido apreciá-lo até então.
- Perdoe me, perdoe me, nunca mais voltarei a pensar mal de ninguém! - exclamou ele, em voz jovial. Desta vez era com toda a sinceridade que dizia o que estava a sentir.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ana Karênina - Liev Tolstói
RomanceEste é o maior romance adúltero da literatura universal. Ana, uma mulher casada, vive uma paixão proibida com Vronski, seu amante, que na verdade é um canalha. Assim começa a entrar, cada vez mais, em um abismo de mentiras e destruição. Tolstoi cons...