Prólogo

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Nunca se perguntou o porque de estar aqui? Vivendo. Sujeito as piores e melhores coisas, caminhando sem rumo e sem guia, apenas escutando uma voz em toda a escuridão. Para alguns ela é: Conquiste isso; Faça isso; Você vai ser feliz dessa maneira...
Não importa o que ela diga, um dia todos irão escutar essa voz e caminhar serenamente a sua procura.
Eu lembro até hoje o dia em que eu ouvi aquela voz.

As pessoas se amontoavam na sala de estar como cachorros famintos em meio a um único pote de comida, a música ensurdecedora causava o mesmo efeito de um flautista tocando para uma serpente. Estavam dançando hipnotizados o suficiente para sequer notar a minha presença no local. Logo reconheci aqueles "lindos" rostos de pessoas que eu desejara mortalmente nunca mais se quer lembrar.
- David, me arrependi de vir até aqui. - Gritou Lara, em meu ouvido.
Olhei ela no fundo dos olhos com um sorriso de lado que se formou em meu rosto, então me aproximei de sua orelha:
- Se ainda estiver decidida em seguir com o plano é melhor nos afastarmos daqui antes que alguém perceba. -Falei o mais alto que pude.
Sua risada ficou abafada pelo excesso de barulho, então ela segurou meu braço e começamos a perambular no meio das pessoas. Fiquei brevemente aliviado por ninguém ter nos reconhecido enquanto entravamos na casa. Lara era uma grande amiga para mim, eu não a conhecia faz muito tempo porém parecíamos amigos desde a infância.
Tudo que eu conseguia pensar era no fato de que eu deveria estar em meu quarto, jogando meus jogos e aproveitando essa sexta-feira a noite comendo salgadinhos e quem sabe até mesmo lendo algum quadrinho. Talvez eu não tenha crescido o suficiente para me adequar ao que estava vivendo naquele exato momento. Mas talvez eu não estivesse preparado para tal mudança.
Subimos as escadas e vimos duas pessoas sentadas no chão, a menina estava sobre o colo de um rapaz, que por sinal estava com as mãos em sua bunda. Instintivamente, Lara me olhou e começamos a segurar nossas risadas. Passamos por eles e viramos a direita no corredor parando na frente de uma porta com uma grande placa dizendo: Proibido a passagem.
- Que clichê, esse deve ser o quarto do babaca.
- David, é bom que você não saia por nada daqui desse corredor. - colocou a mão sobre o meu ombro enquanto dizia- Estou meio assustada, mas que se foda.
- Obrigado por estar me ajudando.
Vi em seu rosto a preocupação inquietante, mas ainda determinada.
- Nada que eu não faria por um amigo.
- Espero que os deboches parem depois disso.
E então ela abriu a porta e rapidamente se esgueirou para dentro, fechando em minha cara.

Após muito tempo, esperando naquele corredor com duas pessoas agora podres dormindo perto a escadaria, decidi mandar uma mensagem para Lara dizendo que era melhor irmos embora.
3:02 da manhã o relógio marcava, a música já não estava tocando, o que me fez conseguir ouvir algumas pessoas conversando em algum lugar abaixo deixando os nervos a flor da pele. Atentamente meus olhos perambulavam de um lado ao outro como se subitamente alguém fosse emergir em qualquer fresta ou porta.
Ouvi a madeira rugir em um ritmo calmo e agonizante.
- Caralho - Falei para o além.
Foquei minha atenção de imediato a escada, até que vi uma cabeça surgindo diante dos degraus. Senti meu rosto se esticar em tamanha surpresa, Tom estava ali. Sua sobrancelha franziu quando me notou daquela distância, confuso. Instantaneamente o desespero tomou conta de meu corpo enquanto pensava nele abrindo a porta e vendo ela dentro do quarto, onde não deveria estar. Eram tantas coisas para se preocupar que nem pensei na possibilidade dele ter vindo aqui.
Minha primeira reação foi querer cruzar ele e descer pelas escadas, mas permaneci imóvel sem controle sobre mim mesmo. Lara ainda estava lá, eu não poderia deixar ela sozinha. Tudo que eu posso fazer é torcer para que nenhum dos dois, com sorte, abrisse a porta naquele momento.
- O zoadinho veio então?
Parou em minha frente, esperando a resposta que minha boca não soltou. Quando percebeu que eu não falaria nada continuou pelo corredor.
Nesse mesmo instante senti meu corpo atrofiar. Diante de meus olhos vi tudo acabando. Eu estava em choque. Até que ele passou reto por onde Lara estava.
Se aproximou e começou a abrir a porta do lado, enquanto me encarava fixamente. Em um alívio repentino, forcei-me a olhar para o carpete sujo e ignorar qualquer tentativa de comunicação que pudesse surgir. Permaneci daquele jeito durante minutos. Incontáveis. Apenas ousei olhar para o lado por pura curiosidade, e ele ainda estava lá, tão silencioso quanto eu, ainda me encarando.
- Desculpa incomodar, eu bebi muito, tive que me sentar se não eu ia vomitar. - Falei, beirando o gaguejar
Surpreso ele respondeu:
- Nao sabia que tinham te convidado.
- Sim.
O silêncio se instalou no ar naquele momento, e se ele fosse tirar satisfação com alguém? Mas quem importa, estavam todos bêbados a essa altura. Ele continuou a me fuzilar com os olhos.
- Eu vou indo então ok? -Falei
Me levantei do chão, virei para a escada e quando estava prestes a descer, senti uma força me puxando de volta. Me carregando por todo o corredor até uma das portas e a cerrando. Lá estávamos nós. O quarto estava apenas iluminado pela luz de uma luz em gel que deixava tudo mais difícil de absorver. Ele se pôs em estado de transe novamente, olhando fixamente para mim. Talvez eu estivesse com uma expressão ridícula naquela hora, talvez ele soubesse que eu estava me sentindo ridículo. Porque era exatamente o que eu estava sentido, isso se eu puder descrever o que eu estava acontecendo em minha cabeça. Como uma injeção de adrenalina, ele se movimentou e caminhou em minha direção parando em minha frente. Passei a fitar o seu peito e a estampa de sua camisa que dizia: Não importa o que você faça, desde que te deixe feliz.
- Porque você não me olha? - perguntou -
Não respondi.
Senti meu queixo sendo puxado para cima, me deixando cara a cara com ele.
- Sei lá. - respondi
- pensei que gostasse de mim.
- pensou errado.
Ele se aproximou mais, colocando seu nariz encostado ao meu.
Senti meu corpo se arrepiando pouco a pouco. Meu coração estava a mil, tudo que eu queria é fechar os olhos e esquecer de tudo naquele momento.
E então eu os fechei.
Tudo ficou quieto. Quase acreditei que tudo tinha ido embora e que eu estava longe daquilo.
Então ouvi a voz:
- Vamos ver então. - sussurrou perto de minha boca
Então ele me beijou.
No meio da escuridão, eu tinha escutado a minha voz.
Isso foi o que eu pensei na época.
O que eu não sabia era que existia diferença entre a luz e a voz. A luz é clara por si só, não "clara" de ser algo iluminado e sim por ser transparente. Ela te mostra como as coisas são e o que a escuridão esconde. Já a voz, é como uma armadilha, chama traiçoeiramente você para o meio dos espinhos.
Infelizmente eu havia encontrado a voz em vez da luz.
Mas quem saberia? O custo de tudo isso foi uma vida.
A minha vida.
Só fui recuperar a noção de realidade quando sua boca se afastou da minha, em seus olhos haviam uma expressão de surpresa e felicidade. Eu não precisava ler mentes para saber o que nós dois estávamos pensando. (O que estamos fazendo?). Então cedi, como um castelo de cartas sendo colidido por uma rajada súbita de vento. Coloquei minhas mãos sobre o seu peito, tentando tatear o que antes parecia impossível para mim. Ele não recuou, então continuei, cada vez mais em tentação.
- Eu nunca havia beijado outro homem
- Eu não sabia que era bom. - Disse Tom enquanto deslizava seus dedos sobre meu rosto - Não sei exatamente o que estou sentindo, é diferente.
Naquele momento, eu era a pessoa mais feliz do mundo, mesmo sabendo o quão errado poderia ser.
Foi quando ouvi um barulho no quarto ao lado, isso me atingiu como um soco no estômago. Lara ainda estava lá pelo visto. Porém Tom não parecia ter escutado.
Saquei meu telefone do bolso e olhei rapidamente o horário, marcava exatamente 3:30.
- Eu preciso ir, para ser sincero eu deveria ter ido embora faz tempo.
Até que Tom retira o celular de minhas mãos com um sorriso bobo em seu rosto e o põe em sua escrivaninha ao lado da cama.
Antes que pudesse se virar para mim novamente, o celular começa a tocar, quebrando o silêncio que estávamos já acostumados.
- Preciso ir realmente embora, outra hora a gente conversa. - andei até meu celular para pegá-lo
E então com uma tentativa de me fazer ficar, ele segura minha mão e a leva para baixo de sua camisa.
- Fica aqui comigo, vai ser tão bom pra ti quanto pra mim.
Olhei para ele aflito, de boca aberta porém sem dizer uma palavra. Logo ele entendeu que estava seguindo o caminho "certo". E então puxou sua calça para longe de seu corpo com uma das mãos e levou meus dedos em seu pênis.
- Você está chapado. - Percebi seus olhos vermelhos assim que tive coragem o suficiente para encara-lo.
Vi sua expressão atônita, mas logo admitiu.
- E daí? Isso não te impede de curtir.
- Curtir? Então a gente está apenas curtindo?
Tirei minha mão de sua calça e como nunca tinha feito antes, olhei bem no fundo de seus olhos.
- Não é por ser gay que eu estou desesperado a ponto de aceitar transar contigo como se eu não fosse nada.
Ele apenas me encarou, surpreso, sem entender uma sequer palavra.
- Eu não me assumi pra chamar a atenção de gente assim. - Continuei - Você se enganou por pensar que eu quero apenas curtir.
- David, você não tem idéia de como é. Na escola as pessoas não param de falar de você, até mesmo começam a rir quando você passa.
No mesmo instante senti uma enorme raiva dentro de mim.
- É quem eu sou.
- Eu não quero ser igual você, não quero que me chamem...
- De bicha? -Interrompi - Mas você é. E você é tão mais bicha quanto eu por viver na moita.
Pude ver em seu rosto o quanto havia ferido o seu orgulho, eu estava cutucando bem onde doía.
- Caí fora.
- O que? - respondi
Carregado de ódio e raiva ele rapidamente se aproximou e me olhou nos olhos mais uma vez.
- Eu disse para você sair daqui.
Não ousei abrir a boca, estava assustado de mais para isso. Continuei me afastando devagar sem tirar os olhos do homem que havia me desafiado. Até que abri a porta e sai batido pelo corredor.
Tudo aquilo era de mais para mim, fiquei agradecido por não ter ninguém sóbrio o suficiente para perceber o quanto eu estava assustado e envergonhado.
Eu determinadamente havia decidido não viver minha vida escondido das pessoas por elas não aceitarem o que sou. E não seria por ele que eu iria voltar atrás. Mas isso não impediu de me sentir mal.
Olhei meu celular e vi dezenas de mensagens da Lara, me perguntando onde eu estava. Então eu respondi, "Estou saindo da casa agora". Descendo as escadas passei pela cozinha indo em direção a sala, tentei memorizar o caminho que havíamos feito a algumas horas. Pessoas estavam no chão em todo lugar se amontoando onde houvesse espaço. Tudo aquilo era irrelevante para mim, eu poderia ter tropeçado "acidentalmente" em umas faces familiares de tamanha raiva se eu não estivesse angustiado para logo sair dali. Antes que eu pudesse respirar ar fresco novamente, ouvi meu celular tocar mais uma vez. "Só agora? PS: achei seu caderno.", Lara havia mandado. Verdade, o caderno. Foi onde tudo isso começou, tudo por causa de uma frase idiota. Porém isso não tinha mais importância para mim. Não digitei nada, apenas pensei comigo mesmo, "Infelizmente."
E então sai da casa.

Aquilo foi o começo do fim.

Ele Se FoiOnde histórias criam vida. Descubra agora