Apenas o sinal para o almoço foi capaz de penetrar na bolha imaginaria que estava me cobrindo naquele momento, retornei a realidade em meio a ansiedade de sair logo daquele lugar. Era um verdadeiro caos para mim, me deixando perdido em meio a tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Pessoas andando com o arrastar de pé, mesas sendo empurradas, conversas e risos. Tudo aquilo me deixava desconfortável. Como um revólver pronto a ser sacado, retirei de meu bolso meu celular enrolado com um fone de ouvido ao redor. Não demorou muito até meu grande universo de barulho se tornasse um clipe de música ao som de *Stolen Dance* .
*Eu quero você ao meu lado, para que eu nunca mais me sinta sozinho*
Eu confesso, era exatamente o que eu sentia nesse exato momento. Seguindo a maré de pessoas, estava novamente no refeitório. Nunca curti comer na escola, porém hoje eu havia saído tarde sem ter tempo suficiente para arrumar alguma coisa boa para almoçar. Olhei ao redor e vi aquela enorme fila que se traçava ao longo do lugar. Revirei os olhos, porém meu estômago revirou mais forte. Me encaminhei para o final da fila enquanto mexia em meu celular.
"Onde você está? Estou no refeitório já." A mensagem dizia. Olhei ao redor tentando procurá-lo, sem sucesso comecei a digitar uma resposta mas logo fui interrompido.
- Achei você. - Falou Richard
Apenas ri enquanto olhava envergonhado para o rapaz atrás de nós que claramente não estava feliz de meu amigo ter furado a fila, porém mesmo assim não falou nada.
- Nunca pensei que eu fosse te ver na fila da comida.
Apenas ri, e virei para frente.
Nunca fui o tipo de pessoa de conversar, Richard está acostumado com este meu jeito pois nos conhecemos desde pequenos. Me lembro de quando ele ia lá para casa para jogarmos e deixar ele ver pornô em meu computador porque não tinha internet em sua casa. Isso era quase toda semana, porém não sei ao certo se ele ia por causa do Xbox ou o pornô. Certamente não era por minha causa, isso é fato.
- Quando você pensa em ir lá em casa para jogarmos novamente? - Perguntei
Ele levantou suas sobrancelhas, como se tivesse recordado de algo e então se aproximou:
- Eu tô saindo com uma mina, não tenho mais tempo para essas coisas.
- Então agora tem pornô em casa, é isso?
- Otário - Disse enquanto me dava leve soco no ombro - A Jennifer, estou saindo com aquela gostosa.
Apenas acenei a cabeça e então chegou minha vez de se servir, enchi meu prato com torta de frango e macarrão. Peguei os talheres e então me dirigi para o lado esperando Richard se servir.
- Quando é que vai arranjar uma namorada?
Começamos a andar em busca de uma mesa reclusa de toda aquela multidão de pessoas no auditório, até que gesticulei com a cabeça para uma que estava vazia ao canto.
- Quando eu encontrar a mulher certa. - Respondi
Ele riu como alguém que acabara de ouvir uma piada.
- Mulher certa? Qualquer mulher que você possa apertar seus peitos e enfiar seu pau pode ser considerada uma mulher "certa".
Olhei ao redor e pude ver a reação das pessoas que ouviram suas "sábias palavras".
- Algumas pessoas ouviram o que você disse.
Ele não se importou.
- Se tu não encontrar alguém logo, vou começar a achar que você é gay.
Acabei me engasgando com o ar, surpreso cambaleei um pouco para o lado onde fui atingido subitamente deixando o prato cair no chão. Tudo ficou em câmera lenta naquele momento, pude ver o vidro moldado que a momentos atrás estava em minha mão, bater contra o piso se dividindo em vários pedaços que se separaram ao redor. Quando eu era pequeno, minha mãe estava brigando com o meu pai, ele havia traído ela novamente. Cansada de tudo aquilo, pegou um copo o atirou contra ele que infelizmente foi ágil o bastante fazendo o pequeno objeto se chocar contra a parede formando uma linda explosão de milhares de cacos se dividindo e expandindo para longe.
Assustado com a cena, comecei a chorar diante do que eu vi. Algumas coisas em nossa vida, são inesquecíveis. Tudo aquilo que aconteceu após aquele momento foi precisamente escrito em minha mente, desde a hora em que ela rapidamente veio para me amparar até quando saímos da casa às pressas enquanto ouvia xingamentos que qualquer criança de minha idade não deveria está ouvindo.
Tudo foi tão real para mim quanto o dia do copo, eu poderia contar em quantas partes aquele único prato se dividiu e saber exatamente para onde cada um foi. Porém aquilo foi mero acaso para o que eu observei em seguida. Tão aflito quanto eu, pude ver o rosto de quem eu havia tropeçado causando todo aquele estrago.
Como uma alvorada, os gritos e berros começaram a tomar conta de meus ouvidos me empurrando de volta para a realidade.
- Foi culpa dele. - Disse Richard, enquanto apontava para o menino.
Ele então virou seus olhos para Richard, sua expressão havia mudado tao rapidamente quanto o movimento de seus olhos.
- Ele esbarrou em mim. - Acenando com a cabeça em minha direção.
Ambos começaram a se encarar, irritados tentando provar quem estava certo ou errado.
Pude notar todos os olhares atentos em nossa direção, voltei minha atenção aos dois que impacientemente esperavam uma resposta.
Respirei fundo, então disse:
- Foi culpa minha.
O menino sorriu vitorioso, enquanto deu de ombros para Richard. Seu sorriso era a coisa mais doce que eu ja havia visto, misturado com o orgulho do momento e o charme natural me fizeram perceber o rapaz que estava diante de mim. Junto a seu corpo maior que o meu ou até mesmo de Richard, seu rosto quadrado e sua barba por fazer o deixava muito mais imponente. Cabelos castanhos escuros, testa enrugada e um olhar penetrante que estava fixado nos de meu amigo.
E então ele desferiu um soco contra Richard, fazendo-o cair tão dramaticamente quanto o prato a alguns minutos atrás. Aquilo foi o suficiente para quebrar o transe em que estava e falar:
- Que merda é essa?
Ele me olhou, e então sacudiu sua mão tentando fazer a dor se esvair.
- Seu amigo tem que aprender a calar a boca.
Ele estava certo.
Fiquei quieto em meio a todo aquele alvoroço, gritos e berros estavam ecoando em todo o local, olhei para o chão e vi Richard desacordado ao lado do estrago que eu previamente havia feito. Nao demorou muito para a chegada dos coordenadores que nos guiaram para fora dali.
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Ele Se Foi
RomanceO desaparecimento de um estudante deixa medo e perguntas para uma pequena comunidade. Após três anos dois jovens se cruzam pelo o que pode ser obra do destino, mal sabem eles onde isso irá os levar.