3 - Entre Amor e Ódio

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Demorou muito tempo para que todos pudessem entender que estávamos perdidos. A estranha sensação de estar sendo observado era constante em minha cabeça, talvez consequência dos filmes de terror clichês em que um perseguidor sempre estava espreitando.
Porém havia algo muito maior me incomodando.
Nossos celulares iluminavam a floresta enquanto a lua brilhava intensamente sobre nossas cabeças.
No fundo da fileira que havíamos formado estava eu e Michael, em nossa frente estava Tom com sua namorada e Lara passara boa parte da caminhada guiando e conversando com Louis sobre como encontrariam a saída da mata. O barulho da floresta abafava as preces que poderiam nos tirar dali, porém infelizmente ainda era possível ouvir as piadas despreocupadas e imbecis de quem estava a nossa frente.
A um certo momento atrás, Tom estava brincando sobre o fato que iríamos morrer ali deixando Rebecca assustada, e em seguida dizendo que não tinha nada para ela temer pois ele estaria ali para cuidar dela.
Aquilo realmente me fazia arder de raiva.
E ele sabia muito bem disso.
Quanto mais eles falavam essas coisas, mais eu desejava que de fato alguém aparecesse e cortasse meu pescoço.
- Nunca pensei que namorar pudesse te tornar uma pessoa tão estúpida. - Cochichou Michael
Um sorrisinho pairou de imediato, se esvaindo rapidamente enquanto eu encarava o casal que andavam encostados um no outro em nossa frente.
- Realmente. - Respondi - Amar deixa as pessoas estúpidas. Não é culpa deles.
- Você acha que isso é amor?
Meu Deus, com certeza não.
- Não sei. Só Deus sabe.
Era evidente que até mesmo Michael sabia que aquilo tudo era fingimento, não sei como aquela menina não percebia isso também.
A medida que a mata se abria e as árvores iam nos deixando observar o céu aberto, bem em nossa frente, olhos brilharam ao ver o asfalto nos dando sinal de que havíamos achado o caminho para casa. Eles então saíram em retirada para pisar melancolicamente no granito preto com listras amarelas.
Todos estavam felizes e rindo aliviados por estarem ali, Lara claramente estava orgulhosa junto a Louis por seu grande trabalho em equipe e admirados por sua que se revelou promissora habilidade de locomoção e cartografia.
Tom estava no meio da rua abraçado a você sabe quem e eu estava apenas ali parado observando toda aquela mistura de felicidade enquanto apenas me perguntava quando iria chegar em casa. Senti uma leve irritação atrás de meu pé, me abaixei e toquei o lugar com a ponta de meus dedos. Descobri então uma ferida que me fez cerrar os dentes com a dor que subiu minha perna. Eu estava detonado, me sentei no chão e retirei meu tênis. Meus pés então ao tocar o frio do chão ficaram agradecidos por estarem livres. Em minha frente surgiu uma familiar figura, sua mão estava estendida em minha direção, virei para seu rosto e sem dizer nada ele pôde entender em apenas um olhar o que mil palavras não seriam capazes de explicar.
Me levantei por conta própria e falei:
- Vamos logo pra casa.
Sem olhar para como ele reagiu, peguei meus tênis do chão e comecei a andar.

- Tchau.
Essas foram as últimas palavras de Tom, que em seguida a envolveu em um beijo longo e agonizante. Eu deveria admitir para mim mesmo, eu a odiava. Mas tudo isso era porque amo um homem que tem medo de ser quem ele realmente é.
Toda vez que me afastava dele, alguma hora acabávamos voltando a conversar, e isso me fazia ter esperança que ele queria algo.
Queria dizer que eu estava perfeitamente bem com essa situação toda, mas a cada dia se tornava mais difícil ver ele com ela, mas o que realmente me incomodava era a raiva que aquilo me causava.
O amor sendo engolido pela raiva.
Como um forte clarão em minha mente, notei que apenas nós dois estávamos no meio da rua.
- Parece que a gente vai junto pra casa então. - Falei
Sem dar muita atenção ele respondeu
- Sim.
E assim se foi, o caminho de volta nunca havia se tornado tão longo igual aquele momento. Durante muito tempo minha mente divagou sobre o reflexo da luz no asfalto molhado, que foi como uma porta para as milhares de coisas que vinham em minha cabeça naquele momento. E eu as soltei, de todas as formas, perguntas idiotas que disfarçavam o que eu estava realmente querendo dizer.
Porém ele não parecia muito afim de conversar.
- Cara você realmente não quer mais conversar comigo né? - indaguei
Como um refluxo, as palavras simplesmente começaram a sair de minha garganta, enquanto lágrimas escorriam sobre minha face se desmanchando quando alcançavam o chão.
- Eu sei o que você quer comigo. Eu não quero isso pra mim. - Respondeu
Meu punho se cerrou, minha mente estava apenas focada no fato de botar tudo que eu sentia para fora, coisa que eu não pude fazer antes.
- Você me disse naquela maldita festa que sentia algo por mim.
Vi seu rosto se preencher com vergonha, ele então passou a fitar as casas enquanto dizia:
- Eu nunca disse nada disso.
- Mas você me mostrou o que sentia.
- Aquele dia não estava me sentindo bem, eu achei que era algo mas não era aquilo.
Toda vez que eu estava perto dele, eu sentia que meu coração iria inchar e explodir. Eu não conseguia mais aturar nenhuma dessas baboseiras.
- Que lixo. Estou decepcionado contigo.
Ele então apenas me olhou e deu de ombros, fazendo aquela típica cara de quem está nem aí.
- Você é um merda. Espero que nunca broche na frente daquela sua vagabunda, ela vai descobrir tudo isso ainda. - Falei, em um tom mais alto do que deveria
Então ele veio, nem mesmo a escuridão pôde esconder seu olhar enfurecido.
Dei um passo em sua direção, ele parou bem em minha frente enquanto nos encaravamos a um palmo de distância.
- Eu não tenho medo de você. - Continuei - Quer saber de algo? Pode seguir sua vida bem de boas, não vou mais atrapalhar.

Honestamente, tudo havia enegrecido ao meu redor. As coisas estavam girando mesmo comigo imóvel no chão, era como estar sobre a ponta de uma furadeira onde o gancho havia quebrado.
O mundo que eu conhecia havia virado manchas sem sentido, como o espalhar de tinta sobre uma tela branca. Onde lentamente comecei a retomar a consciência e quando percebi, eu estava em outro lugar.
Dois rapazes estavam discutindo tarde da noite no meio de uma rua, o de camiseta branca, alto, com um boné virado para trás parecia estar irritado com o menino em sua frente. Ele por sua vez, parecia extremamente triste com toda aquela situação. Quando olhei para baixo esperando ver meu corpo, uma sensação atravessava minha pele e carne a deixando quase transparente me possibilitando ver através de mim mesmo, quase como se eu não existisse.
- Não espere nada de mim David. Eu posso muito bem quebrar sua cara agora. - Disse o de boné virado para trás.
O menino após ouvir isso começou a andar para longe, irritado com toda aquela situação. De alguma forma eu sentia tudo aquilo que estava acontecendo com os dois, era algo muito maior do que qualquer outra coisa que eu já senti em toda minha vida. Mas de qualquer forma eu nao entendia o porque deles estarem assim.
- Não tem coragem? -Provocou
E então o menino se virou, e com uma grande arrancada correu em direção a ele.
Pronto para se defender da pancada iminente, ele botou seus braços em sua frente esperando o golpe. No meio de sua investida, ele então parou, e ainda com seu punho no ar ele me encarou.
Sem sentir o impacto contra seu corpo, o alto homem abriu seus olhos e observou que sua ameaça estava em sua frente parado, virou seu pescoço para minha direção procurando o que tinha o chamado a atenção.
- Quem é você? - O menino perguntou, agora com sua raiva direcionada a mim.
Ambos estavam me encarando se aproximando em minha direção. Sem pensar, comecei a recuar até que senti algo passando por dentro de mim, um calafrio correu por todo o meu corpo enquanto um homem tomou minha frente e começou a discutir com eles.
Tudo então começou a se desmanchar novamente, as cores começaram a se fundir lentamente. Vi o menor confuso com aquilo, ele havia me notado, e também percebera que seu parceiro não. O mundo novamente começava a girar, pude perceber o olhar assustado dele enquanto tudo ficava branco mais uma vez.

Com os olhos fechados, não demorou muito para começar a sentir que eu existia e que havia retornado. Meu corpo estava todo dolorido.
Ouvi vozes perto de mim, minha cabeça estava explodindo com o que acabou de acontecer. Porém uma em familiar me fez acordar e olhar ao redor.
Eu estava sentado em alguma mesa do lado de fora da escola, pessoas estranhas estavam ao meu redor. Aterrorizado, eu havia caído de paraquedas no meio de rostos que eu não conhecia até que ouvi novamente uma voz que veio cortando o muro que estavam formando em meu entorno.
- O que aconteceu? - Jack perguntou.
Nunca havia visto seu rosto tenso daquele jeito, seus olhos estavam em um choque e suas rugas do rosto estavam tensionadas passando uma sensação de extrema importância em relação a mim.
Eu queria poder ter o respondido, porém o enjôo disputava espaço em minha garganta com as palavras, me dando a impressão de que se eu abrisse minha boca eu deixaria ambos saírem.
Pouco a pouco ele foi afastando os olhares curiosos mandando todos saírem de cima de mim para que eu pudesse respirar.
- Você se lembra de ter caído no gramado? - Perguntou - Me falaram que te viram no chão e então te trouxeram até essa mesa.
- Não eu não lembro.
Como um bebê sonolento, eu deitei minha cabeça sobre a mesa e então prestei atenção em sua voz, preocupada, falando com alguém em seu telefone.
Não demorou muito até que ele me pedisse para se levantar, senti um de seus braços passando sobre o meu indo parar em seu pescoço onde firme e forte me guiou até dentro de uma ambulância que simplesmente surgiu ali para mim.
Tudo estava confuso, mas eu lembro muito de bem de suas palavras antes de eu apagar novamente.
- Tá tudo bem, eu tô aqui contigo.

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