2 - Cigarro

61 8 0
                                    

"Eu não estava drogado. Bom dia." Digitei para Jack. Eu havia esquecido que passei meu número enquanto conversávamos em seu carro. Com os olhos ainda embaçados olhei para meu ventilador de teto, que rugia um som dolorido enquanto se balançava de um lado ao outro. Levantei e desliguei o aparelho antes que ele caísse sobre minha cabeça. Eu precisava o arrumar logo, faça frio ou calor eu sempre o deixava ligado enquanto dormia. Deve ser por isso que ele está assim. Meu quarto estava uma bagunça, minha escrivaninha estava com pilhas de CDs de jogos espalhados que foi consequência de algum dia em que eu estava indeciso sobre o que jogar e no fim acabei decidindo apenas ir deitar. Desde então mantive essa paisagem preservada. Por mais que muitas coisas desorganizadas ou acontecendo ao mesmo tempo me de um certo mal estar, ver o caos que meu espaço estava era igual ver a minha vida diante de mim. Se eu a organizasse por completo naquele momento eu poderia perceber enfim o quanto eu me sentia vazio, toda aquela bagunça me completava de certa forma como se eu tivesse assuntos pendentes ou várias coisas dentro de minha mente. Meu quarto ao todo era assim, olhei meu guarda roupa e vi o que eu havia esquecido. Quase imperceptível na madeira branca estava meu nome escrito com canetinha, "Willian".
Quem diria que 5 anos se passaram desde que eu saí para morar com meus avós, faz 2 meses que estou aqui de volta. Tanta coisa mudou nessa cidade, mas mesmo assim parece tão igual. Peguei minhas roupas do chão, e apenas de cueca abri a porta de meu quarto silenciosamente. Com apenas a cabeça do lado de fora, procurei algum vestígio de que alguém estava acordado tal hora vagando pela casa. Sem nenhum sinal, sai rapidamente e me dirigi até o banheiro no final daquele mesmo corredor.
Do lado de dentro acendi a luz e tranquei a porta. Lá estava eu novamente, de frente comigo mesmo no espelho. Não importa quantas vezes eu me via todos os dias, aquele lugar era diferente para mim. Quem dera as coisas fossem igual antes. Era aqui onde as memórias de um tempo onde a vida era feliz começavam. Mãe e Pai se entendiam, eu tinha amigos e a vida era sem preocupações.
Como um grande sopro de vida, a água gelada foi de encontro com meu rosto me acordando quase que instantaneamente. Com a visão já aguçada vi meu rosto no espelho, meus olhos castanhos mesma cor que meu cabelo pareciam negros por causa da luz fraca. Comparado a familiar figura de 5 anos atrás eu havia crescido muito. Meu rosto estava maior junto com o resto de meu corpo. Grande parte disso foi a comida de minha vó, tanto tempo morando com ela foi o suficiente para que eu atingisse os 57 quilos com 1,63 de altura. Eu me sentia gordo, mesmo sabendo que era besteira de minha cabeça. Eu era um adolescente normal, com olheiras de tanto jogar até de madrugada e a básica vontade de não viver. Um adolescente normal.
Vesti minha roupa sem perder tempo e escovei meus dentes. Antes de voltar para o quarto observei uma última vez meu traje, camiseta verde sem nenhuma estampa e meus jeans skinny preto. Quando eu gostava muito de uma roupa eu a usava toda vez que surgia uma oportunidade. E hoje não era diferente.
Sai do banheiro e me dirigi ao meu quarto se misturando com o silêncio da casa. Já pronto para sair, passei a procurar minha mochila. Ela nao estava em lugar nenhum. Peguei meu celular e vi a mensagem dizendo:
"Você esqueceu sua mochila no carro ontem, já estou de saída."
Aliviado escrevi em resposta:
"Leva ela pra mim na escola."
Sentei em minha cama e com uma das mãos puxei de baixo dela meu par de tênis que em seguida calcei.
Enfiei meu celular no bolso e desci as escadas, abrindo a porta da frente pude respirar pela primeira vez no dia o ar fresco de fora.
Vi ao alto no fio de luz vários pássaros alinhados tomando seu banho de sol, só fui perceber que era hora de ir quando saíram em bandos voando passando por cima das casas sumindo entre elas.
Quem dera eu pudesse sair voando agora, mas de qualquer forma eu os segui. Mesmo que com os pés no chão.


- Você fuma? - Perguntei para ele
Jack estava encostado em seu carro, pude ver seu moletom escrito "Zorn Stash".
- Você não fuma?
- Não. Achou que eu era fumante?
- Sim.
Então um silêncio se instalou.
Eu não sei porque sempre me sentia estranho perto dele, muita coisa subia minha garganta. Palavras. Porém nenhuma delas saia. Era como se eu não soubesse falar, como se eu fosse mongo. O que não era verdade.
- Ontem eu bati no seu amigo - Disse um pouco cabisbaixo - você sabe o por quê?
Olhei confuso para ele e então respondi:
- Sim, porque as vezes ele quer tanto estar certo que acaba sendo imbecil.
Suas sobrancelhas se juntaram, percebi logo que não era aquilo só por sua reação. Até que cuspiu a fumaça de seus pulmões e continuou:
- Aquele merda veio falar de minha ex.
Me senti um lesado naquele momento, eu não estava entendendo nada. Um silêncio tomou conta de nós novamente, talvez ele esperasse que eu comentasse algo. Quando percebeu que eu não iria ele sorriu e falou:
- Não que eu me importe com minha ex se é isso que está pensando, mas... Ele me chamou de bicha, e que foi por isso que ela terminou comigo.
- E você é?
Com o cigarro na boca ele ficou imóvel, apenas me olhando.
"Que merda eu acabei de falar?" Pensei. Mordi minha boca, inconformado com o que eu acabara de dizer.
- Nem precisa responder, sou muito lesado.
Pude ver a aflição em seu olhar, após dar uma longa puxada em seu cigarro. Ele se virou para seu carro e puxou minha mochila pela janela a levantando em direção a mim.
Eu caminhei em sua direção e a segurei, puxei ela em minha direção mas ele não a soltava. Fitei-o em seus olhos enquanto ele soltava calmamente mais uma vez fumaça de sua boca.
"Ele vai me bater" pensei.
- Eu não tenho nenhum problema com gente assim. - Disse Jack
E então soltou a mochila que estava em minha posse novamente.
Naquele momento tudo que entrou em meu pulmão em demasiada violência não havia sido fumaça e sim ar puro, porém isso não o impediu de arder com aquilo.
Foi quando eu soltei o que estava me queimando dizendo:
- Eu também não.
Ele sorriu de lado, e então voltou sua atenção ao cigarro novamente.
Meu corpo rapidamente precisava de um tempo sozinho após aquilo. Senti algo em mim novamente, não sabia como a representar. Era algo diferente.
Comecei a andar relutantemente para longe enquanto dizia:
- Eu preciso ir ao banheiro antes que bata o sinal.
E então acelerei o passo.
- Depois a gente se fala! - Falou mais alto para que eu pudesse ouvir.
Sem olhar para trás continuei caminhando em direção a entrada. Percebi um sorriso querendo se abrir em meu rosto enquanto eu imaginava o porque de estar feliz.

Não demorou muito para o arrependimento de estar aqui mais uma vez bater. Vozes lutavam para tomar seu lugar na sala de todo o canto enquanto o professor calmamente escrevia a giz em seu quadro. Meu estômago mesmo abafado pelo barulho ao redor ainda pedia meu café da manhã que ainda não havia chegado, mas isso era a menor das minhas preocupações naquele momento. O sinal ecoou os corredores adentrando nas salas alertando que outra aula iria começar, o professor se virou para trás agradecido por aquilo ter acabado. Quase perguntei se eu poderia me juntar a ele por mais um período se não fosse pelo olhar diabólico que lançou sobre todos nós. Decidi arrumar minhas coisas na mochila e seguir para o auditório. No meio do corredor as pessoas se esbarravam e tropeçavam entre si diante daquele vai e vem. Senti meu telefone vibrar em meu bolso, peguei-o na mão e vi a mensagem. "Qual sua aula agora?" Jackson havia mandado.
Me distanciei do meio do corredor indo para perto dos armários onde me vi mais confortável para responder de volta. "Aula de teatro agora." Mandei.
- Também é do teatro?
Ouvi uma voz ao meu lado, me virei e vi uma menina com o cabelo curto loiro e com um piercing na boca. Não a tinha percebido ali.
- Sim.
Fechando o seu armário ela segurou em meu ombro onde passou a me conduzir novamente nos corredores.
- Você não tem cara de quem faz teatro.
Isso era um fato, eu nunca fui uma pessoa muito boa em me expressar, e isso é realmente o motivo de eu estar nessa matéria.
O corredor logo começou a não ser tão claustrofóbico a medida em que se aproximavamos do lugar, o que fez aumentar os meus ânimos. Mesmo que estivesse morrendo por dentro eu estava feliz de estar fazendo algo diferente. Até que abrimos a porta e pude ver aquelas pessoas em cima do palco enquanto fileiras de poltronas vazias e empoeiradas as assistiam felizes de alguém estar por ali novamente. Pude ver alguém lá de cima claramente feliz por mais pessoas estarem se juntando ao pequeno grupo, subimos as escadas laterais onde ficamos sobre a enorme estrutura com luzes as aquecendo de inúmeras direções acima de nós. Eu estava extremamente arrependido de estar ali. Minha primeira reação foi querer parar de uma distância segura dos restos das pessoas que estavam amontoadas e alegres por estarem ali. Porém eu fui puxado pela minha nova colega que quis me trazer para o meio deles.
- Eu acho que são apenas vocês então.
A voz vinha do meio deles, tive que contornar aquela grande parede de pessoas para ver quem estava falando. Era uma mulher baixa que usava óculos e usava umas roupas um tanto quanto que alegres, e isso combinava com o brilho de seus olhos e sua expressão.
- O meu nome é Vanessa e eu sou a professora de teatro, gostaria que rapidamente cada um de vocês se apresentassem.
Eu nunca havia visto tantas pessoas felizes por terem que se enturmar, era totalmente diferente do que eu já estava acostumado. Parecia que se os pedissem para se jogar de cima daquele lugar, eles fariam fila e disputariam quem seria o primeiro.
Uma grande roda se formou entre nós, onde apenas a professora se manteve em nosso meio. E em pouco a pouco todos começaram a revelar seus nomes até que chegou a minha vez.
- William R. Hampton
Aliviado ouvi o último nome que acabou sendo o de minha colega ao meu lado.
- Lara Moore.

Ele Se FoiOnde histórias criam vida. Descubra agora