7 - A Noite

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Sentados nos bancos da frente do carro, Lara dirigia enquanto eu a orientava em relação a quais ruas virar para chegar ao nosso destino.
Nunca imaginei que seria tão bom sair no fim da tarde, escondido junto a uma amiga para ir a uma festa na cidade vizinha, o vento refrescante entrava pelas janelas enquanto cantávamos várias de suas músicas bregas que no momento foi muito bem vindo.
Eu não sabia dizer como me sentia em relação aquilo, há uma hora atrás eu estava na maior bolha de tristeza, que era minha casa, e agora estou aqui deixando na estrada todo o sentimento ruim de antes.
A Noite começara a cair sobre nossas cabeças, uma grande tempestade de pássaros tomou os céus formando um belo padrão, quase como a ponta de uma lança.
Comparei o vento que vinha da janela com o que eles usavam para se locomover nos céus, senti uma leve inveja daquilo, queria poder voar para longe quando eu bem entendesse.
Espero que na próxima vida eu renasça como um pássaro.
Dissipando os estrondos que a música anterior transmitia, uma pequena melodia de violão começou a tocar pelos altos falantes.
  - Meu deus troca de faixa. - Falei para Lara
Ela então sem tirar os olhos da estrada respondeu:
  - Nem vem. Se for começar a chorar com ela pode começar agora, e põe a cabeça pra fora da janela.
Comecei a rir então, até que a melodia e o canto triste começasse a tomar conta de meus ouvidos.
Aquilo foi como derrubar a primeira peça do dominó, dentro de mim tudo ao redor estava contribuindo para essa sensação que bateu.
Nao demorou muito até que as lágrimas começassem a surgir de meus olhos. Me aproximei mais da janela para deixar o forte vento me acalmar.
  - Não sei como ele consegue ser tão merda assim.
  - Homens. Eles sempre falam das mulheres, que estão ali para iludir e ficar brincando. Mas eles fazem a mesma coisa.
Ela então percebe o que acabara de dizer, me olhou brevemente então e continuou.
  - Isso não faz muito sentido, você também é um homem.
  - Até onde eu sei eu sou mesmo, então você está certa.
O cheiro das árvores que rodeavam a rodovia começaram a se tornar mais fortes, aquele aroma de madeira e folhas era como um calmante para mim.
Ate que me lembrei do fato que no dia interior estávamos perdidos na floresta, o que me fez querer nem mais pensar em tentar algo assim novamente.
  - Eu nunca tive um amigo gay, não sei como te dar conselhos sobre relacionamento. - Lara disse, fez uma pausa pensativa e continuou - Eu já sou toda fudida por conta própria, nao sei nem o que fazer nos meus.
Olhei para ela e falei.
  - Homens.
Antes que a música pudesse trocar e abafar nossas vozes novamente com seu ritmo ela respondeu:
  - Homens.
Permanecemos quietos assim que a nova melodia tomou conta do automóvel.
Coloquei minha mão para fora do carro enquanto brincava com o vento que passava pelos meus dedos.
E assim seguimos estrada até chegarmos na tão esperada festa ao fim da noite.

  - Espero que se divirta hoje. - Lara disse enquanto puxava o espelho do carro para sua direção. - E muito menos se importe em ficar de castigo quando chegar em casa.
Me abaixei para agarrar meus tênis e colocá-los em meus pés.
  - Como se eu já não estivesse. - Falei com um ar indelicado
Após passar o batom vermelho em sua boca, ela abriu a porta do carro e se colocou para fora.
Amarrei meus cadarços as pressas e saí também, percebi de imediato que a chuva não havia passado por aquele lugar só pelo asfalto e a grama seca da vizinhança onde estávamos.
Uma grande multidão de pessoas podia ser ouvida até mesmo ali de fora do outro lado da rua, o que me dava a sensação de que novamente eu não iria me adequar a esse ambiente.
Obviamente eu sabia que festas não eram silenciosas, mais uma vez eu me deparava com a sensação de achar que seria moleza, e quando chega no lugar, começar a suar frio e querer pegar todos aqueles quilômetros de volta para a casa.
  - Se solta hoje - Lara percebera que eu estava tenso - Lembra do fato de que ninguém aqui te conhece. Então se quiser mostrar o pinto, fique a vontade.
Não era exatamente o tipo de apoio que eu imaginava, mas fiquei grato de qualquer forma.
Um grande baque veio da porta do outro lado do carro, fechei a minha também para que ela pudesse acionar o alarme.
Pude ver sua mão sendo levada até a boca onde ela carinhosamente a beijou e encostou no capô do carro dizendo:
  - Espero que não façam nada contigo, meu bebê.
Comecamos a andar então pelo gramado, Lara foi pela calçada para não sujar o seu calçado na grama.
Ela sempre andava com roupas parecidas, calça jeans preta, all-star também preto, e uma camiseta de banda de rock. Seu cabelo era médio com as pontas roxas.
Já eu era o mais estranho para se arrumar, lembro-me de querer vir mais apresentável e no fim, acabei usando a mesma roupa que coloquei ontem para sair.
Eu não estava muito diferente de Lara, única diferença entre a gente, era a minha regata cinza e o alargador que coloquei semana passada.
De qualquer forma eu me sentia feliz do jeito que me vestia, faz pouco tempo desde que parei de ligar para as opiniões alheias e começar a me vestir da maneira que mais queria.
Lara foi um dos grandes motivos disso tudo.
Em meus pés eu senti meu passo perder um pouco o compasso, quando parei para olhar a sola de meu tênis, um solitário cocô havia sido pisoteado por mim. Junto a dor psicológica veio o cheiro podre em meu nariz, me fazendo os tapar antes que eu acabasse vomitando.
  - Lara olha isso. - Gritei enquanto pulava com apenas um pé para conseguir virar minha perna em sua direção
Ela então ao ver o que tinha acontecido olhou para o céu enegrecido e seguido de um grito poderoso e rápido disse:
  - Eu não acredito nisso, David.
  - O que eu faço agora?
  - Sei lá, esfrega seu pé na grama.
Foi o que eu fiz, comecei a caminhar feito um robô em círculos no gramado. Pude perceber duas pessoas na janela da casa nos observando, tentando entender o que eu estava querendo fazer.
Mais do que nunca pareceu ser viável ir para casa e deixar tudo aquilo de lado, era como se o universo não estivesse satisfeito com minha presença naquele lugar.
Lara então começou a revirar sua bolsa até que de dentro dela, alcançou seu frasco cheio de perfume, se aproximando de mim pedindo para que eu levantasse meu pé.
Com uma das mãos tapando seu nariz, ela então deu três borrifadas em meu tênis, que levemente começou a ficar molhado.
Aproximei meu nariz tentando buscar algum vestígio do cheiro ruim em meu pé.
Olhei para Lara e falei:
  - Continua uma bosta.
Furiosa, começou a rosquear a tampa do perfume enquanto resmungava:
  - 100 dólares pra perfumar a porcaria de um tênis.
O líquido comecou a cair sobre meus pés, como um padre abençoando um fiél, senti a a ponta de meus dedos se encharcar com o perfume.
Aproximei meu nariz novamente com a esperança de que o cheiro tivesse ido embora. O forte cheiro do álcool perfumado tomou conta de minha via respiratória, me fazendo tossir com o aroma forte.
  - Pelo jeito deve ter funcionado.
Vi um sorriso em sua face novamente, talvez aquela cena tenha sido o suficiente dolorida para ela, que acabou me perdoando por ter desperdiçado seu perfume.
  - Sim. - Falei em meio a tossidas - Tem perfume até em meus dedos agora.
  - Pelo menos deve estar cheiroso.
Com um andar desengonçado, comecei a seguir Lara que foi andando para dentro da casa, uma dor começou a aparecer em meu pé, talvez por causa da grande caminhada de ontem que fez algumas bolhas nele
Quando entramos na casa, a sensação foi a mesma da de alguns dias atrás, várias pessoas conversando e se divertindo ao redor, pessoas extremamente próximas uma das outras, algumas se aproveitavam do espaço quase claustrofóbico para encoxar as meninas enquanto transitavam de um lado para o outro.
Porém elas não pareciam ligar para isso.
O que realmente me deixava um pouco mais tranquilo, era que eu não conhecia ninguém daquele lugar.
E ninguém me conhecia também.
Uma música começou a tocar então, junto a ela comecei a seguir os ritmos junto a meus pés.
Lara olhou para mim surpresa, dizendo:
  - Isso aí. Quero ver você tacando o foda-se, é bom que comece a beber desde já.
Com uma confiança de se duvidar, olhei para ela e falei:
  - Vai pegar as bebidas.
A pouco tempo atrás, descobri que minha auto estima subia com a tão adorada ajuda de vodka, isso talvez me cairia bem agora.
Com um gingar fui andando no meio das pessoas, havia balões por todos os lados de todos os tipos de cores. Se não fosse pelos 2 casais se beijando por metro quadrado, eu poderia dizer que aquilo era uma festa de aniversário.
Mesmo com todas aquelas pessoas ao meu redor, eu legitimamente me sentia ignorado ou invisível, todos estavam muito ocupados dançando e sentindo a música que saia das caixas de som espalhadas pelo lugar.
Mas isso não me impedia de se sentir vazio por dentro, até mesmo agora, quilômetros longe daquela pessoa, eu ainda procurava ela no meio de tantas outras mesmo sabendo que ela não estaria ali.
Eu estava tão acostumado a frequentar os mesmos lugares que Tom, e isso me fazia temer o que eu poderia vê-lo fazer.
Se entregar para outra pessoa, e talvez ate mesmo o pior de tudo, sentir inveja por não poder fazer aquelas coisas com ele.
  - Achei você. - Lara disse, me dando um dos copos em sua mão - Um brinde ao primeiro de muitos.
Então encostamos nossos copos e bebemos o líquido que desceu queimando por nossas gargantas.
Foi assim que a noite se seguiu, drinques e mais drinques se seguiram depois daquele.
Eu lembro de ter tirado várias fotos com Lara, lembro também de todas as nossas idiotices que foram ignoradas pelo povo.
Mas eu não lembro de como eu cheguei do lado de fora da casa, onde vomitei em cima de uma pedra no quintal de trás.
Minha visão estava totalmente embaçada e o mundo ao meu redor estava girando, rolei para o lado deitando na grama onde pude ver o grandioso céu repleto de estrelas que rodopiavam sem parar.
O enjôo era muito forte, eu sentia que estava caindo, mesmo sabendo que meu corpo permanecia deitado sobre o gramado.
Duas figuras então apareceram sobre meus olhos, começaram a conversar e me rondar calmamente.
Senti meu corpo se levantar, igual a pá de uma escavadeira levantando a terra, fui levado para dentro da casa novamente. E tudo isso eu sei, apenas porque as estrelas desapareceram de minha visão, em seguida tudo enegreceu para mim.

Quando eu acordei, a primeira coisa que vi foi um grande poster de Star Wars no teto do lugar em que eu estava. Levantei minha cabeça assustado, procurando a realidade que rapidamente voltava para mim.
Um quarto. Era onde eu estava, e eu nao tinha a menor noção de quem era.
Saí da cama e caminhei para fora daquele lugar, um grande corredor se revelou para mim, virei a esquerda e continuei a andar, virei a direita para a escada onde desci e vi a porta com vidros personalizados por onde a luz do sol atravessava formando vários tons de luzes diferentes devida a coloração de cada um. Quando eu estava prestes a abri-la fui interrompido por alguém que falou atrás de mim.
  - David?
Olhei para trás e vi Tom com duas luvas de forno em suas mãos.
Ele estava de pijama, talvez acabara de ter acordado. Isso me fez pensar que eu vim parar em sua casa.
  - Você se lembra de como chegou aqui? - Ele me perguntou
Eu não lembrava de quase nada que havia acontecido no dia anterior, uma grande dor de cabeça estava tomando conta de mim.
  - Eu não lembro. - Falei para ele
  - Alguém acabou drogando você.

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⏰ Última atualização: Mar 30, 2018 ⏰

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