Capítulo 7

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Fazia alguns minutos que eu me sentia em meus próprios pensamentos. Os sintomas que apareciam pelo meu corpo eram muito evidentes, e a minha ansiedade mais uma vez brincava de me fazer sentir num ataque cardíaco. Eu não estava daquela maneira pelo Bellamy, ele era um dano colateral de tudo aquilo. Mas mesmo em alguns metros de distância podia ouvir seus susurros, sua respiração, sua risada, e sua voz ecoando na sala. Wells ainda conseguia me deixar abalada depois de dois anos daquele inferno.

Se eu pudesse voltar atrás nunca escolheria ter confiado em um narcisista. Alguém egocêntrico e dissimulado que não era capaz sentir um pingo de culpa e empatia. Ainda lembro que naquela época, quando consegui criar um pouco de coragem para terminarmos nosso namoro, ele fez questão de dizer que eu era uma péssima namorada e a cada vez mais me fazia sentir mais pequena.

Eu apenas levantei a cabeça, para as lágrimas não descerem pelo meu rosto.

"Algum problema senhorita Griffin?" - Minha mente estava uma confusão, demorei alguns instantes pra processar o que o professor tinha dito.
Apenas movi a cabeça para os dois lados num sinal negativo, engolindo o choro e torcendo para ninguém perceber.

Parecia que as horas demoravam cada vez mais para passar, e sinceramente não sabia quanto tempo iria aguentar sem fazer algo muito estúpido.
Raven parecia estar melhor da ressaca, e eu me sentia cada vez mais pior.

A única coisa que me aliviava é que ao menos ninguém havia percebido.

Quando o sinal tocou, nem me importei em saber que aula era, ou se era intervalo, eu apenas caminhei até a porta, sem nem ao mesmo me despedir de Raven.

Assim que cheguei em casa, pude ver pelo vidro da janela que minha mãe não estava sozinha. Assim que passei pela porta, reconheci a jaqueta de couro preta. Meu dia tinha acabado de piorar mais.

"O que você está fazendo aqui?" - Levantei a voz, enquanto o encarava sem parar.

A primeira pessoa que contei sobre o lance com o Wells foi pro meu pai. Além de dizer que "homem é assim mesmo" e insinuar que eu estava sendo dramática.

Quando meus pais estavam casados, eu mal conseguia dormir devido aos gritos, discussões, era tudo um pesadelo. E fingir para todos que meu namoro e minha família eram perfeitos e felizes, me deixava cada vez mais esgotada.
Acho que eu pensei que poderia fugir de um inferno, mas acabei encontrando outro.

"Filha, tá tudo bem. Ele só queria passar aqui pra te ver."

"Mas, pelo que eu me lembre já nos vimos há alguns dias atrás."

"Clarke, você sabe que há um mês nos esbarramos na rua e mal nos cumprimentamos." - Ele disse exaltado.

"É porque você não é uma ideia de companhia perfeita pra mim." - bufei colocando minha mochila no chão e sentando numa cadeira da sala com os braços cruzados e meus olhos penetrados em ambos esperando algum tipo de explicação viável.

"De qualquer modo, eu esperava que pudéssemos passar um tempo juntos."

"Sem chance." - Bufei.

"Clarke!" - Minha mãe esbravejou, enquanto meu pai parecia desapontado.

"Não preciso de você na minha vida. Acho que você está ciente disso. Sempre esteve"

"Tá bem, eu vou." - Ele levantou as duas mão gesticulando um gesto de rendição e se despediu da minha mãe. "Mas, eu ainda não desisti."

As palavras dele me machucavam como um tipo de vidro ferindo meu corpo. E pra evitar qualquer tipo de briga com minha mãe eu fingi como se nada tivesse acontecido, até porque sou o tipo de pessoa que nunca consegue encarar a realidade frente a frente.

Ao subir até meu quarto me joguei na cama e dormi um pouco. Eu realmente achava que esse um pouco não era muita coisa, mas se passaram três horas. Quando acordei, por volta das oito, eu estava com vontade de... sei lá, construir uma casa. Alguma coisa dentro de mim queria fazer algo arriscado o suficiente para aquela noite valer a pena, e eu estava disposta a fazer algo do tipo.

Talvez fosse um mecanismo subconsciente pra tentar me distrair das desgraças recentes.

"Ray, vamos fazer alguma coisa hoje?" - Falei sorrindo e esperando uma resposta da minha amiga do outro lado da linha.

"Agora? minha cabeça ainda tá latejando, que tal amanhã?" - Raven estava claramente desconfortável e mesmo com os ruídos, consequência do péssimo sinal da minha casa, ela parecia estar cansada.

"Você consegue ser uma estraga prazeres. Toma um paracetamol e vamos."

"Sabe que isso não vai acontecer. O que será de Clarke Griffin agora?" - Pude ouvir sua risadinha escrota junto a uma tosse. "Viu? não to mentindo, se pudesse ir, juro que iria."

"De qualquer forma, fica me devendo uma." - Desliguei o telefone, e já tinha certeza do que fazer.

Coloquei meu moletom cinza, uma calça, fiz um rabo de cavalo e nem me importei com o fato de estar indo pra aquele lugar com uma pantufa da mesma cor que minha blusa, e com garras. É, eu sei. Eu estava péssima. Mas não é como se eu me importasse.

Espiei sem muito alarde o quarto da minha mãe, e como sempre ela estava dormindo. Ela nunca foi o tipo de mãe superprotetora, muito pelo contrário. Ela quer constantemente que "eu viva uma vida antes da faculdade começar" só que com responsabilidade. Ainda sim, ela estava cansada demais e merecia um sono tranquilo. Na maior parte do tempo ela está exausta por causa do trabalho no hospital. Minhas mãos tremiam só de pensar que eu iria viver esse pesadelo também.

Peguei um uber e cheguei no meu destino em instantes. Parecia divertido fazer algo assim na calada da noite. Me sentia como num livro.

Passei a mão no meu cabelo e encarei meu reflexo no celular. Não acredito que eu estava fazendo isso. Isso não é do meu feitio. Claramente.

Bati na porta algumas vezes e como ninguém atendeu por uns segundos, pensei em sair e fingir que nada aconteceu. Talvez fosse um sinal de que isso não iria terminar bem.

"O que uma princesa faz fora do seu castelo?" - Bellamy tinha o dom de me fazer sorrir, mesmo eu me controlando pra que aquilo não acontecesse.

"Princesas também se sentem sozinhas. Principalmente quando estão com vontade de comer uma porção enorme de batata frita."

"Seria isso um encontro com a loirinha? não é a primeira vez."

"Não seja tão convencido, Blake, não é como se eu estivesse pedindo pra se casar comigo." - Olhei nos olhos dele, com minhas mãos entrelaçadas gesticulando uma súplica.

"Talvez eu aceite." - A dúvida me consumia viva. Já estava prestes a dizer Deixa pra outro dia, então.

"Tudo bem." - Ele entrou e rapidamente voltou com sua carteira na mão, puxei-o pela mão suavemente.

Ele fechou a porta, e fomos conversando até chegarmos em algum restaurante.

Escolhemos uma mesa rapidamente, e parecia que o assunto se recusava a acabar. Contávamos sobre nossas vidas, sonhos, ambições. Nunca ri tanto na minha vida. Estar na companhia dele era algo completamente novo pra mim. Mesmo nos conhecendo a pouquíssimo tempo, não me sentir genuínamente a vontade era algo impossível.
































State of Grace (Bellarke)Onde histórias criam vida. Descubra agora