Capítulo 6

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Abrindo meus olhos e podendo ver meu reflexo no espelho da minha penteadeira um tanto bagunçada com alguns enfeites e perfumes derrubados, desejei para que a noite anterior não tivesse sido inventada pela minha mente. Não.

Aquilo não era um sonho, era muito mais que real.
Assim que me levantei da cama, com um humor completamente diferente do qual eu estava acostumada, tomei um banho e assim que sai do banheiro, olhei o relógio em cima da nossa lareira e vi que faltavam apenas vinte minutos para começar a aula, e Raven nem se quer tinha acordado.

Correndo apressada, pulando no mínimo três degraus por segundo, empurrei ela do sofá numa tentativa frustrada de acorda-la.

"Me deixa em paz, caralho!"

"Eu até deixaria, se minha mãe te ver nesse estado, ela vai ficar louca, ela já tá chegando, anda!" - Finquei minhas unhas por cima do tecido da minha toalha no corpo descontando a raiva que estava de Raven e machucando minha pele.

"Quer parar de gritar? cada palavra que você fala, parece que ecoa cada vez mais o barulho na minha cabeça."

"Anda, Raven, agora!" - Exclamei tentando não fazer barulho.

"Tô indo, porra! Só promete que nunca vai me deixar beber de novo."

"Prometo." levantei a mão cruzando o dedo indicador e o do meio, sinalizando que aquela promessa iria durar até irmos em uma festa e ela encontrar qualquer coisa que contivesse álcool.

Me vesti apressadamente, com literalmente a primeira coisa que eu avistei na minha cadeira e assim que havia penteado meu cabelo desci novamente até a cozinha e fiz o pior café do mundo, mas considerando que faltava alguns minutos para o Kane notar nossa falta, e para minha mãe voltar, eu poderia aguentar.

"Raven, vem! a gente precisa ir!"

Ela foi desde o caminho de casa até o colégio, lentamente. Demoramos mais de meia-hora pra marcar presença. Eu nunca me preocupei com atrasos. Mas dessa vez, eu realmente estava.

Enquanto caminhava no corredor tentando disfarçar que eu conhecia Raven, fui parada pelo Kane, que queria conversar comigo na sala dos professores.

Conduzi Raven até o bebedouro mais próximo e sussurrei um "boa sorte" em seu ouvido. Ela foi cambaleando ao deixar o corredor. Mentalizei que tudo iria ficar bem. Caminhei até a sala do diretor na velocidade da luz.

"Então, posso saber o que faço aqui quando poderia estar estudando... Deixa eu ver..." - me abaixei e peguei o horário dentro do primeiro bolso da minha mochila. "Filosofia."

"Clarke, precisamos conversar sobre um assunto sério que aconteceu entre você e o aluno Finn Collins. Ontem."

"Olha eu, realmente..." abaixei minha cabeça e me sentei na cadeira que havia sobrado ao lado de uma das professoras. - "Se querem saber? ele não fez nada."

"Então, você fez?" Kane indagava olhando diretamente para meus olhos, me pressionando cada vez mais.

"Não! presta atenção..." - Passei minhas duas mãos pelo meu rosto, num gesto de aflição. "Eu prometo que isso não vai se repetir novamente aqui."

Enquanto tentava me explicar de um forma que não deixasse rastros, Jaha, o conselheiro da escola, parecia estar tentando decifrar minha expressão. Quando ele queria, poderia ser intimidador.

"Senhorita Griffin, iremos te liberar, porém eu preciso de uma garantia que esse tipo de situação não vai acontecer pelos corredores do colégio. Isso é uma instituição séria e de respeito, a única razão pela qual os dois não foram suspensos é pelo imenso apreço que tenho pela sua família." - Engoli seco, e na minha mente já imaginava o que ele ia pedir.

"Você vai para outra turma, ela fica no outro prédio, onde vai ser mais improvável que você e o senhor Collins se esbarrem outra vez."

"Esperem, mas eu vou ter que alterar toda minha grade escolar? e quanto aos professores, os exames e trabalhos que ainda preciso apresentar para eles?"

"Clarke, se você não estiver disposta a colaborar pelo seu próprio bem, temo que não poderemos te ajudar."

O "não poderemos te ajudar" era na verdade um "Iremos ligar para o seu pai, e provavelmente ele irá cancelar a matrícula."

Infelizmente aquela maldita escola me traria boas oportunidades para boas faculdades. Por que se não fosse isso, eu não faria questão alguma de estar lá.

"Certo. Quando posso ir pra lá?" - Respirei fundo e me controlei. Se um soco no rosto do Kane não me trouxesse a expulsão, ele já estaria desfigurado.

"Pode começar entre amanhã ou hoje. Você escolhe." - Pensei que seria destrutivo e injusto se descontasse minha raiva na minha mãe que também está exausta ultimamente, então, presumi que seria melhor fazer isso com algum babaca da sala.

Kane me passou o papel com a autorização em escrito, e o número da sala em que eu deveria ir, e eu só pensava em maneiras de queimar aquele papel. Peguei minha mochila do chão, coloquei nas minhas costas, e minha única forma de mostrar meu descontentamento era mal olhar para eles. E quando isso acontecia, eles poderiam notar minha raiva apenas pelos meus passos pesados. Ao andar até aquela maldita sala, cada passo que dava eu podia sentir o concreto pelos meus pés e o terremoto que causava.

Assim que cheguei na porta da sala que me aguardava, pensei muito mais que duas vezes antes de bater. Também aproveitei para imaginar na possibilidade de voltar para o outro prédio implorando misericórdia do Kane. Seria uma desgraça ter que reslver todos os problemas didáticos.

Mas eu sabia que iria levar muito mais que um não para casa. Fiz como havia planejando, ou seja, quase esmurrei a porta, esperando o professor tomar alguma atitude. Assim que ele a abriu, abaixei a cabeça e entreguei a carta do diretor na mão do professor discretamente.

Olhei durante um segundo e meio até localizar um lugar vazio, onde provavelmente ficavam aqueles típicos babacas que já deveriam estar na faculdade, mas já haviam reprovado mais vezes que qualquer um ali.

Por mais que eu tivesse disfarçado horrores as pessoas sabiam quem eu era, o que normalmente não aconteceria há duas semanas atrás.

"Clarke? é você? o que tá fazendo aqui?" - Raven estava com umas olheiras enormes e com uma mão na cabeça, com uma voz cansada.

"O Kane me mandou pra cá, eu nem sabia que você era desse prédio."

"Você iria descobrir um dia." - Ela riu, quase sussurrando e com o MDI dela na sua mão direita.

"Sua asma atacou? de novo?" - Raven me preocupava a beça. A saúde dela não andava sendo uma das melhores.

"Só hoje, mas tá tudo bem."

"Clarke, não me entenda mal, eu adorei você estar comigo aqui, mas não sei até que ponto é bom você permanecer."

"Por que diz isso?"

Ela apontou discretamente deixando seu MDI de lado e virando seu rosto. Quando fui ver, percebi que estava entre a cruz e a espada. Ela estava apontando para o Wells, e para minha alegria, o outro problema tinha nome e sobrenome. Bellamy Blake.

Eu me virei para frente pensando que se tentasse focar no professor, talvez eu esqueceria pelo menos por uns instantes. Mas quanto mais eu desviava minha atenção, mais meu rosto ficava pálido e minhas mão suavam frio. Aquele pesadelo que eu procurei fugir durante anos tinha acabado de recomeçar e eu sei que eu não devia me senti de tal maneira, mas tudo que eu fazia naquela situação era me culpar.

Estava diante do meu temido passado e de um completamente inesperado futuro.




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