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"Nem que seja em outra vida, eu vou te encontrar de novo"

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Você pode procurar o significado da palavra "incesto" na internet. Ou no dicionário. Ou na fatídica, repressora e proibitiva opinião popular. 

Em qualquer busca, o resultado é o mesmo. Existe um consenso, afinal. A união sexual entre irmãos é suja. É pecado e deve ser condenada.

Para Freud, o instinto do indivíduo é primitivo, mas este tem suas crenças, comportamentos e regras moldadas de acordo com a estrutura sócio-cultural a que é exposto ao longo de sua vida.  

Eu não preciso mentir pra você. Não sou grande fã da psicanálise. Quer dizer, eu nem mesmo a entendo tão bem assim. 

Isso, entretanto, não quer dizer que eu não tenha as minhas curiosidades, certo? 

Talvez esse não tenha sido o primeiro, tampouco será o último, mas é o questionamento que mais me intriga. 

Será que a psicanálise explica por que, quando ainda criança, eu me sentia tão sujo por amar a minha própia irmã? 

O conceito de tabu não estava esclarecido em minha mente pueril. A palavra incesto, até então, não significava mais que um agregado de letras com um peso que ainda não entendia.

Mas desde sempre, desde que tive a consciência de como me sentia, eu odiei esse sentimento. 

Na adolescência, as coisas não melhoraram. Ah, não, eu não poderia contar com esse golpe de bondade do destino, porque o destino sempre amou me foder, você sabe, não é?

Aos dezessete, era insuportável. Você era um ano mais nova que eu, então você tinha dezesseis e estava na sua época de arranjar namoros que eram tão intensos quanto passageiros. 

Em poucos meses eu vi você, minha pequena, amar tantas vezes que os dedos de uma mão não dariam conta de numerar. Assim como vi seu coração ser partido e ouvi suas lamúrias, incapaz de fazê-la entender o quanto aquilo me feria fundo na alma.

 Quando fiz dezoito, eu entrei em uma nova fase de rebeldia. Meus atos condiziam com a idade complicada, era o que meu terapeuta dizia. Só que eu acho que eu já estava um pouco velho demais para isso, certo?

Eu dormi com a minha primeira garota. Mas não senti nada.

Imaginei seu corpo enquanto fodia uma garota qualquer do colegial. Senti, pela primeira vez. Nojo. E dor.

Porque não era real. Nunca seria. Nunca poderia ser. Porque eu não deveria desejar que fosse.

E assim como os seus relacionamentos, os meus resultaram em inúmeros corações partidos, mas nunca o meu.  

Você então me dizia, irracionalmente magoada, que eu era incapaz de sentir. Ah, Emilly, você nunca foi capaz de ver que eu sentia, sentia demais, sentia por você?

Nunca foi capaz de ver que meu coração nunca saía ferido porque, na verdade, você já o tinha destruído? 

Hoje eu sei, eu não podia te culpar. O erro estava em mim, eu era o pecador. Mas como fazer um garoto burro de dezoito anos entender isso?

E então eu te odiei, enquanto te amava com toda a minha força.

 A cada vez que você se interessava por um novo garoto, eu morria um pouco mais. Até que veio aquele cara.

Eu lembro do seu medo. Lembro de como não queria deixar ninguém mais descobrir que você estava sentindo aquelas coisas por aquele garoto. Ah, Emilly, pela primeira vez você sentiu um pouco do que eu senti por toda a minha vida.

E eu sou tão cruel que gostei de ver você sofrer.

Não, não, não. Não assim. Eu só me senti mais próximo. Senti a esperança de que você poderia me entender. Pela primeira vez, pensei em me declarar.

Me declarar a minha irmã.

Isso é tão doente, Emilly.

Mas não foi nenhum surto de consciência que me fez desistir de confessar que eu te amava e te desejava.

Você lembra desse cara? O primeiro por quem se apaixonou? Parecia que você realmente gostava dele. Gostava tanto que, sem me contar nada, enfrentou seu medo e se entregou a ele durante a viagem da escola.

Você me deixou de fora. Não me disse antes, nem depois. Lembra como eu descobri? Os garotos da sua sala ouviram tudo. Ouviram você gemendo pra ele, "como uma cadela".

Na semana seguinte, era só disso que se falava. Emilly e Jota.

Você dizia que não se importava, mas eu te ouvia chorando sozinha, no seu quarto, no meio da noite.

Naquele dia eu tinha dezoito, você faria dezessete em menos de um mês. Os garotos continuavam te provocando, falando coisas obscenas. E eu perdi o controle, Emilly. Você lembra. Você viu.

Eu tirei sangue do rosto de um deles. Eu o soquei até que o filho da puta perdesse a consciência e depois o soquei ainda mais.

Três garotos do terceiro ano precisaram me parar, ou eu mataria aquele cara.

Até hoje você pensa que eu fiz aquilo por você. Não, Emilly, eu fiz porque precisava descontar em alguém a dor que você causou em mim.

Mas esse não foi o pior, foi?

Quando eu fiz dezenove, nosso pai já estava morto. Ele não aceitaria nunca aquele babaca na nossa casa, mas nossa doce mãe, sim. Então vocês se assumiram pra ela. Disse que estava apaixonada por ele. Semanas depois, levou seu namorado em nossa casa.

Você levou outro para o único lugar onde eu sentia que você era só minha.

Aquilo me matou, picinho. Me matou por dentro, então eu tentei me matar por fora.

Infelizmente, não consegui.

Mas consegui outra coisa. Consegui convencer nossa mãe a me mandar para longe, para a cidade da nossa avó, com quem sempre me dei tão bem. Eu precisava ficar longe de você, precisava me desintoxicar desse amor doentio.

Por um ano, Emilly, eu me esquivei de tudo que te envolvia. Nunca ouvia as novidades que nossa mãe tinha para me contar, quando me ligava, muito menos te respondia quando você me procurava.

Você ficou magoada, não foi? 

Eu não ligo. Não liguei. Porque eu não pretendia voltar. Eu não pretendia conviver com você de novo, mas então nossa avó morreu e eu fui obrigado a voltar para Porto Alegre.

E mesmo não querendo, eu sabia que ia voltar para você.

Fated | MH + EAOnde histórias criam vida. Descubra agora