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Sempre me perguntei se existia, em algum lugar do mundo, alguém que odiasse a própria existência tanto quanto eu.

Eu já disse, Emilly, e sei que não podia te culpar por esses sentimentos imorais. O erro morava unicamente em mim. E toda essa merda estava tão enraizada no meu ser que, mesmo quando dormia, ela não me deixava em paz.

Lembra quando éramos mais novos e eu dizia que tinha sonhado com você? Você sempre me perguntava como tinha sido o sonho e eu sempre respondia, falsamente, que não lembrava.

Mas sempre lembrei, lembro até hoje.

Os sonhos pareciam seguir um roteiro. O seguinte sempre se conectava ao anterior, como se fossem pedaços de uma história.

Nesses sonhos, nós não éramos irmãos. Você me amava de volta, do jeito que eu sempre te amei, e nós éramos tão felizes juntos, mas então eu sempre acordava, angustiado, instantes depois de ouvir você dizendo, com lágrimas nos olhos, a mesma frase.

"Nem que seja em outra vida, eu vou te encontrar de novo."

Essa noite, duas semanas depois de ter voltado para casa, eu sonhei novamente com você. O mesmo tipo de sonho, você acredita? Mais um pedaço da história, mais uma promessa sobre vidas futuras.

Como sempre, acordei desolado, porque me deparei com a realidade em que era impossível te amar e ser amado por você.  

O sábado mal tinha começado para mim, apesar de já ter passado das onze da manhã, e eu descobri que me sentir sufocado por sonhos que nunca se concretizariam não seria o pior acontecimento do dia.

Quando cheguei à cozinha, vi você, e você estava acompanhada. Não precisou dizer nada, porque eu o reconheci de imediato.

Você trouxe Jota à nossa casa, sorriu para mim quando me viu e segurou a mão dele com a sua.

"Marcos, o Jota veio almoçar com a gente.", você disse como se essa fosse mesmo uma grande notícia. "Jota, você lembra do meu irmão, o Marcos?"

"Ele destruiu o rosto daquele garoto do terceiro, é claro que eu lembro", ele respondeu, rindo com a lembrança.

"Fala dessa merda de novo e eu destruo o seu rosto também", ameacei, sem pensar. Ele não fazia ideia do que eu senti pra reagir daquela forma.

Você me olhou, chocada, seu namoradinho também.

Eu não queria ser assim, você acredita, não é?

Mas eu não podia ver aquele cara ali, não em nossa casa. Eu não podia ver o seu primeiro homem voltando do passado para se tornar o seu presente, falando de dias que foram dolorosos para mim como se fossem memórias divertidas.

"Marcos!", você repreendeu, ainda horrorizada, quando viu que eu não fiz a menor menção de retirar minhas palavras. "Peça desculpas!"

Eu sorri, Emilly, mas sem alegria alguma. Então virei de costas para os dois.

"Vou deixar os pombinhos a sós", foi o que eu disse, sumindo de suas vistas.

Entrei no banheiro, pensando que um banho frio me ajudaria a recobrar a sensatez, mas você entrou logo em seguida, escancarando a porta com toda sua fúria.

"Você quer ser um imbecil comigo, eu entendi, mas não pode ser pelo menos civilizado com uma visita?!"

Eu arranquei a blusa de meu corpo, irritado. Você desviou os olhos, seu rosto se tornando um misto avermelhado de raiva e constrangimento.

Olhar para meu corpo sempre pareceu uma tarefa tão difícil para você, não é, Picinho?

Devia ser algo natural. Era só pele exposta, só partes do seu irmão mais velho, de alguém que cresceu com você. Mesmo assim, você nunca me olhava, como se tivesse medo.

"Traga uma visita com quem valha a pena ser civilizado e eu penso no caso", rebati, ignorando o rubor em seu rosto, sem saber o que ele significava.

"E por que o Jota não merece seu respeito? Porque ele está comigo?! Você odeia absolutamente tudo que está relacionado a mim! Por que, Marcos? O que eu te fiz de tão ruim?"

"Ele já te fez chorar uma vez", relembrei, desviando de suas perguntas. "Você é uma otária por acreditar que agora vai ser diferente"

"Você que é um otário!", você perdeu a cabeça, o que me assustou um pouco. "O Jota mudou e eu estou feliz com ele agora, então é melhor você tratá-lo com o mínimo de respeito"

"Não me diga o que fazer!", ordenei, possesso. Por que você o defendia tanto quando ele já tinha te magoado? Por que não conseguia ver que eu estava machucado? "Você não sai do meu pé desde que eu voltei! Por que você não me deixa em paz de uma vez?!"

Você balançou a cabeça em negação, rindo sem humor algum.

"Quer saber? Eu não sei porque ainda tento. Você é tão amargo que vai acabar sozinho."

"E você acha que vai ser diferente? Você vai acabar sozinha também, Emilly, mas depois de ter sido fodida por todos os caras dessa cidade"

"Você não disse isso"

Eu respirei fundo, sentindo o peso do que tinha acabado de dizer, sabendo que fui longe demais.

"Eu não quis..."

"Eu vou te deixar em paz", você me interrompeu, incapaz de ouvir meu pedido de desculpas. "A partir de agora, se considere livre de mim" 


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Só queria dizer pra vocês prestarem atenção nos sonhos do menino Marcos viu galero, só uma dica mesmo rsrsrsrs


Fated | MH + EAOnde histórias criam vida. Descubra agora