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Eu gostaria de dizer que nossa relação melhorou depois daquela noite, mas não foi exatamente isso que aconteceu, foi?

Tudo bem, nós não nos evitávamos mais. Ou, se quiser cobrar de mim a mais pura verdade, posso dizer que você não me evitou, mas eu continuei fugindo de você.

Sutil, sempre com desculpas vazias, tentando não te magoar mais, mas, ainda assim, fugindo. Correndo milhas, mas sem sair do lugar.

Porque, afinal, você sempre me teve nas suas mãos.

Então quando você entrou no meu quarto naquela tarde de sábado, eu não soube dizer não ao seu convite. Eu tentei, você viu como eu tentei, mas você insistiu e acabou me convencendo a te acompanhar até aquela praça perto de casa, só para ficarmos um tempo juntos.

Parecia que para você, assim como para mim, estar dentro de casa, comigo, era desconfortável, mas tudo se amenizava um pouco quando saíamos de lá.

O meu motivo para não me sentir bem em me aproximar de você, especialmente lá, era que estar no lugar onde crescemos juntos funcionava como um lembrete doloroso de que éramos irmãos. Mas e você, picinho? Qual a sua razão?

"Deixa eu matar a saudade de você", você disse, um pouco retraída, enquanto tentava me fazer ceder. "Fica um tempo comigo..."

Como eu poderia te recusar quando você falava assim, me olhando daquele jeito? 

Então eu fui, atraído por você como um animal ingênuo se deixa ser atraído por uma armadilha.

Quando chegamos, você me levou até um dos bancos vazios e me fez sentar ao seu lado, segurando minha mão, exatamente como fazíamos quando éramos mais novos, antes de tudo se tornar tão manchado.

Naquele tempo ainda me parecia um gesto tão inocente, mesmo que eu já sentisse meu coração acelerar por você, mas quando já tinha me tornado consciente sobre a forma como me sentia, aquele gesto parecia tão errado.

Então separei minha mão da sua, fingindo precisar ver alguma coisa no meu celular.

"Nunca vou entender essa sua mania de comprar camisetas maiores que o ideal", você disse, risonha, enquanto repuxava o tecido preto da minha blusa.

Eu olhei para baixo, checando a vestimenta, e depois ergui os ombros com displicência. Foi quando lembrei de você usando a minha camisa na outra noite, então olhei para você, curioso.

"Você sempre usa a minha blusa para dormir?"

Você pareceu surpresa, talvez incomodada, e desviou o olhar enquanto brincava com seus próprios dedos apoiados sobre suas pernas.

"Eu realmente senti sua falta.", você confessou, ainda sem me olhar. "Você foi embora de repente, sem me dizer porque estava indo, sem me dizer porque tinha feito... aquilo", você olhou para uma das marcas do corte em meu pulso, exposta. Não a escondia, nunca pensei em esconder.

Eu não tinha vergonha dos cortes, não tinha vergonha de ter tentado tirar minha própria vida.

Minha única vergonha era saber que nunca, nem mesmo uma vez, eu amaria outra pessoa além de você.

"Eu não entendi porque você foi. Não sabia se você voltaria... e sua camisa estava lá, esquecida, como você pareceu me esquecer", você terminou, ressentida.

"Eu não te esqueci", rebati de imediato, incomodado por você sequer ter pensado nisso. "Eu só precisava me afastar dessa cidade. Dessas pessoas."

"E de mim"

Eu queria dizer que não, mas foi exatamente isso que eu fiz. Eu me afastei desesperadamente de você. 

"Mas eu voltei", relembrei, olhando adiante para não ter que olhar em seus olhos.

"Eu sei que você não queria. Se a escolha fosse sua, você não voltaria.", você disse, parecendo ter tanta certeza disso. "E então você continuaria me deixando completamente de fora. Continuaria sem responder minhas mensagens ou atender minhas ligações"

Eu continuei mantendo meu olhar longe, com medo de tentar descobrir se aquilo em sua voz era raiva ou mágoa.

"Eu sei que nossa relação sempre foi cheia de altos e baixos, mas você não podia me abandonar daquele jeito, Marcos"

Senti minha boca se tornar mais seca à medida que me tornava mais consciente de que você nunca sentiu raiva de mim, não por eu ter ido embora daquele jeito. Tudo que você sentia era mágoa, não é?

Eu te deixei tão triste, picinho.

"Me perdoa", foi tudo que consegui dizer, deixando meus olhos finalmente deslizarem em sua direção. 

Então, pego de surpresa, me assustei ao ver você secando uma lágrima.

Até hoje, todos esses anos depois, não acredito que te fiz chorar.

"Ter vindo aqui não foi uma boa ideia", você ficou de pé. "Eu achei que seria mais fácil tentar me reaproximar de você, mas parece que não estou pronta. Vamos pra casa"   

Por mais que eu quisesse acalmar seu coração ferido, não teria muito o que fazer, então apenas concordei com sua sugestão de voltarmos para casa e te segui pelo caminho, mantendo uma distância de três passos enquanto te via caminhar à frente com a cabeça baixa.

Nós estávamos duas quadras de casa quando você começou a atravessar uma avenida.

O sinal de pedestres estava fechado e uma caminhonete vinha com velocidade o suficiente para te fazer voar caso te acertasse.

Tudo aconteceu tão rápido que eu quase não consegui entender. Primeiro a buzina aguda, depois o grito de uma mulher dizendo pra você ter cuidado e, por último, o som do seu corpo pequeno, o corpo da minha picinho, sendo atingido pelo carro.

E então meu mundo ferido e cor de cinza desmoronou, assim como seu corpo caído no chão.

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Não desistam da fanfic por causa desse capitulo, ele é necessário para o desenrolar da história, mesmo que seja tão triste:(

Fated | MH + EAOnde histórias criam vida. Descubra agora