três

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o primeiro passo

Eu havia passado tanto tempo me focando em como escrever minha primeira carta que mal havia notado as luzes já invadindo entre as cortinas de meu quarto.

Meu corpo estava cansado e implorava por descanso. Consegui sentir meus olhos se fechando contra minha vontade e logo os esfreguei tentando me manter acordado.

Qualquer outro dia eu me entregaria ao sono e faltaria aos primeiros horários, mas hoje, o envelope branco já em minhas mãos me motivou mais do que qualquer outro dia do ano.

Eu queria muito entrega-lo.

O estado do meu corpo era o menor de meus problemas.

Eu não entendia essa necessidade toda que eu tinha de tentar ajuda-lo.

Talvez eu me enxergasse nele.

Talvez meu subconsciente estivesse fazendo por ele o que eu desejei que alguém fizesse por mim. Não digo necessariamente mandar cartas, digo sobre se preocupar, estar ali, não desistir.

Antes que me perdesse em pensamentos, me levantei da cama, ansioso pelo dia que estava por vir.

Me arrumei rapidamente, pegando uma fruta qualquer para comer no caminho.

Guardei minha carta no bolso externo da mochila e sai de casa.

Por mais que eu me esforçasse para parecer normal, minha respiração ofegante entregava o quão nervoso eu estava.

Eu nunca havia feito isso.
Ajudar alguém sem que a pessoa soubesse.
Ajudar puramente por ajudar.
Ajudar por se preocupar mais com a saúde mental de alguém do que com minha própria.

Aquilo era novo para mim.

Eu não sabia ao certo se aquele sentimento era algo bom, e honestamente, tinha medo de descobrir.

As batidas do meu coração pareciam aumentar a cada passo dado. Tentei respirar fundo diversas vezes para me acalmar, porém tudo era em vão.

O local não era muito longe de onde eu morava. Apenas alguns quarteirões e eu já poderia avistar o grande portão da maior faculdade de artes de Seoul.

Parei à alguns metros da entrada assim que a avistei.

Meu corpo ficou ali, paralisado por um momento. Não havia motivos ao certo, eu apenas senti que fosse desmaiar caso continuasse.

Fechei meus olhos tomando coragem de seguir adiante e tentei convencer a mim mesmo que aquilo não era nada grandioso.

Não queria ter uma crise de ansiedade logo agora que eu estava me sentindo um pouquinho melhor.

Abri meus olhos ao pouco sentindo meus batimentos se tranquilizarem.

Algumas pessoas me cumprimentavam, outras me olhavam estranho.

Por fim, me vi pronto para sair do meu estado de transe físico e mental e adentrar a universidade, me focando em um único objetivo.

O local estava praticamente vazio, já que ainda faltava um bom tempo para as primeiras aulas.

Fiquei pensando se Changbin já estaria ali. Dentre todos os anos que o vi na escola, eu nunca havia reparado em como ou quando ele chegava. Apenas o via de longe nos intervalos e escutava seu nome sendo citado em diversas ocasiões.

Talvez ele fosse como eu, que odeio a faculdade com toda minha força, mas ao mesmo tempo odeio ainda mais ter que ficar em casa, me auto destruindo pouco a pouco, e por isso tentava ficar o menor tempo possível dentro dela.

Ou talvez o inferno que aquela faculdade havia virado conseguisse superar tudo que ele veio aguentando até aquele dia.

Eu queria poder lhe perguntar ao invés de me questionar motivos sem bases ou conhecimento.

Suspirei fundo enquanto me dirigia para a área dos armários.

Um tempo atrás eu havia descoberto qual era o dele e me senti mal quando o vi.

Porque meu armário era tão limpo e o dele cheio de pichações e mensagens de ódio?

O que nos tornava tão diferente?

Cheguei ao número 191 e analisei se alguém estaria me observando ou algo do tipo, contente com o fato de que o corredor estava completamente vazio me apressei e empurrei o envelope para dentro, ignorando todas as mensagens repugnantes que aquela pequena portinha continha.

Sai direto em direção ao banheiro. Os batimentos cardíacos que eu havia sido capaz de manter calmos até aquele momento pareciam estar prestes a explodir meu coração.

Me sentei lentamente com as costas apoiadas na parede temendo não ter forças nas pernas.

Eu estava mais apavorado do que imaginei.

Agora não havia mais volta. Eu havia depositado a história da minha vida em um armário da faculdade.

Eu me sentia frágil. Por mais que a leveza enquanto eu a escrevia fosse real, deixar que alguém lesse as palavras ali colocadas era uma outra história.

Passei todo o tempo que eu tinha até as aulas começarem sentado ali, abraçando meus próprios joelhos em forma de consolo.

Com dificuldades, finalmente havia me acalmado o suficiente para não chorar assim que me levantasse.

Não havia como negar que meu psicológico estava destruído.

Passei tanto tempo focando em porque Changbin não sorria mais que sequer reparei minha própria vida.

Há quanto tempo eu não era feliz?

Meu psicológico me impedia de fazer diversas coisas. Apenas colocar um pequeno papel que sequer pode ter seu remetente descoberto me causou um pânico inimaginável, onde eu senti vontade de me jogar da janela para ver se o sentimento passava.

Era difícil conviver com isso.
Conviver com meus conflitos internos.

Mas por incrível que pareça, naquela sexta-feira do dia 23 de março, eu sorri.

Eu estava na aula de teoria musical quando meus olhos foram atraídos para o lado de fora da janela, onde Changbin escondia um sorriso no rosto e uma carta nas mãos.

unhappy | changlix Onde histórias criam vida. Descubra agora