a primeira carta
Já era madrugada quando eu finalmente tomei a coragem necessária para colocar o que eu sentia em um papel.
Era a primeira vez que eu escrevia algo tão honesto sobre mim, tão verdadeiro. Colocar meu coração ali, um lugar tão pequenininho, sem a intenção de receber uma resposta, sem a intenção de obter ajuda, não era algo fácil, longe disso.
Escrever sobre algo é uma das melhores formas de se manter a lembrança viva. Você se sente lá, no dia em que tudo aconteceu, vendo tudo com olhos diferentes, vendo sua vida passar. Você têm a impressão de que não é mais o protagonista dela, mas sente tudo como se fosse.
Sentir.
Esse era o ponto que me impedia de escrever de forma fluída. O ponto que fazia com que eu desse pausas a cada cinco minutos apenas para fechar os olhos e respirar fundo.
Impedia pois escrever sobre tudo o que eu passei ainda doía. Doía como se eu estivesse vivendo tudo mais uma vez, e ver que eu nunca havia chegado a superar fazia doer ainda mais.
Tentei escrever mais uma linha, antes que me perdesse em pensamentos que me destruíam pouco a pouco.
Talvez eu também precisasse de alguém escrevendo cartas para mim.
Ri descrente de meus pensamentos, horas atrás eu estava me achando louco por estar usando um meio tão antiquado de comunicação, agora, almejando que alguém fosse tão louco quanto, a ponto de usá-las comigo.
Continuei tentando me focar em escrever cada palavra com a maior honestidade que eu conseguisse.
Meu maior medo era que Changbin achasse que eu estava brincando com ele, que aquela carta era uma piada de mal gosto e ele nunca chegasse a ler o conteúdo.
Eu precisava que ele lesse.
Finalizei mais um parágrafo com esse pensamento em mente.
A carta, que antes era apenas um papel em branco, estava quase completa, com minha letra que as vezes parecia incompreensível, mas sempre escrita com o máximo de carinho.
A verdade é que eu havia demorado muito tempo para me aceitar, para enxergar que eu não era uma falha, para entender que eu era normal e muito melhor do que aqueles que me tratavam mal.
Eu não queria que as pessoas tivessem que passar por isso, queria que todos pudessem simplesmente se aceitar e entender que não existe certo ou errado.
Você é você e isso é o seu maior motivo de orgulho, sempre.
Eu torcia, bem la no fundinho do meu coração, que Changbin estivesse conseguindo enxergar isso. Que ele não tivesse dúvidas de que os errados eram todos ali naquela escola, menos ele.
Escrevi assim um pequeno parágrafo explicando-o como eu havia finalmente me aceitado. Por completo. Quando eu fui eu mesmo e me senti verdadeiramente feliz por ser quem sou.
Fiz um pequeno desenho no cantinho de um coração sorrindo e um balãozinho escrito fighting logo em cima.
Sorri fraquinho vendo o quão feio e desproporcional ele havia ficado, mas ainda sim me senti feliz de tê-lo feito, era algo meu ali, era o meu coraçãozinho dizendo para quem o visse que ainda tinha muito o que viver.
Changbin merecia aquele desenho mais do que qualquer um naquele momento.
Logo fui chegando ao final da folha e foi ali que parei para pensar na parte mais difícil.
Como eu a finalizaria?Colocaria um "você não está sozinho"?
Diria que eu estaria ali por ele?Não fazia muito sentido.
Receber uma carta sem remetente de alguém que nunca chegou a falar com você na vida real não te torna menos sozinho.
O sentimento é o mesmo de quando você sonha com alguém que ama e sente como se pudesse toca-lo, se sente tocado, sente que é real, e então acorda, e sente que sua vida é retirada pouco a pouco de si, como se toda a felicidade tida no sonho não lhe pertencesse, e você se sente vazio, pois não há nada em você que preencha o que foi retirado.
Ler uma carta de alguém dizendo que passou pelo mesmo e ainda estava ali para escrever sua história parecia um sonho.
Fazia parecer que eu era alguém forte, que não media esforços em colocar para fora tudo aquilo que me fez mal, tudo aquilo que me mostrou que desistir não era o caminho mais fácil, era o único.
Mas a verdade era que eu me sentia fraco, me sentia incapaz de fazer algo além de escrever palavras na esperança de que elas fizessem alguma diferença.
E eu sabia que ele não se sentiria acolhido ate que eu o mostrasse que poderia contar com algo maior que um pedaço de papel.
Foi por esse motivo que passei o restante da noite pensando em como eu a finalizaria.
Foi sem dúvidas a parte mais marcada do papel, apaguei dezenas de vezes, escrevi outras dezenas.
Eu estava incerto, nervoso e cansado demais.
Talvez aquilo fosse mais fácil do que parecia.
Talvez eu não precisasse escrever grandes coisas.
Talvez ele só precisasse saber que eu não terminaria por ali.
Decidi por fim qual seria o melhor desfecho para uma história que começava a ser montada aos poucos.
A nossa história. Dois estranhos vivendo situações em comum.
Eu costumava pensar que terminar a vida sozinho era o pior acontecimento do mundo, ao que vivi o suficiente para entender melhor e reconstruir meus pensamentos, percebi que terminar a vida ao lado de pessoas que lhe fazem se sentir sozinho é ainda pior.
Changbin, mesmo que não saiba quem sou, espero lhe deixar com uma certeza, por menor que seja.
Não direi que você não está sozinho, pois sei que não poderei estar sempre aqui por você.
Mas quero que saiba, e pense diariamente no que te direi, se agarre a essa promessa que farei e encontre nela um motivo para viver mais:Eu lhe escreverei novamente :)

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unhappy | changlix
Fanfictiononde changbin estava acabado e felix passa a colocar cartas em seu armário na esperança de vê-lo sorrindo mais uma vez.