Foi um dia normal, como qualquer outro. Quase não lembro que hoje é o dia. Acordei no meu quarto de sempre, com a mesma decoração desde o final da minha fase emo, briguei com Isabelle para se apressar no único banheiro do andar de cima, e quando ela finalmente o liberou para mim, vi a sombra do seu irmão, Rafael, entrando na minha frente e gritando "não vou demorar, juro" – o juramento não garante nada, já que todo dia acontece a mesma coisa, e todo dia eu me atraso vinte minutos para o trabalho.
Quer dizer, me atrasava.
Os tempos estão prestes a mudar, mas hoje ainda foi um dia supernormal. Vó Elena insistiu que eu comesse o dobro do que eu aguento, e papai me empurrou para fora da cozinha quando ela não estava olhando. Isabelle me acompanhou até o trabalho, caminhando os cinco quarteirões – falando mais do que seu pulmão aguenta e parando para recuperar o fôlego porque esqueceu de sugar a bombinha de asma antes de sair de casa – até eu chegar na loja, e seguiu para o estágio do outro lado da rua.
Na hora do almoço, Belle e eu nos encontramos em frente à loja, almoçamos num restaurante self-service de esquina no final da avenida, demorando tempo demais para escolher os dois tipos de carne para o prato, e voltamos para nossos respectivos trabalhos em cima da hora, correndo e nos despedindo por meio de gritos indecifráveis com a boca cheia – porque, como sempre, falamos demais enquanto poderíamos estar comendo, e devoramos o restante da comida nos últimos três minutos de refeição.
Foi o mesmo dia de sempre, a não ser pelo final. Como num filme que está indo bem demais, sem surpresas nenhuma, mas o plot twist acontece depois do segundo ato, e tudo o que vem a seguir é novo e empolgante. É assim que imagino essa primeira parte da minha vida — como a parte sem graça do filme. Agora está começando o terceiro ato, desconhecido e empolgante.
Estou saindo do trabalho e vejo Belle do outro lado da rua equilibrando um saquinho de churros numa mão, pastas na outra e uma bolsa no ombro enquanto tenta acenar para mim – como se eu não já a tivesse visto. Belle está empolgada demais, e há um motivo para isso: compras. Belle está acompanhando de perto o processo da mudança e está tão animada quanto eu, ainda mais hoje, que estamos saindo para comprar as pequenas coisas que preciso para a casa, para depois partirmos para meu novo endereço.
— Quer uma ajudinha, mulher-maravilha? — Me aproximo de Belle esticando o braço para auxilia-la, mas ela se esquiva, jogando a bolsa para cima para equilibra-la no ombro novamente.
— Não, tenho tudo sob controle — constata ela, mas insisto:
— Eu faço questão!
E roubo dela o saquinho de churros, já devorando um. Belle sai andando em direção ao final da rua, onde marcharemos para o centro. Minha mente mal processa todo o caos acontecendo ao meu redor e, quando menos espero, meus passos estão acelerados indo em direção à entrada do que hoje é a loja dos meus sonhos: HomeDeco&Presents, um atacado que pode ser descrito como aquele tipo de loja onde você encontra de tudo.
A fachada alta da loja de três andares toda recheada de vitrines iluminadas me dá boas vindas e quase me engole. Estou parada à frente da porta giratória e não percebo a minha prima sumindo.
Atravesso a porta, empurrando seu peso para a frente, e corro em pequenos passos para perto de um estande de conjuntos de louça parecendo mais caro do que quatro meses do meu novo – e primeiro – aluguel.
— Meu Deus, Nina, olha só isso! — Isabelle está deslumbrada.
— Não toca nisso, pelo amor de Deus! Se você quebrar, nem sonhando posso pagar.
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Um Clichê Para Chamar de Meu
ChickLitNirvana é uma escritora independente, e de independente não há só sua carreira, mas praticamente tudo em sua vida. Vinda de uma família grande, todos dividindo o mesmo teto, Nirvana é a primeira em muitos anos a sair do ninho e criar asas para morar...