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Há uma coisa estranha que ninguém fala sobre períodos de mudança: acontecem de mansinho. Sem grandes anúncios, as mudanças vão acontecendo, e quando menos esperamos, ali estamos, mudados. Seja uma mudança sutil ou algo grandioso, é difícil acontecer de uma hora para outra (a não ser um corte de cabelo desastroso; esse todo mundo nota).

Quando comecei a pensar sobre me mudar, tinha planos diferentes na cabeça. Achei que as coisas iriam acontecer instantaneamente e quis muito para pouco tempo. Porém, mesmo depois de perceber que não teria tudo assim, de uma hora para outra, ainda estou encontrando dificuldade em aceitar que essa é a minha casa. Que eu finalmente posso pisar os dois pés lá dentro e fazer o que eu quiser, porque é minha.

— Vai, Nina! — Anna Clara me encoraja.

Estamos todos parados no degrau de entrada da casa, com os narizes na porta, há cerca de cinco minutos, desde que estacionamos o carro do outro lado da calçada. O colchão envolto num plástico grosso está encostado na parede ao lado da porta, e Rafael demostra os sinais de cansaço por tê-lo carregado – com nossa ajuda, mas muito fajuta, eu admito.

— Anda, Nina.

— Vamos, Nirvana, para de suspense.

— Não estou fazendo suspense, estou me preparando — digo, tirando a mão da maçaneta e me virando de costas para a porta, para a decepção de todos. — Depois desse momento, nunca mais haverá o primeiro momento em que pisei na minha casa 100% pronta.

Isabelle revira os olhos e solta os ombros. Anna Clara empurra Belle para o lado e se põe em minha frente.

— É um momento muito grande — diz minha prima sentimental, ao contrário da sua irmã coração-de-pedra. — Obrigada por nos deixar fazer parte dele.

Assinto, erguendo o canto dos lábios num sorriso só para ser massacrada:

— Mas, pelo amor de Deus, — começa Anna Clara, e um coro se faz atrás dela: — abre a porta!

Então, porque não funciono muito bem sob pressão, eu abro a porta.

Não é como se eu nunca tivesse visto a casa, ou como se eu não lembrasse de como ficou a pintura ou como é a aparência dos móveis novos, mas não consigo evitar engolir um suspiro ao entrar. Aperto o interruptor e as luzes da sala acendem, se espalhando pelo cômodo, iluminando também parte da cozinha no estilo americana ao fundo (estilo americana, quero dizer: um balcão separando-a da sala).

— Foram mesmo vocês que pintaram isso aqui? — questiona Rafael, depois de recuperar o fôlego ao arrastar o colchão de casal para dentro (de novo, com a ajuda inútil de Belle, Anna Clara e a minha).

— Sim! — Belle responde, empolgada. — Você não conhece metade dos meus talentos, irmãozinho.

— Quais os outros? Culpar os irmãos mais novos pelas besteiras que faz não pode mais ser chamado de talento — provoca Rafa.

— Se fosse, você ganharia número 1, Belle — adiciona Anna Clara.

— Será que há uma categoria como: Culpar a Prima Boazinha Por Tudo? Ou "Tentar Desesperadamente Arrumar um Par Para Todas as Pessoas Solteiras do Planeta"?

— Nesse eu sou boa! — Isabelle se defende.

— Mas os ruins vencem de sete a um — contrapõe Anna Clara, e eu apoio com um reles "é isso aí".

— Vocês me pintam como má, mas eu sou apenas esperta.

— Todas as vilãs são — digo.

Uma mochila voa em minha direção, mas ajo rápido e a pego no ar.

Um Clichê Para Chamar de MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora