1 (parte II)

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Dividir a casa com a família inteira é uma tarefa que define toda sua vida. Não me refiro à família "normal", apenas com pais e irmãos; me refiro à família completa, com mais de duas gerações dividindo o mesmo teto. Desde que nasci, morei na mesma casa e a dividi com minha avó, meus pais, duas tias, um tio e três primos. É muita gente e muita diferença de idade para passar pelo menos uma hora em total silêncio. Tirando os dias em que todo mundo sai de casa para alguma festa em outro bairro ou algum casamento do outro lado da cidade, as luzes da nossa casa nunca estão apagadas.

Ter família grande é isso: sempre ter alguém ali, sempre ter uma luz acesa. Até quando a vontade é apenas estar sozinho, ter a família inteira por perto é ter alguém ao seu lado para te dizer que não, você na verdade não quer estar sozinho.

Só há alguns momentos em que desejamos de verdade estar sozinhos. Por exemplo, quando alguém quebra a torneira da cozinha e há água jorrando por todo lugar.

Ouço gritos de tia Eva vindos da cozinha, nos fundos da casa, e corro até lá. Os gritos de Rafael em resposta vêm depois, quando eu vejo a cena e entendo o que está acontecendo: a torneira da pia da cozinha está quebrada nas mãos de Rafael e o cano jorra água para todo lugar, principalmente no meu primo, que já está ensopado. Há gritos descontrolados de todas as partes, depois os passos acelerados de Paulo César para acalmar a situação. Depois da aparição de PC não se passam trinta segundos até que tudo já esteja sob controle.

Ainda há poças d'água no chão, Rafael ainda está ensopado e tia Eva ainda parece estar prestes a desistir de se esforçar para que o coração bata, mas dada a confusão que acontecia quando eu cheguei, eu chamo isso de sob controle.

Isabelle, que nem sequer tinha pisado os pés na cozinha ainda, entra saltitante, vindo do corredor, e para bruscamente.

— O que diabos aconteceu aqui?

Eu, ainda parada com as sacolas de compras na mão, não sei responder.

— Hã...

— A torneira quebrou — explica Rafael.

— Você fez muita força?! — pergunta tia Eva em tom mais de acusação do que de questionamento.

— Deixa o menino — diz PC para a esposa. — Não foi culpa dele, essa torneira já estava prestes a ceder. Eu avisei a Luís, ele ia comprar outra essa semana.

— Agora eu acho que ele tem que comprar outra — acrescenta Belle, divertida.

— Por que você não comprou, Paulo César? — Mais uma vez tia Eva vem com perguntas acusatórias.

— Agora não tem essa de porquês, tia — me pronuncio pela primeira vez. — Já foi, deixa para lá. Por enquanto usamos a pia de lá. — Aponto o braço lotado para a porta da de serviço.

— Lavar os pratos na área de serviço?! — Tia Eva sai de lá com um pano de chão destinado a secar a enchente causada por Rafael. — Onde já se viu isso? — Está perguntando ela enquanto esfrega o pano no chão. — Só vai fazer com que ninguém mais lave prato, porque ninguém vai levantar a bunda da cadeira para ir até a área despejar os pratos, quem dirá lavar... vai sobrar para mim, é o que estou vendo...

Se o sobrenome de tia Eva não fosse o mesmo que o meu, poderia muito bem ser "exagero".

PC olha para Belle, Rafael e para mim e balança a cabeça de um lado para o outro, sorrindo, tirando sarro do exagero da esposa. Ele pega mais um pano e começa a limpar o chão do outro lado da cozinha. Não há sequer um pedacinho de cerâmica seco no cômodo, e em dois minutos estamos todos fazendo parte do mutirão de limpeza da cozinha.

Um Clichê Para Chamar de MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora