4

1.3K 195 27
                                    



Almoço de família deveria estar listado como um dos sinônimos para: confusão amigável, falatório, discussões bobas, comida demais e volume da tevê muito alto. Os almoços de domingo na casa de vovó sempre foram um evento, e não se limita apenas ao horário de almoço. Todo mundo sabe que a tarde inteira tem que ser reservada, e haverá muito o que se falar durante todo o dia. Não lembro de nenhum almoço em que a calmaria e o silêncio reinaram na casa. Não existe tal coisa. É sempre uma confusão de vozes gritando e talheres tilintando. E é sempre maravilhoso.

Ao chegar na casa de vovó, não pareceu que eu tinha acabado de voltar da minha casa, parecia mais que eu tinha passado um final de semana com alguns amigos e estava retornando ao lar.

Ainda estou me sentindo estranha, como se tivesse planando de um lugar para outro, mas esqueço essa sensação assim que piso os pés na cozinha e vejo a cena familiar de um típico domingo. Meu coração não se importa com o lugar onde moro, ele sempre terá um pedaço aqui.

Arrasto uma cadeira para fora da mesa e sento-me ao lado de mamãe, depois de ir até vovó e receber um beijo de batom vermelho na testa. Minha avó pode ter a idade que for, nunca lhe falta elegância, ou o batom vermelho.

— Onde estão papai e tia Eva? Não os vi pela casa — constato. — Espero que isso não signifique nada de sobremesas por hoje!

— Eles foram comprar os materiais pra um sorvete que sua tia inventou de fazer — explica mamãe.

— Vou dizer uma coisa, — Vovó entra na conversa — Luís não ficou muito feliz com essa de sorvete não.

— Ele acha que sobremesa é só feita com chocolate — opina PC.

— E do que será o sorvete? — pergunto.

— Frutas tropicais — dizem mamãe e PC em uníssono. Vovó balança a cabeça de um lado para o outro diversas vezes.

— Eu preferiria chocolate.

— A senhora nem deveria estar comendo chocolate toda hora — diz mamãe.

— Todos vamos morrer uma hora, Flora, então eu prefiro morrer sabendo que comi todo chocolate que pude.

Mamãe olha para mim e solta um suspiro derrotado. Nunca há argumento contra vovó e o chocolate. Puxo a tábua de cortar verduras para mim e começo a descascar batatas.

— Está gostando da casa nova, Nirvana? — PC me pergunta enquanto há uma trégua com vovó.

— Não aproveitei muito ainda... — confesso. — Foram dias agitados, esses. Então nem parei para pensar direito.

— Você é pioneira na família — brinca ele. — Alguém morando sozinho antes dos trinta, e por livre e espontânea vontade? Aqui no nosso mundo não existe isso. — Ele finaliza rindo.

— Eu sei, me sinto quebrando barreiras. — Embarco na brincadeira.

— Espero que não vire moda — comenta vovó.

Ela sempre adorou ter todo mundo perto, dividindo o mesmo teto. Quando eu trouxe a ideia de morar sozinha à tona pela primeira vez, ela não adorou, mas com o tempo começou a se acostumar, até que transgrediu para me apoiar. Hoje ela não fala nada contrário, mas é óbvio que não quer que mais ninguém siga meus passos tão cedo.

— Isabelle nunca vai sair daqui — afirmo. — Ela é mimada demais para isso.

Isabelle estava atravessando a porta de entrada para a cozinha enquanto eu falava.

— O que estão falando de mim?

— Só de como você é tão maravilhosa — desconverso.

— Rá-rá. — Isabelle força uma risada. — E você é a melhor piadista da família.

— Esse título já é de PC — diz mamãe.

PC e vovó estão agora concentrados num livro de receitas mais velho que eu, sentados na outra ponta da mesa. Isabelle se senta no tampo de mármore da pia.

— Eu vou me mudar em breve — anuncia Belle, e eu a encaro.

Seus lábios já estão se curvando para cima.

— Não, você não vai!

Jogo um pedaço de casca de batata nela, que arremessa uma laranja da cesta de frutas para mim.

— Não mexe nisso daí, Belle — mamãe repreende. — É para o sorvete de Eva.

Pouso a laranja na mesa, em segurança.

— Eu queria me mudar — revela Belle. — Não... espera. Eu queria querer me mudar. Deve ser bom... mas eu não aguentaria viver sozinha.

Sinto um aperto por dentro e um frio na boca do estômago.

— Eu acho que não sei ainda o que é morar sozinha — fito minha prima — porque ainda não me deixaram em paz para ficar sozinha.

— É assim, né, Nina? Você vai ver, vou passar um mês sem ir até lá — ameaça Isabelle.

— Não dou dois dias — PC diz, e nós nos viramos para ele. — Do jeito que vocês parecem gêmeas, em vinte e quatro horas estarão com o grude de novo.

— Vou tomar isso como um aviso e deixar você de lado, Nina.

Ela pula do balcão e atravessa a porta, saindo da cozinha.

De longe, ouvimos seu eco:

— Começando de agora!

— Vinte e quatro horas... — aposta PC.

— Menos. — Eu digo, e ele ri.

_____ 

Se você chegou até aqui, não esquece de deixar a estrelinha e um comentário sobre o que você está achando! <3 

xoxo, até o próximo

Um Clichê Para Chamar de MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora