Presente"When you're alone and life is making you lonely
You can always go... downtown"
Brasil. São Paulo. Capital. Dia ensolarado. Céu azul. Prédios. Mormaço. Brisa fresca.
Um prédio, uma sacada, uma janela, cortinas brancas.
Abro as cortinas e deixo o sol entrar no quarto e lamber meu corpo com sua língua quente. A sensação é como se fosse um carinho feito por mãos cálidas. Não consigo abrir os olhos por conta da claridade.
Dou as costas a janela e caminho pelo quarto vazio com os cabelos molhados. Deixo pegadas molhadas no chão. A toalha úmida ainda está presa na minha cintura.
Vou até o guarda roupas e abro uma gaveta. Escolho uma cueca preta entre uma centena de opções. Seguro-a nos dentes enquanto seco minhas partes íntimas e me livro da toalha jogando-a sobre a cama. Arrumo o elástico da cueca na cintura e me olho em um espelho que permite que eu me auto avalie dos pés a cabeça.
Pareço cansado.
Estou um pouco acima do peso por conta dos exageros. Cerveja e porções de frituras durante os happy hours com o pessoal do serviço tomaram o lugar do antigo x-salada e coca-cola com limão e gelo que eu costumava comer na "padoca" perto da "goma" onde eu morava na época em que fiz minha primeira faculdade.
Lembrar daquela época é um pouco bittersweet, como dizem os americanos. Uma lembrança doce e amarga ao mesmo tempo, se é que pode-se dizer assim.
Caminho para mais perto do espelho e observo a minha barba cobrindo meu rosto por completo, nunca esteve tão grande e bem aparada. Me tornei a versão bear de Jamie Dornan. Pelo menos é o que eu acho. Penteio meus cabelos curtos com as mãos e paro ao perceber alguns fios brancos começando a aparecer dos lados. Reparo nas três linhas de expressão em minha testa e nos vincos que minha mãe chama de bigode chinês. Embora eu tenha passado dos trinta, se realmente puxei meu pai, terei cabelos brancos em pouco tempo. Minha mãe sempre disse que aos quarenta meu pai já era bem grisalho. Pelo menos terei cabelos. E ser grisalho com esse corpo e com esse rosto que eu tenho até que não é tão ruim assim.
Penteio a barba com a mão direita e através do espelho vejo a marca branca no dedo anelar que ainda não desapareceu por completo.
Algo me chama a atenção sobre o criado mudo entre o abajur e o porta retratos com a foto da minha cachorra e eu juntos. É um cartão postal vindo diretamente da Europa.
Recolho os pijamas jogados sobre a cama, jogo a toalha por cima dos ombros como se fosse um filhote de veado recém caçado e logo em seguida pego o cartão postal. Releio a mensagem, observo a caligrafia e a minha mente mergulha em um oceano profundo de lembranças. Elas vivem. É como ler um um livro sobre a minha vida ou assistir um musical que costura músicas atuais e antigas a todos os momentos inesquecíveis. Momentos agradáveis como a luz tépida das manhãs de inverno, tristes e introspectivos como tardes cinzas e ventosas de outono, quentes e pornográficos de noites de verão e momentos de aprendizado, do reflorescimento de objetivos, que ocorrem ao romper da primeira luz que ilumina o firmamento na primavera dos acontecimentos.
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100 Cuecas!
Roman d'amourToda história tem um começo, meio e as vezes precisa ter um fim. Após uma década de espera, Fábio Linderoff está de volta em uma história inédita! A terceira parte de sua epopeia pelo mundo LGBTQ conta o que aconteceu após a Parada Gay em que ele de...