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Joshua Fournier tinha vinte e sete anos quando eu o conheci. Daquele primeiro encontro, fugindo da apresentação de King Kobra na Bottoms up, me lembro dele dizendo que era de uma cidade com pouco mais de cinco mil habitantes chamada Cochrane. Lembro de Joshua explicar que antes de Cochrane ser fundada, a cidade era usada como acampamento de verão pelos povos indígenas e ponto de parada para os comerciantes de peles que viajavam pela região. Joshua estudou em colégio religioso e foi difícil crescer em uma família com mais quatro irmãos mais velhos, todos homens, sendo gay. Por isso, assim que se assumiu com dezessete anos foi morar com uma tia em Sudbury. Porém, a tia não era alcoólatra e vivia às custas de uma pensão governamental miserável, ele tinha que sustentar a casa. Ela alegava que ele tinha que agradecer já que sendo gay, ela era a sua única opção para ele não ir para debaixo da ponte. No trabalho, acabou fazendo amizade e mudou junto com um dos colegas para Detroit. Acabou se apaixonando por esse amigo hétero e depois que ele começou a namorar com uma garota, sutilmente deixou claro que era para Joshua procurar um lugar para ficar. Foi então que ele se mudou para Cleveland e começou a trabalhar como recepcionista em um hotel. Nesse hotel ele acabou se envolvendo com um hóspede casado, um sugar daddy, que insistiu para que ele se mudasse para mais perto de sua residência. Ele o fez. Alugou uma kitnet em Pittsburgh. Depois de um tempo o daddy acabou "adotando" um outro rapaz. Nessa época, Joshua conheceu um grupo ativista e se mudou para Baltimore e chegou a participar de campanhas políticas. Quando percebeu que não era aquilo que queria, mudou-se para Philadelphia e começou a trabalhar como ajudante de cozinha em um restaurante na Lancaster Street. Ele trabalhava das 5:30 da tarde às 10 da noite servindo jantares granfinos e de manhã e a tarde como ajudante de cozinha em um pulgueiro no centro da cidade. Nas horas de folga dedicava-se a estudar. Seu sonho naquele momento era se mudar para Nova York e empreender. E aconteceu. Em NY ele achou que ia ser mais feliz, pois além de achar que havia mais oportunidades de emprego, a Big Apple era a capital mais gay do mundo. Ele esperava que naquele lugar sua vida tomasse um novo rumo. Ali seria o epicentro da bonança, de uma nova fase de sua vida. Até que me conheceu...
Eu também havia me mudado para Nova York atrás de uma mudança. Não que eu lutasse para que isso acontecesse. Eu nem sabia ao certo qual era essa tal mudança que eu queria tanto que acontecesse. Seria magnífico se eu encontrasse um cara que me amasse de verdade e lutasse comigo para que eu realizasse todos os meus sonhos. Nossos sonhos. Nossos.
O fato é que mudanças geram modificações no trajeto que você deve seguir. Muitos desses caminhos te levam a outros e na pior das hipóteses você acaba se perdendo. Se você faz sempre as mesmas coisas, obtém sempre os mesmos resultados. Eu sabia disso. Entretanto, o que faz a nossa rota mudar não são apenas as escolhas que fazemos, mas também as pessoas que conhecemos. Elas ajudam você a enxergar coisas que não via antes, te fazem experienciar situações que testam o seu carisma, singularidade, coragem e talento. São filtros para as escolhas que você deve fazer para se manter firme em seu objetivo. Pessoas podem edificar sua trilha para o sucesso, assim como podem lhe distanciar dele. Aí entra a questão de saber fazer a escolha certa. Não para o outro, não para um grupo de pessoas, mas para você mesmo. E essa talvez seja a tarefa mais difícil de se tornar adulto, pois você (e só você) sempre será o responsável pela situação em que você se encontra. Mudar é difícil, dá trabalho, mexe na zona de conforto das pessoas, por isso a maioria passa anos vivendo uma vida que não quis, trabalhando em algo que não gosta, dentro de um relacionamento que não ama. Ainda quando se tem um objetivo, há de se entender os percalços que devemos passar para atingi-lo, mas e quando não se tem?
Mudar para os Estados Unidos foi a mudança que eu precisava para sair da zona de conforto que era morar com meus pais, para provar que mesmo depois do ápice da minha depressão eu não era uma pessoa inválida. Eu podia trabalhar para pagar minhas contas e sobreviver sozinho. Meus pais nunca me disseram claramente, mas eu sentia neles que desde que eu me assumi gay, era como se eu tivesse alguma deficiência e precisasse de um suporte a mais. Por mais que dissessem que era apenas cuidado, aquele nível de cuidado não havia enquanto eu estava namorando mulheres e seguia rumo a um futuro promissor sendo pai de família e trabalhando em algum cargo público que minha mãe achasse que fosse o melhor para mim. Me assumir gay, obrigou meus pais a saírem da zona de conforto de várias formas. Desde a maneira como se referiam aos gays antes de saberem sobre mim, e até religiosamente, a forma como encarar e propagar os mandamentos bíblicos tendo um filho gay no seio familiar.
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100 Cuecas!
RomantizmToda história tem um começo, meio e as vezes precisa ter um fim. Após uma década de espera, Fábio Linderoff está de volta em uma história inédita! A terceira parte de sua epopeia pelo mundo LGBTQ conta o que aconteceu após a Parada Gay em que ele de...