Capítulo 1 - Sussurros

206 4 0
                                    


Meus cotovelos estavam apoiados no peitoril da janela. Eu observava um cachorro de longe. O animal estava dando saltos perto de uma lixeira alta que era feita de barras de ferro. Ele tentava apanhar um pedaço de carne que estava pendente na lixeira. O animal não conseguia alcançar o topo onde a comida estava pendurada. Ele tentava pular mais alto, porém não conseguia. O cão gastava suas forças e energias para obter algo que ele nunca alcançaria sem ajuda. Humanos passavam perto do cachorro, mas ninguém se importava com ele. Será que o cachorro não entende que nunca obterá aquele alimento? Por que o cão ainda insiste em lutar por uma coisa que ele jamais alcançará? Um gato pode subir naquela lixeira para procurar o alimento, pois um felino possui garras que lhe permitem escalar até os lugares altos, mas um cachorro não.

Ele estava pulando perto da lixeira há vários minutos. De repente, ele parou de pular. O cão foi embora em seguida.

Nesse momento, escutei a voz do meu irmão que falou:

- Ei, Hugo. Está na hora do jantar.

Ele estava atrás de mim. Eu me virei para meu irmão. Nós dois estávamos sozinhos na sala de estar. Eu falei:

- Obrigado, Alfredo.

- Vamos, Hugo.

Nós dois saímos da sala. Fomos para a cozinha onde nossos pais estavam. Meu irmão e eu nos sentamos à mesa. Nosso pai, Félix, estava lá quando entramos. Mariane, nossa mãe, serviu-nos nesse instante. Em seguida, ela se sentou à mesa.

Era fim de tarde. Eu tinha 6 anos de idade. Nossa casa se localizava no bairro Tiradentes, na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Vivíamos na periferia da cidade.

Alfredo era um ano mais novo do que eu. Meu irmão caçula possuía um excesso de peso. Ele e Mariane tinham cabelos encaracolados e castanho-claros; olhos negros e pele branca. Meu pai e eu tínhamos traços indígenas. Félix era filho de índios. Minha aparência sempre foi a grande causa das minhas frustações e decepções no decorrer dos anos. Na escola, meus coleguinhas me chamavam de cabelo de flecha, olho rasgado, selvagem, bicho do mato e índio vagabundo. Eu era alvo de preconceito por causada minha origem étnica. Os preconceituosos diziam que índio é vagabundo por natureza e selvagem.

Aliás, meus pais viveram em uma cidade chamada São João das Missões, - no interior do estado de Minas Gerais - durante a infância de ambos. Félix vendia sapatos na feira todos os dias. Mariane cuidava de mim e do meu irmão além de fazer os serviços da casa.

Enquanto nós quatro jantávamos, ouvíamos os sons das músicas que vem do lado de fora da casa. Meu pai estava visivelmente enfurecido por causa do barulho. Nós não estávamos conversando naquele momento.

Perto da nossa residência, havia um bar onde pessoas dançavam e jogavam bilhar. O boteco tinha uma caixa amplificadora que tocava músicas em som estridente. O estabelecimento era denominado bar do Sr. Joaquim. Ao mesmo tempo, um vizinho chamado Asafe fazia sua própria festa e tinha um aparelho que tocava musicas em alto som em frente à casa dele que estava à esquerda de nossa residência. Outros vizinhos que moravam perto da esquina faziam o mesmo que o dono do boteco e o Sr. Asafe estavam fazendo. O condomínio Luz onde nós morávamos era como casa de mãe Joana. O pessoal de lá fazia o que desejava e nem se importava se estava incomodando os vizinhos. Félix, meu pai, deu um soco na mesa e disse:

- Eu tenho que encontrar outro local para nós morarmos. Não suporto mais esse condomínio. Os vizinhos fazem o que querem nesse lugar de merda. Não há regras aqui. Odeio esse lugar miserável. Aqui parece o circo do inferno.

O  Segredo de HugoOnde histórias criam vida. Descubra agora