CAPÍTULO VI

1K 46 7
                                    

♥ 3000 palavras 15 minutos de leitura

Chegando à casa, achou Estácio remédio ao mau humor. Era uma carta de Luís Mendonça, que dois anos antes partira para a Europa, donde agora regressava. Escrevia-lhe de Pernambuco, anunciando-lhe que dentro de poucas semanas estaria no Rio de Janeiro. Mendonça fora o seu melhor companheiro de aula. Havia entre eles certos contrastes de gênio. O de Mendonça era mais folgazão e ativo. Quando este partiu para a Europa, quis que o antigo colega o acompanhasse, e o próprio conselheiro opinara nesse sentido. Estácio recusou pelo receio de que, sendo diferente o espírito de um e outro, a viagem tivesse de obrigar ao sacrifício de hábitos e preferências de um deles.

A notícia da volta de Mendonça encheu de contentamento o sobrinho de D. Úrsula. D. Úrsula estava então na sala de costura, relendo algumas páginas do seu Saint-Clair, encostada a uma mesa. Do outro lado, ficava Helena, a conduir uma obra de crochet.

— Titia, disse ele, dou-lhe uma novidade agradável para mim.

— Que é?

— O Mendonça chegou a Pernambuco; está aqui dentro de pouco tempo.

— O Mendonça?

— Luís Mendonça.

— O que foi para a Europa, sei. Há quanto tempo?

— Dois anos.

— Dois anos! Parece que foi ontem.

— Não lhe leio a carta que me escreveu por ser muito longa. Diz-me que devo ir também à Europa, quanto antes. Querem ir?

— Eu? disse D. Úrsula, marcando a página do livro com os óculos de prata que até então conservara sobre o nariz. Não são folias para gente velha. Daqui para a cova.

— A cova! exclamou Helena. Está ainda tão forte! Quem sabe se não me há de enterrar primeiro?

— Menina! exclamou D. Úrsula em tom de repreensão. Helena sorriu de alegria e agradecimento; era a primeira palavra de verdadeira simpatia que ouvia a D. Úrsula. Bem o compreendeu esta; e talvez a mortificou aquela espontaneidade do coração. Mas era tarde. Não podia recolher a palavra, não podia sequer explicá-la.

— Que tal virá o teu amigo? perguntou ela ao sobrinho. Era bom rapaz antes de ir; um pouco tonto, apenas.

— Há de vir o mesmo, respondeu Estácio; ou ainda melhor. Melhor decerto, porque dois anos mais modificam o homem.

Estácio fez aqui um panegírico do amigo, intercalado com observações da tia, e ouvido silenciosamente pela irmã. Vieram chamar para o chá. D. Úrsula largou definitivamente o seu romance, e Helena guardou o crochet na cestinha de costura.

— Pensa que gastei toda a tarde em fazer crochet? perguntou ela ao irmão, caminhando para a sala de jantar.

— Não?

— Não, senhor; fiz um furto.

— Um furto!

— Fui procurar um livro na sua estante.

— E que livro foi?

— Um romance.

— Paulo e Virgínia?

— Manon Lescaut.

— Oh! exclamou Estácio. Esse livro...

— Esquisito, não é? Quando percebi que o era, fechei-o e lá o pus outra vez.

— Não é livro para moças solteiras.

— Não creio mesmo que seja para moças casadas, replicou Helena rindo e sentando-se à mesa. Em todo o caso, li apenas algumas páginas. Depois abri um livro de geometria... e confesso que tive um desejo...

Helena ♦ Machado de Assis ♦ Caí no Enem!Onde histórias criam vida. Descubra agora