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Chegando à casa, achou Estácio remédio ao mau humor. Era uma carta de Luís Mendonça, que dois anos antes partira para a Europa, donde agora regressava. Escrevia-lhe de Pernambuco, anunciando-lhe que dentro de poucas semanas estaria no Rio de Janeiro. Mendonça fora o seu melhor companheiro de aula. Havia entre eles certos contrastes de gênio. O de Mendonça era mais folgazão e ativo. Quando este partiu para a Europa, quis que o antigo colega o acompanhasse, e o próprio conselheiro opinara nesse sentido. Estácio recusou pelo receio de que, sendo diferente o espírito de um e outro, a viagem tivesse de obrigar ao sacrifício de hábitos e preferências de um deles.
A notícia da volta de Mendonça encheu de contentamento o sobrinho de D. Úrsula. D. Úrsula estava então na sala de costura, relendo algumas páginas do seu Saint-Clair, encostada a uma mesa. Do outro lado, ficava Helena, a conduir uma obra de crochet.
— Titia, disse ele, dou-lhe uma novidade agradável para mim.
— Que é?
— O Mendonça chegou a Pernambuco; está aqui dentro de pouco tempo.
— O Mendonça?
— Luís Mendonça.
— O que foi para a Europa, sei. Há quanto tempo?
— Dois anos.
— Dois anos! Parece que foi ontem.
— Não lhe leio a carta que me escreveu por ser muito longa. Diz-me que devo ir também à Europa, quanto antes. Querem ir?
— Eu? disse D. Úrsula, marcando a página do livro com os óculos de prata que até então conservara sobre o nariz. Não são folias para gente velha. Daqui para a cova.
— A cova! exclamou Helena. Está ainda tão forte! Quem sabe se não me há de enterrar primeiro?
— Menina! exclamou D. Úrsula em tom de repreensão. Helena sorriu de alegria e agradecimento; era a primeira palavra de verdadeira simpatia que ouvia a D. Úrsula. Bem o compreendeu esta; e talvez a mortificou aquela espontaneidade do coração. Mas era tarde. Não podia recolher a palavra, não podia sequer explicá-la.
— Que tal virá o teu amigo? perguntou ela ao sobrinho. Era bom rapaz antes de ir; um pouco tonto, apenas.
— Há de vir o mesmo, respondeu Estácio; ou ainda melhor. Melhor decerto, porque dois anos mais modificam o homem.
Estácio fez aqui um panegírico do amigo, intercalado com observações da tia, e ouvido silenciosamente pela irmã. Vieram chamar para o chá. D. Úrsula largou definitivamente o seu romance, e Helena guardou o crochet na cestinha de costura.
— Pensa que gastei toda a tarde em fazer crochet? perguntou ela ao irmão, caminhando para a sala de jantar.
— Não?
— Não, senhor; fiz um furto.
— Um furto!
— Fui procurar um livro na sua estante.
— E que livro foi?
— Um romance.
— Paulo e Virgínia?
— Manon Lescaut.
— Oh! exclamou Estácio. Esse livro...
— Esquisito, não é? Quando percebi que o era, fechei-o e lá o pus outra vez.
— Não é livro para moças solteiras.
— Não creio mesmo que seja para moças casadas, replicou Helena rindo e sentando-se à mesa. Em todo o caso, li apenas algumas páginas. Depois abri um livro de geometria... e confesso que tive um desejo...
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Helena ♦ Machado de Assis ♦ Caí no Enem!
RomanceCaí no Enem! Siga o meu perfil ♡ Helena é uma obra de Machado de Assis, considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. O livro foi publicado em 1876 e faz parte da primeira fase literária do autor. 55 mil palavras