CAPÍTULO XII

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A festa correu animada, posto a reunião fosse restrita. Alguns giros de valsa, duas ou três quadrilhas, jogo e música, muita conversa e muito riso, tal foi o programa da noite, que a encheu e fez mais curta.

Se as honras da casa foram feitas por Helena, a alma da festa era Mendonça, cujo espírito havia já recebido e colhido o sufrágio universal. Eugênia dera-lhe, antes de todos, o seu voto. Havia entre ambos tal ou qual afinidade de índole, que naturalmente os aproximava. Mendonça lisonjeava os caprichos de Eugênia, aplaudia-a, compreendia-a, obedecia-lhe sem constrangimento nem reparo. Quando Mendonça valsava com Eugênia, todos os olhos se concentravam neles. Eram valsistas de primeira ordem. As ondulações do corpo de Eugênia, e a serenidade e segurança de seus passos adaptavam-se maravilhosamente àquela espécie de dança. Era belo vê-los percorrer o vasto círculo deixado aos movimentos; vê-los enfim parar com a mesma precisão e sem o menor sintoma de cansaço. Eugênia punha toda a atenção no gesto de braço com que, logo que interrompia ou cessava de todo a valsa, conchegava ao corpo a saia do vestido. O prazer com que fazia esse gesto, e a graça com que o acompanhava de uma leve inclinação do corpo mostravam que, mais ainda a faceirice do que a necessidade, lhe movia o corpo e a mão.

Esta sorte de triunfos enchia a alma de Eugênia; e, porque ela não possuía nem a modéstia nem a arte de a simular, via-se-lhe no rosto o orgulho e a satisfação. A dança não era para a filha de Camargo um gozo ou um recreio somente; era também um adorno e uma arma. Daí vinha que o valsista mais intrépido e constante era também o principal parceiro do seu espírito; e ninguém disputava esse papel ao filho do comerciante.

— Sua filha é a rainha da noite, murmurou o Dr. Matos ao ouvido de Camargo, em um intervalo do voltarete.

— Não é verdade? acudiu o médico.

E a alma do pai voava enrolada nas pontas da fita que apertava a cintura de Eugênia, não regressando ao domicílio senão quando a moça parava. Então volvia Camargo um olhar em torno de si, como pedindo igual admiração. Depois, ficava sombrio, e mais do que usualmente, caía em longos e mortais silêncios. Três ou quatro vezes aproximara-se de Helena sem lograr detê-la, nem achar em si mais que duas palavras triviais. Insistia; não a perdia de vista, parecia ansioso de a conversar sobre alguma coisa.

Helena repartia-se entre todas as pessoas, atenta aos mil cuidados que a noite requeria. Cantou uma vez, dançou uma quadrilha, e não valsou. Em vão Mendonça insistira com ela; a moça

desculpou-se dizendo que a valsa lhe fazia vertigens. Na opinião do filho do comerciante esta razão encobria somente a ignorância de Helena. Estácio pensava antes que era a castidade selvagem da irmã que lhe não permitia o contato de um homem, idéia que lhe fez bem ao coração.

Pela volta da meia-noite, terminada a ceia, começou aquela hora de repouso que precede a total dispersão. As senhoras trocavam impressões e comentários, os rapazes fumavam, os jogadores decidiam as últimas remissas. A noite não refrescara, e a agitação aumentara o calor. Helena, tão cansada como D. Úrsula, retirara-se por alguns instantes para a sala contígua à principal; ali sentou-se num sofá, e derreou levemente o corpo, deixando cair os cílios, não sei se pensativos, se pesados de sono. O espírito não tivera tempo de encadear duas idéias ou esboçar um sonho, quando uma voz a acordou.

— Já dormindo! Era Camargo.

Helena abriu os olhos sobressaltada. A voz de Camargo produzira-lhe a impressão de

desagrado que lhe fazia sempre. Sorriu a moça contrafeitamente, e, vendo que ele se dispunha a sentar-se no sofá, não arredou o vestido, como se quisesse deixar entre ambos larga distância. Camargo sentou-se.

Helena ♦ Machado de Assis ♦ Caí no Enem!Onde histórias criam vida. Descubra agora