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No momento em que Estácio proferia estas palavras, transpunha Mendonça a porta do jardim do capelão. Preocupado com a frieza de Estácio, lembrara-lhe falar a Melchior e pedir-lhe conselho. Melchior ia responder ao sobrinho de D. Úrsula, quando ouviu rumor de passos na areia do jardim.
— Aí vem o noivo, disse ele.
Estácio deu dois passos para pegar no chapéu; reconsiderou e foi sentar-se ao pé da mesa redonda. Havia ali um exemplar das Escrituras. Abriu-as ao acaso; a página acertou ser um capítulo dos Provérbios; leu este versículo: "Quem quer abrir mão de seu amigo, busca-lhe as ocasiões; ele será coberto de opróbrio." Envergonhado, voltou a folha. Mendonça entrara na sala. Não contava com Estácio, mas estimou vê-lo ali.
— Venha, disse Melchior; tratávamos justamente do seu casamento.
Estácio lançou ao padre um olhar de exprobração. O padre não o viu; olhava para
Mendonça, que imediatamente lhe respondeu:
— Não venho cá para outra causa. Uma vez que a fortuna o fez nosso confidente, desejo constituí-lo meu conselheiro e diretor.
— Antes de tudo, sou advogado da sua causa, disse Melchior; estava expondo agora as vantagens dela.
Mendonça olhou fixamente para o amigo, e, depois de curta pausa:
— Rejeitas ou aceitas o noivo? perguntou ele.
Posto entre a espada e a parede, Estácio não soube logo que respondesse; ficou a olhar para a lauda aberta, receoso de encontrar a vista dos dois. O silêncio era pior que a resposta; e nem o caso nem as pessoas permitiam tão grande pausa. Estácio fechou de golpe o livro e ergueu-se.
— Discutia somente as vantagens do casamento, disse ele.
— E qual é a tua opinião?
— Minha opinião é que Helena está ainda muito menina. Mas não é só essa, nem é a principal; o voto, em todo o caso, é a favor do casamento. A principal razão é o teu próprio crédito.
— Meu crédito?
— Helena pode vir a amar-te como lhe mereces; a verdade é que não sente ainda hoje igual paixão à tua; foi o padre-mestre que mo disse. Estima-te, é certo; mas a estima é flor da razão, e eu creio que a flor do sentimento é muito mais própria no canteiro do matrimônio...
— Há muita flor nesse ramalhete de retórica, interrompeu benevolamente o padre. Falemos linguagem singela e nua. Não literalmente o que lhe diz este filósofo, prosseguiu ele, voltando-se para Mendonça; ele gosta de ambos e quer vê-los felizes; próprio zelo que lhe faz falar assim. Numa palavra, deseja que o senhor a conquiste, depois de campanha formal.
Mendonça respondeu ao capelão com um sorriso pálido, que arrebitou um pouco as pontas do bigode, recolhendo-se logo medroso e frio. O rosto ficara carregado e pensativo; a língua de Estácio tocara-lhe o coração. Disposto a aceitar a estima e a de Helena com a esperança de converter êsse pequeno avultado capital, não lhe ocorrera que, a olhos estranhos, parecer que o fim exclusivo era a riqueza da moça. Estácio rompera o véu a essa probabilidade. Uma só palavra desfizera a ilusão de poucos dias.
— Vamos lá, disse o padre, abracem-se como irmãos.
Nenhum deles se mexeu. Melchior sentiu toda a gravidade da situação; viu perdidos os esforços, desfeita a união assentada, um abismo cavado entre os dois amigos, incerto o destino de Helena. Interveio outra vez com palavras de brandura, que os dois ouviram sem interromper. Quando acabou:
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Helena ♦ Machado de Assis ♦ Caí no Enem!
RomanceCaí no Enem! Siga o meu perfil ♡ Helena é uma obra de Machado de Assis, considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. O livro foi publicado em 1876 e faz parte da primeira fase literária do autor. 55 mil palavras