- LucasEu simplesmente o abraço, ficamos assim por um tempo, não tem nada mais à fazer, apenas buscar conforto.
- Que bom que você veio tia Ana.
- Eu sinto muito querido.
Nós entramos ainda abraçados, nunca tive muito contato com Lucas, tirando os presentes pelos correios... mas a maioria das mensagens de Amélia eram sobre ele, uma criança esperta e carinhosa que agora aparentava cansaço e tristeza.
Fomos até a sala onde seu avô Rodolfo estava, eu só o chamava de Coronel Martins. Ele era amigo íntimo de meu pai e desde pequena o vi como uma pessoa intimidadora, nunca o tinha visto desse jeito. Apesar da idade avançada, continuava alto e imponente, as sobrancelhas espessas já estavam brancas, o aperto de mão continuava firme, mas tinha o semblante perdido. Coronel Martins teve dois filhos, o mais novo falecera ainda na infância, tinha muitos problemas de saúde, sua esposa também já havia falecido e agora perdera o outro filho assassinado.Nunca fui fã de nenhum dos dois Rodolfos e não me esforcei pra esconder minha opinião, o que acabou tornando o sentimento recíproco. Imagine minha surpresa ao receber sua ligação ontem tarde da noite, já fui me preparando pra seriedade do assunto, só não imaginei o quão terrível seria a notícia... A única coisa que esse lugar tem de bom é a segurança, e ainda assim eles fora baleados durante um assalto no restaurante em que jantavam. Coronel Martins era uma pessoa que eu fazia questão de trocar de calçada para não ter que cumprimentar, mas nesse momento nos conectamos de uma forma que jamais achei ser possível.
- Anallisa! Como você está crescida, na verdade eu que estou velho.
- Coronel Martins. O senhor está tão forte quanto eu me lembrava.
- Pura gentileza. Mas sente-se, vamos conversar... Lucas nos de licença por hora, depois vocês conversam melhor.O menino assentiu e foi para o quarto. O coronel esperou ele se retirar e se sentou bem ao meu lado no sofá. A sala era bem ampla, toda arrumadinha com decoração combinando em tons pastéis, sempre tive a impressão que minha irmã tinha feito uma casinha de bonecas gigante. O impressionante é que não destoava dos certificados, medalhas e toda essas coisas que militares gostam de exibir.
Nós ficamos calados um tempo cada um contemplando o que conseguia captar da presença que eles deixaram na casa. Por fim resolvi começar, pois temos muito o que resolver.- Sinto muito coronel, sinto mesmo.
- Eu também minha jovem. Perdi meus filhos, minha esposa, você perdeu seus pais e agora sua irmã... Mas para um velho como eu, ver sua família partindo tem outro significado, sabe? A vida vai perdendo o sentido, sou um barco no porto que teve suas amarras cortadas uma a uma... Não precisa de muito pra me deixar a deriva. Eu queria ficar com o Lucas, ele é minha única família, mas eu não tenho nada aqui fora. Depois que minha esposa se foi, eu me mudei para o quartel e me dedico inteiramente a ele. Me deram tempo o suficiente para eu me organizar, arrumar uma casa, ou me mudar para essa, mas eu não vou fazer isso. Não quero ficar aqui, lá no quartel me sinto seguro, esse lado da realidade me tira tudo que é querido... E sendo sinceros, eu não tenho muito tempo... ele vai acabar com você, melhor que seja agora.
- Não se preocupe coronel, eu vim com essa intenção. Ele também é minha única família, deixei esses laços mais frouxos do que deveria, mas quero consertar isso, quero cuidar dele. Não tenho ideia de como, mas vou descobrir, vou fazer meu melhor pra ele ficar bem.
Passamos algumas horas conversando sobre o ocorrido e sobre as papeladas pra resolver. Depois me desculpei e pedi licença para ir ver Lucas.
Bati na porta do seu quarto e entrei, ele estava sentado na escrivaninha, mexendo num livro distraidamente. Seu quarto era bem simples, paredes brancas, uma prateleira com alguns livros e dois quadros, uma foto de família e um certificado por algum mérito escolar, além da escrivaninha tinha uma cama de solteiro, um baú e um armário pequeno. Me sentei na cama e o chamei pra perto de mim. Ele veio com a cadeira na minha direção, mas ainda segurava o livro e era ele que prendia sua atenção.
-Você e seu avô já haviam conversado sobre eu cuidar de você a partir de agora.
- Não precisa tia.
- Oi? Olha pra mim Lucas. Eu e seu avô resolvemos tudo, mas eu quero saber sua opinião, não precisa ter medo.
Ele estava passando as páginas, num movimento quase involuntário, mas olhou pra mim timidamente.
- A senhora não precisa cuidar de mim. A mamãe sempre dizia que a senhora foi para longe pra ficar sozinha. Não precisa me levar com a senhora, eu posso ir pro colégio interno. Mamãe disse que a senhora até estudou em um, não vai ser tão ruim...
Fiz um carinho em seu rosto tão bonitinho e nas sobrancelhas espessas que herdou do pai, depois apertei a ponta do seu nariz com força. Ele ficou meio assustado mas estava me dando total atenção.
- Primeiro: Não estou sendo OBRIGADA a nada, sei que você provavelmente estaria bem num internato, talvez até melhor do que comigo. Eu me diverti muito naquela época, mas fui porque eu quis. Você não vai se esconder em um como se fosse um fardo. Eu fui embora por meus motivos, mas ter sua companhia será um prazer.... Vamos nos estranha de inicio, mas vamos fazer dar certo! Sei que é um pedido egoísta, mas fica comigo. Você pode não me enxergar tanto como família, mas eu sou, quero que superemos essa perda juntos. Depois se você quiser mesmo ir, vou precisar de uma razão melhor que essa.
Lucas está revirando seu livro novamente, como se eu não estivesse aqui.
Não sei o que estou fazendo, não sei como lidar com uma criança, que dirá uma que acabou de perder os pais!!! Tenho n razões pra fugir, tenho anos de prática nisso, mas algo não me permite cogitar essa opção, algo segura essa convicção no meu peito e não tenho como tirar. Eu preciso cuidar do Lucas.
Eu já estava dando a conversa como encerrada quando ele falou, ainda sem olhar pra mim, mas apertando o livro com força entre as mãos.
- Tem certeza que está tudo bem eu ir com a senhora?
- Sim, meu anjo. Eu quero você, eu quero cuidar do meu sobrinho lindo. O que você quer?
- Eu quero ficar com você tia... Eu acho.
Levantei da cama num salto, ele me olhou surpreso, mas eu estava extremamente feliz dele ter concordado em dar esse passo comigo. Dei um beijo em cada bochecha e na sua testa, mostrei meu melhor sorriso e segurei seu rosto bem próximo ao meu.
- Ótimo! Então vamos ficar bem... Eu acho.
Ele sorriu, mas em pouco tempo seus olhos se encheram de lágrimas. Eu o segurei num abraço e desabei junto. Não sei se deveria estar chorando assim na frente dele quando ele precisa de consolo.
Não resisti, chorei por suas lágrimas, chorei por sua dor, chorei por Amélia que não poderá terminar de criar seu filho, chorei pela criança que não tem mais pais e principalmente chorei por medo de estragar tudo.

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Aktuelle LiteraturFamília é aquela coisa importante de mais pra ser tão delicada. Apesar da delicadeza não é nada frágil, seus laços resistem mesmo quando nos afastamos. Seja a sua perfeita ou tão bagunçada quanto a minha, sua vida sempre terá as marcas dessas amarra...