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17 - Bem vindo ao lar

Ok. Agora já deu, não tem como fingir que essa situação está normal. Me levanto da cama e sigo para o possível problema. Paro em frente ao quarto de Lucas, ouço a Lana Del Rey declarar pela milésima vez que vai amar alguém até o fim dos tempos e Lucas concordando apaixonadamente... Pelo amor de Deus, cadê o manual da puberdade?
Bato na porta, com força para ser ouvida.

- Lucas! Abre a porta! Lucas!

A porta se abriu o suficiente para ele aparecer, ele estava com os olhos vermelhos de chorar.

- O que aconteceu? 

- Nada, tá tudo bem tia.

- Se essa é sua definição de "bem", ela precisa ser atualizada. Já passou das 23h, você não quis jantar e estar num loop infinito de "Blue jeans" a mais de 1 hora. 

- Tá tudo bem!! Se o problema é o som eu abaixo.

Empurrei a porta que ele estava segurando, entrei no quarto e me sentei na cama.

- Você pode trazer um desfile aqui dentro que eu ainda consigo dormir de boas, mas vamos falar da sua fixação com essa música.  Se estiver ensaiando pra alguma apresentação na escola, sugiro uma música menos depressiva.

- Não estou ensaiando pra nada, só gosto da música. Tu tem algum problema com isso?

Ele está segurando a porta num movimento que diz "pode se retirar", o que é bem enervante. A rebeldia que eu queria ver chegou. E já pode fazer as malas, pelo bem da minha sanidade, ela não pode ficar aqui.

- "Tu" tem alguma educação ou teve que jogar fora pra dar espaço para a letra da música?

Ele largou a porta e ficou em pé na minha frente 

- Desculpa tia...Mas está tudo bem mesmo

- Uhuu, sei. Agora dá um pausa nessa música e senta aqui um minutinho, prometo que não vou demorar.

Ele faz como eu pedi e senta na cama, um pouco afastado de mim, mas me aproximo dele e estendo a mão, esperando ele segurar. O que ele faz, a contragosto, mas com carinho.

- Sabe Lucas. Eu não me importo se você deixar de jantar uma noite, ou se quiser ouvir música alta. Os vizinhos devem se importar um pouco, eu acho, já posso ver a advertência chegando quando eu passar pelo seu Pedro. Mas falando sério, eu sei que todo mundo precisa de um tempo sozinho as vezes, só quero saber se você está bem, eu me preocupo. O que está passando na sua cabecinha? Posso não ser sua opção favorita pra conversar, mas você sabe que pode me falar qualquer coisa? Seja por bobeira ou problemas, quero que saiba que pode me procurar,  confiar em mim... Então, vou perguntar mais uma vez e quero uma resposta sincera. Eu preciso saber, você está bem?

- Eu gosto de conversar contigo tia, de verdade.  Só que é bobagem e eu estou sendo patético. Então é constrangedor falar que estou mal. Ainda mais por isso. Eu sou tão idiota tia.

Eu estava com sua mão em meu colo, esperando ele lutar com as palavras, mas ele finalmente tropeçou nas lágrimas e desistiu. Ele chorou e chorou. Em meio às lágrimas me explicou que estava numa paquera com uma menina de outra sala e fazia de tudo para agradar, achava que era correspondido e demonstrava publicamente o quanto estava apaixonado, mas ela começou a namorar outro menino.

Resumindo, seu coração experimentou o primeiro tombo.

 Ele foi contando os detalhes da história, a primeira vez que ele notou que eles pegavam o mesmo ônibus, como ele achou lindo ela lendo, o primeira vez que ele foi falar com ela, o suco que ela sempre toma no intervalo, as mensagens trocadas... Ele foi se abrindo e eu fui percebendo como ele cresceu, o quarto já está decorado com pôsteres de bandas, sua estante de livros está recheada de Stephen King, ele já tem a chave da porta... Novamente me vejo nessa posição, sentada com Lucas chorando no meu colo, mas tudo é tão diferente, meu menino assustado está buscando suas próprias histórias... fico feliz de ver que aquelas noites de tristezas foram substituídas por um drama normal de um aborrecente de 16 anos. 

Estou com vontade de dar uma banda nessa guria? Estou.
Farei? Claro que não.
Seu mundo parece que está desabando, mas só está em fase de construção. 

Ele tem tanto pra viver, vai encontrar pessoas novas, aprender coisas, conhecer o mundo... Um dia não dividiremos essa casa e momentos como esses serão apenas lembranças.

Mesmo que um dia a distância nos separe, algo muito mais forte nos uni, um laço eterno que conecta nossas almas.  Compartilhei o mesmo laço com a Mel, mas anos de negligência e mágoas transformou esse laço em amarras que nos prendiam ao passado, nos prendiam na dor.

Lucas me deu algo que eu já tinha desistido de encontrar, e nessa ligação construimos um lar com muita persistência e amor, aonde independente das voltas e reviravoltas da vida sempre seremos morada um para o outro.