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9- Lembrando do que não sei

Sei lá como tudo desandou.

Batemos perna até nos darmos por satisfeitos com as compras e fomos almoçar num restaurante. Em algum lugar no meio disso ele se fechou, passou o almoço todo calado e agora está sozinho no quarto.
Ele não tem a chave da tranca, mas expressou sua vontade de permanecer sozinho e eu pretendo respeitar, pelo menos por enquanto. Léia disse pra ir falar com ele agora, mas ela sempre foi muito invasiva, no começo eu fugia dela por causa disso... O Google não soube me informar quanto tempo devo dar de espaço à um menino de 10 anos, então estou esperando marcar 10 minutos.

- Sinceramente isso é bobeira, ele pode está se jogando da janela agora...

- LÉIA!!!! Pelo amor, não faz esse tipo de brincadeira!

- Tá, desculpa, foi péssima. Mas eu estou preocupada de verdade, dá pra ir ver o menino?

Levantei, extremamente irritada, porque agora tem mil abas abrindo enlouquecidamente na minha cabeça sobre suicídio infantil. Eu não precisava dessa paranóia... ou preciso? Céus!!! Eu preciso daquele psicólogo...

Chego a porta do quarto e dou duas batidinha, mas entro sem esperar resposta. Lucas estava encolhido na cama, coberto com um cobertor e chorando muito. Minha entrada é completamente ignorada, então sento na cama próximo ao que parece ser sua cabeça e o acaricio por cima do cobertor. Ele passou a chorar ainda mais alto, assustada eu tirei a mão dele, pensei em me desculpar, mas ele deitou a cabeça no meu colo e abraçou forte minha cintura. Sua cabeça ficou descoberta e eu fiquei acariciando seu cabelo, até ele se acalmar.

- Você parece muito com a mamãe... Sua risada é igualzinha, o jeito que você fala "eu acho" no final das frases, mesmo que tenha certeza, a mania de estalar os dedos, o jeito que faz carinho em mim. Eu gosto de procurar essas coisinhas em você e me lembrar dela, mas hoje quando a gente estava naquela loja mais cheia, você me chamando no meio das pessoas soou igual a ela... quando você me alcançou, me segurou pelos ombros, mamãe sempre me segurava pelos ombros quando estávamos passeando, como se estivesse me abraçando e quando eu ouvir meu nome junto com esse toque, pareceu por um momento...

Ele voltou a chorar, seus braços me apertavam forte , eu me curvei para aperta - lo em meus braços, necessitada por liberar o aperto que sentia em meu coração.

- Quando eu era bem novinha eu e a Mel éramos muito iguais. Eu adorava ficar parecida com ela, pedia pra mamãe fazer o mesmo penteado e botar nossas roupas parecidas. Mas a Mel odiava, dizia que não era parecida comigo e escondia os prendedores de cabelos que eram iguais aos meus em cima do armário rsrsrs
Eu achava uma gracinha, ela nas pontas dos pés jogando os prendedores quando achava que eu não estava por perto. Ela não queria me magoar, então fingia que tinha perdido...
Eu poderia ter sido menos babona, devia ser chato me aturar, mas eu ficava tão feliz, era uma prova que eramos irmãs. Eu sei que foi bobo, mas hoje fico feliz por ter tido um tempo em que ela era só minha. Com o tempo as coisas mudaram, nós mudamos, muita coisa se perdeu. Esses detalhes que eu nem enxergava mais... Obrigada por me mostrar. Se você puder compartilhar isso comigo, me apresentar a pessoa que te pertence e eu te apresento a que era minha. Eu desperdicei as chances que tive de conhece-la pessoalmente, mas adoraria conhece-la por seus olhos, isso não vai acabar com a tristeza, mas vai trazer alguma alegria.

Lucas tinha sentado direito, estava limpando o rosto e me encarou por algum tempo antes de dizer algo.

- Quando você fala da mamãe é sempre algo tão diferente do que eu sei, eu gosto de ouvir, mas também é estranho. Coisas que ela nunca me mostrou, me incomoda que sejam só suas. Eu quero compartilhar... Você vai me mostrar o vídeo dela dançando?

- Claro que vou!! Quer me ajudar a procura agora?

Ele ficou de pé num pulo e a gente foi garimpar a pilha de caixas no meu escritório à procura da que guardava vestígios do nosso velho novo amor.